sexta-feira, novembro 30, 2007

Dados em falta

Como sabem, não dou grande cobertura neste blogue a sondagens sobre intenções de voto em períodos fora das eleições. Uma percentagem muito elevada de eleitores não manifesta qualquer intenção e isso produz grande volatilidade e discrepâncias entre sondagens. Acho muito mais interessante, neste período, analisar as perguntas a que quase toda a gente responde, e que têm a ver com avaliação do desempenho do governo, da actuação dos líderes políticos ou da situação da economia. Como nem a primeira nem a última perguntas são regularmente colocadas, ficamos com a segunda.

Vem tudo isto a propósito do Barómetro Marktest divulgado hoje. Ao contrário do que é habitual, o DN não publica as avaliações de Sócrates, Cavaco e Menezes, limitando-se à intenção de voto e avaliações de ministros. Há alusões no texto às avaliações de Cavaco e Portas, mas os dados não foram colocados cá fora. Espero que ainda sejam.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Rescaldo

O rescaldo do debate CNN/You Tube entre os candidatos republicanos. Ou como "Mo" Udall disse uma vez do seu próprio partido: "When Democrats organize a firing squad, they form a circle."

quarta-feira, novembro 28, 2007

Iowa, New Hampshire, CNN e You Tube

Com as primárias no Iowa e em New Hampshire a pouco mais de um mês, o dramatismo aumenta. No Iowa, como se vê por aqui, Clinton e Obama destacam-se. Mais: nas duas últimas sondagens, Obama está a par ou até à frente de Clinton. Mas são apenas duas sondagens e, em New Hampshire, a vantagem de Clinton é mais confortável.

Com os Republicanos, o incrível prepara-se para acontecer. Mitt Romney lidera as sondagens no Iowa seguido de...Mike Huckabee. Nem Giuliani, nem Thompson, nem McCain. E em New Hampshire, é também Mitt Romney que lidera, com grande vantagem.

Hoje, a CNN repete o bem sucedido formato de debate com perguntas em video introduzidas no You Tube. O debate Democrata foi muito importante para confirmar a liderança de Clinton e Obama (e serviu para abrir as hostilidades entre ambos). O debate de hoje pode ser igualmente importante.

P.S.- 4927 perguntas introduzidas no You Tube para os candidatos republicanos. Será que, nas próximas eleições em Portugal um dos canais irá tentar copiar este formato?

domingo, novembro 25, 2007

Sabemos quando a vemos?

Tenho tido uma conversa com o Daniel Oliveira, do Arrastão, que entretanto ganhou ramificações noutros blogues: aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui. Sem contar com os e-mails que vou recebendo. Esta conversa alargada já se transformou num debate sobre o que é a democracia, a relação entre democracia e cultura política, a natureza dos direitos políticos, a qualidade das democracias e o liberalismo, ou seja, tudo temas leves. Em vez de responder aqui, respondo amanhã, no Público (e depois de amanhã aqui). O ponto, de resto, é muito simples: é cada vez mais difícil distinguir a democracia de outros regimes; é cada vez mais importante fazê-lo.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Ainda a Venezuela e a "democracia"

No Arrastão, Daniel Oliveira escreve sobre o conceito de democracia, as condições favoráveis ao seu "aprofundamento" ou "qualidade" e sobre a aplicação dos pontos anteriores ao caso da Venezuela. Não posso nem quero discutir todos os pontos, mas há um que me parece central. Segundo o Daniel, na ponderação da designação de um determinado regime como ditadura ou democracia temos de tomar em conta não apenas a nossa avaliação mas também a avaliação subjectiva daqueles quer vivem sob esse regime.

"O passo que se dá para passar a chamar ditadura a um regime (partindo do principio que quem lhe chama outra coisa o está a apoiar) é, para mim, um passo que deve ser ponderado. E nessa ponderação deve contar a nossa avaliação mas também a avaliação daqueles que vivem nesse regime."

