quarta-feira, fevereiro 20, 2013

www.pop.pt

É muito habitual ouvirmos dizer que os portugueses "pensam", "acham" ou "querem" isto ou aquilo. O que é menos habitual é que essas afirmações venham acompanhadas de qualquer espécie de fundamentação empírica. Mas em muitos casos ela existe, servindo seja para confirmar seja para refutar essas afirmações. Nas últimas décadas, na Europa, projectos muito conhecidos como o Eurobarómetro, ou menos conhecidos como o Estudo Europeu dos Valores ou o Inquérito Social Europeu, têm feito inquéritos por questionário a amostras representativas das populações europeias, medindo atitudes e valores sociais e políticos.

A verdade também é que sociológos, politólogos e psicólogos sociais não se podem queixar muito do desconhecimento destes dados. Eles são públicos, é certo, mas estão em geral dispersos, em plataformas difíceis de utilizar por não-especialistas e onde a visualização é difícil e deselegante. O Portal de Opinião Pública - POP - procura suprir estas lacunas. Tem mais de 100 indicadores sobre sete temas diferentes - política, economia, família, trabalho, religião, o indivíduo e os grupos sociais - em 27 países e nos últimos 20 anos (nalguns casos mais). É, espero que concordem, de utilização fácil e intuitiva. Gera gráficos e dados fáceis de partilhar. Tem uma versão em inglês. E pode contribuir, esperamos, para melhorar a qualidade do debate público sempre que se entra por aquilo que os portugueses (e os outros europeus) são supostos "pensar", "achar" ou "querer". Convido-vos a visitarem o POP, a brincarem com ele, a partilharem os seus dados e a dizerem o acham que nele falta ou podia ser melhorado.

POP - Portal de Opinião Pública


quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Nós

Há muita gente chocada com as declarações de Fernando Ulrich. Aparentemente, é um problema de "falta de sensibilidade social" ou até de "mau gosto". Mas não me parece que essa seja a questão mais interessante. Afinal, se formos ler o que realmente disse, veremos como assinalou o sofrimento dos sem-abrigo, e nada me faz supor que semelhante sentimento - "sensibilidade", "compaixão", o que lhe quisermos chamar -  não seja genuíno. O que me chama a atenção é outra coisa.

É aquele "nós":

"Se andar aí na rua e infelizmente encontramos pessoas que são sem-abrigo, isso não lhe pode acontecer a si ou a mim, porquê? Isso também nos pode acontecer", disse na conferência de Imprensa. "Se as pessoas que vemos ali na rua, naquela situação a sofrer tanto aguentam, porque é que nós não aguentamos?"

Há pouco tempo, reli um artigo de Frederick Solt sobre desigualdade e nacionalismo. Solt começa por citar Hobsbawm, Tilly, Dahl e até Rosa Luxemburgo em favor de uma ideia simples: a de que "o conceito de 'nação' como uma entidade social e política homogénea" é em parte um "véu" que oculta a desigualdade de condições e os interesses antagónicos dos membros dessa entidade. Segue-se uma hipótese: a de que, quanto maiores forem os níveis de desigualdade de rendimentos numa sociedade, maior a propensão dos seus membros para se mostrarem "orgulhosos da sua nação" e "emocionalmente ligados" ao seu país. Solt confirma a hipótese recorrendo a dados do World Values Survey, e conclui que isto apoia uma "teoria diversionária" do nacionalismo:

"When economic inequality in a country is greater, the state will generate more nationalism in its citizens so as to divert their attention from their diverging conditions and forestall demands for redistributive policies."

Não sei se concordo com a ideia de que as elites políticas tenham sempre o poder suficiente e até partilhem os incentivos para promoverem essa unidade ilusória em contextos de elevada desigualdade, nem com a ideia de que essa unidade é meramente ilusória (afinal, os "países" e as comunidades políticas também têm interesses antagónicos em relação a outros países e outras comunidades). Mas é difícil não recordar que o elenco de argumentos políticos a favor das políticas de austeridade, aqui e noutros países, passa frequentemente pelo apelo ao "interesse nacional", à partilha de responsabilidades e "culpas", dos mesmos deveres de "aguentar" e dos benefícios que supostamente daí advêm para "todos". De resto, um dos argumentos - plausível - que venho ouvindo em conversas sobre a forma "ordeira" como os portugueses têm lidado com os sacrifícios da estabilização orçamental é precisamente a nossa forte unidade nacional e o sentimento de pertença a uma mesma comunidade.