O meu ponto fulcral de discordância está precisamente aqui. Quando abordamos estes assuntos, quanto mais não seja por questões de rigor analítico, não convém confundir num único conceito diferentes dimensões da realidade. Se eu tiver uma definição de "democracia" - como o Daniel pelos vistos tem ("eleições livres, liberdade de organização, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e separação de poderes") - eu posso dizer se a Venezuela é ou não uma "democracia" independentemente daquilo que saiba sobre as opiniões subjectivas dos cidadãos venezuelanos. E a resposta é simples: não é. Um país onde há abundantes casos documentados de intimidação dos eleitores pelo governo, de silenciamento de meios de comunicação social oposicionistas, onde a lista de signatários do referendo anti-Chávez é usada activamente para discriminação no acesso à função pública, onde associações financiadas por países estrangeiros são perseguidas e onde não há controlo civil do aparelho militar não pode ser vista como uma democracia nos termos da definição do próprio Daniel.

Para quê misturar isto com a avaliação subjectiva dos eleitores ou com indicadores de desempenho económico ou social? Nada nos impede de, depois de constatarmos que a Venezuela deixou de ser um regime democrático, constatarmos também que Chávez tem muito apoio popular, que o nível de "satisfação com a democracia" é muito elevado ou até que as desigualdades sociais ou a pobreza possam ter diminuído (não sei se é assim, mas para o caso não interessa). Ou podemos até chegar à conclusão que muitos dos "democratas" que se opõem a Chávez também não são flor que se cheire. Não sei. Mas separar as coisas é condição indispensável para percebermos, por exemplo, se há relação entre umas e outras. Não posso é meter tudo isto dentro de um mesmo conceito. Em todos os inquéritos deste género, o país no mundo onde o nível de "satisfação com a democracia" é mais elevado é Singapura. Devemos então achar que Singapura é uma democracia só porque os cidadãos acham que aquilo é uma democracia e estão satisfeitos? E como lidamos com o enorme apoio popular a Putin na Rússia? Ou o apoio das classes médias chinesas ao regime e ao partido?

Depois, a questão do "consenso". Ter-me-ei explicado mal, mas tento corrigir. Na maior parte das "democracias ocidentais", também não há consenso sobre o que significa "democracia". Há quem ache que "eleições livres, liberdade de organização, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e separação de poderes" são condições suficientes. E há quem ache que são condições necessárias mas não suficientes, fazendo-as acompanhar de "condições para que cada individuo possa determinar o rumo a dar à sua vida através das suas escolhas pessoais e da participação nas escolhas colectivas". Tudo bem. Contudo, o ponto sobre a Venezuela (e muitas novas democracias, "semi-democracias" ou "semi-autoritarismos") é outro: pelos vistos, há muita gente para quem "eleições livres, liberdade de organização, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e separação de poderes" não são nem suficientes nem necessárias para que considerem o regime uma "democracia". E isso é importante saber, especialmente porque essas condições "culturais" estão fortemente relacionadas com a criação de oportunidades para lideranças autoritárias, golpes, e uma geralmente baixa qualidade da democracia.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Sobre a "satisfação com a democracia" na Venezuela

No Arrastão, há um gráfico retirado do Economist (a fonte original é o Latinobarómetro) onde se mostra um nível elevado de "satisfação com o funcionamento da democracia" na Venezuela hoje em dia e um aumento muito pronunciado dessa satisfação desde 1996. O Daniel Oliveira é cuidadoso na interpretação desses resultados, não retirando deles uma justificação para os atropelos de Chávez e assinalando apenas que se trata da avaliação subjectiva da população. Mas há mais cuidados a ter. O relatório do Latinobarómetro (.pdf) tem uma considerações muito interessantes sobre o fenómeno. Cito algumas:

"(...) El mundo que la [Venezuela] observa la evalúa mal en un doble sentido: se le reprocha los límites al ejercicio de la libertad y las limitaciones impuestas a las instituciones políticas. Sin embargo, la percepción de los venezolanos es positiva, y causa mucha perplejidad, pues ellos declaran que les gusta la democracia como está en estos momentos, al menos mucho más que lo que dicen otros ciudadanos de otros países respecto de su propia democracia, en los cuales el mundo externo no critica la falta de libertad, ni el acoso a ciertas instituciones. Venezuela un país dividido por dos conceptos de democracia. Pero todos quieren ser llamados demócratas, incluso los que apoyan medidas no democráticas. Pocos pueden comprender desde afuera por qué tienen una visión positiva de la democracia. Lo que se observa desde afuera de un país, no necesariamente concuerda con la opinión que tienen los ciudadanos de ese país con respecto a lo que ellos están viviendo."

Sobre um outro dado - os venezuelanos são os latino-americanos mais de acordo com a ideia de que as privatizações foram positivas para o país:

" Nuevamente, el optimismo venezolano en este caso con las privatizaciones no solo es incongruente con el discurso político de izquierda de su gobernante, es contradictorio con los indicadores objetivos de las mejoras económicas de la población de ese país. Venezuela parece vivir un tiempo de sobre optimismo que eleva sus evaluaciones, expectativas y opiniones"

E sobre o facto de, apesar disso, os venezuelanos serem dos latino-americanos que se tornaram mais críticos em relação à "economia de mercado" nos últimos anos:

"Especialmente interesante es ver el caso de Venezuela, donde hay una gran mayoría que apoya la privatizaciones, 61% pero a la vez se fustiga el mercado con solo un 47% y hay insatisfacción con la economía (26%). Como ya decíamos mas arriba, Venezuela es un país donde las opiniones no concuerdan con la realidad objetiva, donde el clima de opinión produce contradicciones con ella. El liderazgo discursivo de Chávez hace que se creen climas de opinión sobre ciertas materias, pero estas de alguna manera no cambian las actitudes hacia todos los temas, sino solo hacia aquellos que mencionan, produciéndose contradicciones entre las respuestas. Chávez no ha fustigado las privatizaciones en específico, por lo que ellas no están afectadas por ese liderazgo discursivo, mientras que si ha atacado el mercado que si se ve afectado. Es una opinión pública dominada por esos climas de opinión que terminan siendo más coyunturales y más volátiles."

Há aqui dois pontos muito interessantes. O primeiro é sobre a forma como as elites políticas e o seu discurso condicionam a opinião pública - ou a expressão de opiniões através de inquéritos. O outro é sobre o que significa "democracia". Já em 1999, através do World Values Survey, se via uma coisa muito interessante na Venezuela: 91% (mais do que em Portugal, por exemplo) achavam que "a democracia é a melhor forma de governo"; mas apenas 49% achavam que "um líder forte que dispensasse eleições e o parlamento" era uma coisa "má" ou "muito má" para o país. Este tipo de padrão é muito comum, por exemplo, nos países africanos estudados pelo Afrobarómetro: alto apoio à democracia, mas baixa rejeição de soluções autoritárias. Para quem quer medir a real "legitimidade" dos regimes democráticos (como nós os entendemos) e o real grau de consolidação de um regime democrático, a rejeição do autoritarismo começa a ser, cada vez mais, um indicador superior à mera declaração de "apoio à democracia".

Assim, quando o Daniel diz "a democracia é isto", eu diria outra coisa: é isto um regime onde não há consenso sobre o que significa "democracia".

sexta-feira, novembro 16, 2007

Meet Mitt

Giuliani ainda lidera a nível nacional nas sondagens para as primárias republicanas. Mas nas cruciais primárias do Iowa e de New Hampshire quem está a ficar cada vez mais bem colocado (e com tendência de subida em todas as "primeiras primárias") é este senhor:


Meet Mitt.

Dois pontos adicionais sobre as sondagens

Este correctíssimo post do A Pente Fino talvez não fosse necessário se:

1. Houvesse um local onde se pudesse consultar uma sondagem com algum detalhe, não apenas as suas características técnicas mas também, por que não, as estatísticas descritivas básicas (não era preciso mais que as frequências de resposta a cada pergunta);

2. Se os meios de comunicação social decidissem investir em formar jornalistas com competências mínimas para escreverem sobre sondagens.

Disto isto, a verdade é que muitos institutos de sondagens já poderiam ter, por sua iniciativa, começado a dar essa informação. É possível que, nalguns casos, se aguarde uma iniciativa da ERC. Ou que noutros se esteja a adiar isto por não ser uma prioridade de investimento. Mas posso dizer que o CESOP vai começar a fazê-lo em breve num site novo, em que, pelo menos para as sondagens político-eleitorais, vai disponibilizar:

1. O texto completo e ordem das perguntas;
2. Uma ficha metodológica completa;
3. As frequências relativas de resposta a cada questão.

A ver se no início de 2008 a coisa é colocada no ar.