Não sei bem por que razão os políticos conseguem recorrer a este tipo de discurso com relativa impunidade. Talvez por a sua legitimidade advir do "povo", porventura outra ficção, mas de alguma forma consubstanciada, em democracias, em eleições livres e regulares.  Mas essa é uma impunidade de que Ulrich não pôde beneficiar quando apelou a estas semelhanças entre "nós" em torno dos "sacrifícios". Talvez porque tenha inadvertidamente introduzido um "eles" (os sem-abrigo), ou mais provavelmente por ser um membro visível da nossa rarefeita elite social e económica, Ulrich acabou por chamar a atenção para o facto de que, pelo menos de um certo ponto de vista, não há qualquer espécie de "nós" ao qual ele, o seu motorista, um sem-abrigo, eu, e vocês que me estão a ler possamos todos simultaneamente pertencer. Como me recordava há dias um amigo, a esperança de vida dos sem-abrigo britânicos é de 47 anos, e nada faz supor que a dos portugueses seja superior. 72% dos portugueses afirmam ter dificuldades em pagar as contas ao fim do mês. Por detrás do "véu" da unidade nacional, aquilo que cada um tem de aguentar e como aguenta é, afinal, muito diferente. Ulrich ajudou assim a desfazer esta amável ilusão de unidade, relembrando-nos que a profunda desigualdade da nossa sociedade é também uma desigualdade perante os "necessários sacrifícios". Talvez lhe devêssemos agradecer o serviço prestado.

Depois disto, espera-se também que os espíritos mais atentos detectem outras situações comparáveis. Como quando alguns sindicatos e até partidos invocam os interesses dos "trabalhadores", quando é patente que os interesses que defendem são os de uma parte, cada vez mais pequena, daqueles que trabalham, normalmente contra os interesses da outra parte. Ou quando muitos patrões que falam dos interesses das empresas, da "criação de emprego" ou - acaba quase sempre aí - dos "apoios do estado" estão, de facto, a representar os interesses de uma parte das empresas, normalmente as que vivem do mercado interno. Etc, etc, etc. Na verdade, o que há mais é disto.

terça-feira, fevereiro 05, 2013

Marktest, 15-21 jan, N=803, Tel.

PS: 32.6%
PSD: 27.9%
BE: 13.3%
CDU: 12.4%
CDS-PP: 5.2%

Aqui.

Panetta-Burns

A liderança bicéfala do Bloco de Esquerda complica a vida a quem faz sondagens. Quem é o "líder" do Bloco, aquele cuja popularidade ou actuação, tal como percepcionada pelos eleitores, as sondagens querem medir? Eis como a Eurosondagem lidou com o problema no Barómetro Político de Dezembro:


P.14: Acha que a actuação da liderança do BE, Cristina Martins e João Semedo, tem sido:

Positiva: 28,6%
Nem boa nem má: 28,4%
Negativa: 22,0%
Ns/Nr: 21,0%

Daqui podem decorrer várias conclusões. Uma é que há mais inquiridos que fazem uma avaliação positiva que negativa da liderança do Bloco de Esquerda. Outra é que mesmo um público informado, como aquele que é responsável por conduzir sondagens, pode ainda não saber que Catarina Martins não se chama Cristina Martins (eu, por exemplo, não reparei nisto quando olhei para o documento. Foi um colega que me alertou para a coisa). E a terceira é que há pessoas que têm opinião sobre tudo, mesmo aquilo que não existe. Por exemplo, há uns tempos ficámos a saber que 25% dos americanos tinham uma opinião sobre o plano Panetta-Burns de redução do défice, não muito menos que os 39% que tinham opinião sobre o plano Simpson-Bowles. O único detalhe, claro, é que o plano Panetta-Burns nunca existiu...