A regulação das sondagens

Só pude assistir a dois painéis da conferência que a ERC organizou sobre a regulação das sondagens. Ao que parece, terei perdido o mais divertido, o do dia 14 de manhã, em que participaram alguns deputados. Um deles terá proposto que, para evitar a multiplicação de "erros", "fraudes" e "manipulações" em que o sector é, pelos vistos, pródigo, se deveria criar um "instituto público" dedicado a realizar sondagens, sob a dependência (sic) da Assembleia da República. Outro terá defendido o agravamento de multas a aplicar aos institutos de sondagens, sugerindo que a ERC passe também a utilizar como parâmetro da aplicação desses multas o grau de precisão com que as sondagens "acertam" nos resultados eleitorais.

Não vale a pena perder muito tempo a comentar estas duas pérolas. O exemplo do Centro de Investigaciones Sociológicas em Espanha, se os nossos deputados o conhecessem, talvez tivesse chegado. O CIS, dependente do governo espanhol, cumpre - como também foi explicado ontem por um membro da audiência - uma função importante, a de realizar inquéritos por questionário sobre temas de interesse público e académico. Mas quando se mete em sondagens político-eleitorais a coisa, geralmente, corre mal. Não é nem mais "preciso" nem "impreciso" que os privados e tudo o que faz é encarado - justa ou injustamente - sob um princípio de suspeição de favorecimento do governo do dia. Como assinalava Rui Ramos ontem à tarde, se se pusesse um "instituto público" a fazer as sondagens eleitorais, então é que nunca mais ninguém acreditava nelas. Sobre as multas para quem "não acerta", enfim, que dizer? Eu proponho que da próxima vez que um jornal pedir a um painel de economistas que faça previsões económicas para o ano seguinte haja um organismo público que, um ano depois, confronte as previsões com a realidade. Se falharem, multe-se.

Mais interessante é perceber que, excluindo os nossos deputados, os restantes actores relevantes - institutos, imprensa e regulador - começam a convergir num conjunto de ideias bastante sensatas. A primeira é a necessidade de mudar a legislação de forma a corrigir a sua falta de clareza e, nalguns casos, os seus erros técnicos, de que Vidal de Olveira deu alguns exemplos no dia 14 à tarde. A segunda é a ideia de que se deve clarificar quais os elementos técnicos da sondagem que devem ser obrigatoriamente divulgados pelos órgãos de comunicação social nas noticias sobre sondagens e quais devem ser publicitados de outra forma, seja através de um site da ERC, dos sites do órgãos de comunicação social ou dos próprios institutos.

Mais: que esses elementos mais completos da ficha técnica devem ser muito mais exaustivos do que são hoje e homogeneizados (para permitir comparabilidade). Aquilo que é depositado na ERC (e que é muito mais completo do que o que vem normalmente na comunicação social) deve ser mais completo e sistemático ainda e totalmente colocado ao dispor do público, para que os leitores interessados possam conhecer tudo aquilo que pode ajudar a explicar os resultados (e, logo, para que quem faz sondagens saiba que aquilo que está a fazer pode ser publicamente escrutinado e analisado pelos pares, especialistas e quaisquer pessoas interessadas). O resto é algo que o debate, a análise e a concorrência acabam por resolver. Aqui, é possível que alguns institutos venham a colocar resistências a esta ideia, alegando usar técnicas ou algoritmos "especiais", da sua própria "invenção", que constituem "tecnologia proprietária" e que não querem "ceder" à concorrência. Estas resistências têm que ser descritas como aquilo que realmente são: disparates algo suspeitos. Não há nada que qualquer instituto de sondagens use em Portugal que não tenha sido já "inventado", aplicado, testado, comentado e analisado noutro sítio qualquer. E se alguém tivesse realmente "inventado" alguma coisa genial, certamente já teria feito saber disso na literatura especializada.

Finalmente, começa a haver consenso em torno da necessidade de formas de co-regulação ou auto-regulação. E é curioso que seja o próprio regulador a desejar e estimular essa ideia. No relatório da ERC de 2006, os dois exemplos internacionais dados são de órgãos de auto-regulação (o NCPP e o BPC) e, no encerramento da conferência, foi o próprio membro da ERC com a tutela das sondagens que defendeu a ideia. Tudo bons sinais.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Popularidade

Tenho andado desleixado, mas aqui está, com as últimas sondagens Marktest e Eurosondagem. Não há novidades, pelo que isto é só para memória futura. Quanto a Menezes, ainda é cedo.




terça-feira, novembro 13, 2007

Outlier: Panda Bear

Vocês desculpem todos que eu devo andar completamente distraído. E também devo andar bastante farto de sondagens, caso contrário não traria este assunto para aqui. Mas andava muito entretido a ouvir isto quando me fizeram saber que ele vive em Lisboa. Em Lisboa? Isto é como viver em 1966, andar a ouvir o Pet Sounds e encontrar o Brian Wilson a comer torradas num café em Campo de Ourique. Ainda estou a tentar encaixar a coisa.

quinta-feira, novembro 08, 2007

Gattopardo, Outubro-Novembro 2008, N à volta dos 1000, Online

O Instituto de Sondagens Político-Eleitorais do Principado de Lampedusa resolveu conduzir uma sondagem online sobre o Tratado de Lisboa. Tal como sucede com todas as sondagens online de participação voluntária, esta também diz mais sobre os autores do que sobre outra coisa qualquer. O facto das opções de resposta serem oferecidas em rima - ideia que tenho vindo a ponderar para as sondagens da Católica - é um primeiro sinal. Depois vêm os próprios resultados, consequência do perfil dos leitores do blogue e logo, de alguma forma, espelho dos autores: a tendencial recusa das opções extremas ("Admirável" ou "Inaceitável") e a distribuição mais ou menos equitativa pelas opções restantes. Mas o melhor de tudo é mesmo o facto das opções de resposta oferecidas aos votantes não serem sequer mutuamente exclusivas. É um erro elementar na construção dum questionário, claro. Mas é acerto elementar em, digamos, tudo o resto. Aliás, foi disso que sempre gostei nos responsáveis deste instituto: para eles, as opções de resposta nunca são mutuamente exclusivas. Acho até que Pascal tinha uma frase boa sobre este assunto (e sobre todos os outros, de resto).

segunda-feira, novembro 05, 2007

Sobre os rankings e o "cheque-escolar"

No Público de ontem, sobre os rankings, para além de ser provavelmente o primeiro colunista na história da imprensa escrita a usar a expressão Hierarchical Linear Modelling num jornal de grande circulação, André Freire diz o óbvio, mas um óbvio que vale a pena repetir:

Penso que é preciso ultrapassar este nível de discussão (até agora baseado numa troca de argumentos sustentada, na melhor das hipóteses, numa análise metodologicamente insuficiente dos dados) para passarmos a um debate alicerçado em evidência empírica avaliada com as metodologias adequadas.

Mas importa perceber o que significa "ultrapassar este nível de discussão". Em primeiro lugar, como assinala o próprio André Freire, significa que é imperioso recolher dados a nível individual de forma a que as "causas" (na medida em que qualquer estudo observacional possa apurar causas) do desempenho escolar individual, em particular as ligadas ao ambiente escolar, possam ser estimadas controlando os efeitos de variáveis ligadas ao capital escolar e económico dos pais.

Em segundo lugar, significa também perceber que os efeitos desse capital escolar e económico são, em certo sentido, triviais. É obvio que eles existem e estão mais do que demonstrados. Mas no que diz respeito às políticas públicas, esses efeitos são tão desinteressantes como os efeitos, por exemplo, do desenvolvimento económico na estabilidade dos regimes democráticos. Ou para irmos mais directamente ao tema, são quase tão desinteressantes como os efeitos das capacidades cognitivas inatas (que também existem) dos alunos no seu desempenho escolar. Aquilo que queremos saber é que outros factores, cuja modificação a curto e médio-prazo esteja ao alcance da vontade dos educadores, dos pais, das escolas e dos decisores políticos, exercem efeitos para além e independentemente (ou em interacção com) esse capital escolar e económico ou essas capacidades inatas. É verdade que - voltando ao ponto anterior - só podemos saber que factores são esses se controlarmos os efeitos do capital escolar e económico das famílias (e seria bom termos medidas de capacidades inatas, mas como provavelmente nao podemos em contextos não experimentais, o que teremos no final é muita variância não explicada). Mas o ponto é este: se é verdade que essas variáveis de controlo não podem ser esquecidas, também não se pode pressupor que tudo é subsumido por elas. É preciso estudar o assunto como deve ser, e pronto.

Em terceiro lugar, ultrapassar o actual nível de discussão significa também assumir que a simples dicotomia público/privado é uma péssima e provavelmente inválida maneira de medir seja o que for de relevante sobre o ambiente escolar e os efeitos que esse ambiente pode induzir sobre o desempenho. Citando o relatório que André Freire menciona no seu artigo:

"It should be borne in mind that private schools constitute a heterogeneous category and may differ from one another as much as they differ from public schools. Public schools also constitute a heterogeneous category. Consequently, an overall comparison of the two types of schools is of modest utility."

Como deveria ser óbvio - pensava eu - o que interessa é estimar os efeitos de atributos do ambiente escolar - condições físicas e materiais, práticas educativas, currículos, etc, etc, etc - que podem ou não estar correlacionados entre si ou com a dicotomia público/privado. Se não estimarmos os efeitos destes aspectos, não ficamos a saber nada de relevante no final. "Privado melhor do que público"? "Público não é pior que privado"? Frases úteis para discussões puramente ideológicas, inúteis para tudo o resto.

Em quarto lugar, ultrapassar o actual nível de discussão significa também pressupor que os bons modelos explicativos do desempenho escolar serão certamente muito complexos, incluindo efeitos de interacção entre características individuais, efeitos de características contextuais sobre desempenhos individuais e efeitos de interacção entre contextos e atributos individuais. Dou um exemplo: é quase garantido que uma das coisas que mais deverá potenciar o bom desempenho dos alunos de escolas altamente selectivas no seu recrutamento é não apenas o facto de cada um dos alunos estar mais bem equipado para o sucesso escolar mas também o facto das turmas onde esses alunos estão serem compostas por um conjunto de alunos homogeneamente bem equipados para o sucesso. O primeiro efeito é individual; o segundo é contextual.

Disto isto, um ponto adicional sobre o cheque-escolar. Independentemente da minha opinião sobre o assunto - que confesso ainda não sei bem qual é - suspeito que a ideia tem muito menos receptividade entre os proprietários e dirigentes das melhores escolas privadas portuguesas do que aquilo que os defensores da ideia imaginam.

Primeiro, porque a introdução do cheque-escolar poderia levar ao que acabou por suceder na Suécia, ou seja, a proibição de cobrança, pelas escolas privadas, de mensalidades adicionais acima do valor do voucher (em moldes semelhantes, por exemplo, aquilo que defende o Partido Conservador no Reino Unido). Para as melhores escolas privadas portuguesas, que têm procura muito superior à oferta e cobram mensalidades muito superiores àquilo que o valor do "cheque-educação" alguma vez poderá ser no contexto português, uma medida destas seria um desastre.

Segundo, a introdução do voucher quase certamente obrigaria a regulação e monitorização dos critérios de admissão. Tal como sucedeu na Suécia, as escolas inscritas no esquema deixariam de poder recusar a admissão de alunos menos qualificados. Isto seria igualmente desastroso para as melhores escolas privadas portuguesas. Por um lado porque, como já vimos, é altamente provável que a homogeneidade das turmas "por cima" seja um factor favorável não só - como é óbvio - para o desempenho "agregado" das escolas (que essas escolas querem manter a altos níveis de forma a preservarem altos níveis de procura) como também para o desempenho individual de cada um dos alunos. Por outro lado, uma das maneiras como as melhores escolas privadas colocam um "premium" adicional ao produto que estão a vender consiste em restringir os critérios de admissão através de "cunhas". Como qualquer pessoa de classe média-alta que tenha filhos em idade escolar (ou que tenha amigos nessas condições) sabe perfeitamente, são raríssimos os casos de alunos que entram nos melhores colégios privados em Portugal sem "cunha" (talvez o St. Julian's seja a excepção, mas nem disso estou certo). Isto cumpre uma função essencial: preservando a homogeneidade social dos colégios através de um recurso às redes sociais dos pais, estes ficam a saber que, ao colocarem o filho no colégio, estão também a dar-lhe acesso a uma rede de relacionamentos que traz consigo uma coisa simples mas fundamental: capital social. Os vouchers colocariam isto em risco, e isto é algo que nenhum bom colégio privado (nem os pais que os procuram) querem realmente perder. É triste? Talvez. Mas é assim.