Pegando nos dados dos inquérito sobre Lisboa feito pelo CESOP, é possível testar os efeitos de alguns atributos dos eleitores nas suas actuais intenções de voto. Foi o que fiz, numa análise muito rough and ready (faltam variáveis de controlo potencialmente importantes, tais como ideologia, id. partidária, etc.). A pergunta é: que aspectos ajudam mais a distinguir aqueles que tencionam votar Santana Lopes dos que tencionam votar António Costa? Usei uma regressão logística, com voto em Costa codificado como 0 e PSL como 1.
Instrução, sexo e idade são irrelevantes. Curioso, mas não surpreende quando a escolha é apenas entre PS e a direita. O coeficiente associado à instrução é positivo (mais instrução, maior propensão para votar PSL em vez de Costa na amostra) mas não é significativo com p<0,05. Obviamente, a avaliação da actuação de António Costa é o factor determinante, mas é um indicador, em si mesmo, demasiado "próximo" do voto, sendo provavelmente mais instrutivo retirar a variável do modelo. E o mais interessante é que, quando o fazemos, verificamos de que forma a percepção dos problemas da cidade afectam a opção Costa vs. PSL. E são duas, e só duas, as percepções relevantes para distiguir estes dois grupos de eleitores: criminalidade e sujidade das ruas e dos espaços verdes. Quanto maior a gravidade apercebida destes problemas, maior a propensão para votar PSL em vez de Costa.
Quando os grupos comparados são aqueles que tencionam votar em Costa (0) vs. os que tencionam votar num qualquer outro partido (1), a questão da criminalidade deixa de ser significativa. É, portanto, um factor que joga mais na escolha entre Costa e a coligação de direita do que na opção genérica "incumbent" vs. oposição. Mas a questão da sujidade das ruas e espaços verdes permanece (e o coeficiente até cresce em dimensão e significância estatística): é esta percepção, positiva para alguns (29% dos votantes prováveis) mas negativa para a maioria (71% dos votantes prováveis), o aspecto que mais ajuda a diferenciar os que tencionam votar em Costa dos que tencionam votar noutra lista e candidato qualquer.
Banal? Talvez. Mas quando olho para a lista dos outros problemas sobre quais pedimos opiniões aos eleitores, julgo compreender. Trânsito, transportes, habitação, degradação de edifícios são problemas "macro", que envolvem factores fora do controlo da CML (o que não quer dizer que a CML faça tudo aquilo que está ao seu alcance nestes domínios). Criminalidade é, em grande medida, um problema de percepção. Na falta de dados que permitam relacionar as pessoas com contextos concretos de insegurança, o que sobra são percepções fundadas em predisposições ideológicas, e por isso se entende que conte apenas numa escolha Costa/PSL, ou seja, esquerda/direita. E a cultura, digamos, não é problema sério para muita gente.
Resta a "sujidade". Uma espécie de "atalho informacional": se uma câmara é vista como conseguindo manter uma cidade limpa e arranjada, também não há-de ser má em tudo o resto. Mas se é vista como não conseguindo cumprir os "serviços mínimos", isso é mau sinal para tudo o resto. Os eleitores até podem ter pouca informação, mas não são parvos a usarem a que têm.
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5 comentários:
Os dados do inquérito sobre Lisboa feito pelo CESOP (blog margens de erro de Pedro Magalhães, comentado em Atalhos informacionais) sugerem-me algumas considerações atrevidas (de leigo)
Começa o inquérito por recordar uma série de problemas que afectam ou assustam muito os cidadãos (Crime, transportes, habitação, além de um problema inócuo de cultura e lazer)
Problemas semelhantes são apresentados em duplicado (Excesso de trânsito / Falta transportes públicos; Degradação dos edifícios / Falta habitação). Não teria sido preferível alargar o leque das questões, de preferência com menos carga emotiva? A percepção da criminalidade, por exemplo, é muito dependente de factores como afectos, para além de informação, posicionamento social e político.
As questões são apresentadas de forma aparentemente valorativa, e pela negativa (há falta de, há excesso de; graves).
Não teria sido preferível um número ímpar de hipóteses de resposta (3 ou 5, com hipótese neutra no centro), em vez das 4 (grave, muito, pouco, nada) colocadas?
Questões neutras (relevância em vez de gravidade) esperando predomínio de respostas neutras distribuídas uniformemente à volta de um ponto central (relevância média com 2 hipóteses alternativas, grande e pequena (ou 4, muito). Numa escala de 10 a zero, se nada grave = 0, que pontuação atribuir a muito grave? 10 ou 8,8, a média do último quartil? Os que lhe atribuírem 10 tenderão a nunca a escolher. Também não há, senão excepcionalmente, problemas NADA graves. Se eu ponderar o 5 da tabela, que hipótese terei de escolher, grave ou pouco grave? Não ficará então esta opção exageradamente dependente de aspectos como personalidade ou ansiedade? Porquê colocar hipóteses destas, de significado ambíguo, supérfluas ou geradoras de confusão?
Os problemas relacionados com cultura e lazer, limpeza e transportes públicos foram julgados como menos graves enquanto os relacionados com a habitação, criminalidade e excesso de trânsito ficaram no topo das preocupações. O excesso de trânsito e a falta de transportes públicos em direcções opostas, curioso!
Foi inquirido de seguida “como classifica o trabalho da câmara” para a resolução dos problemas anteriores. A apreciação foi globalmente negativa. Em cada questão, a valorização atribuída parece muito dependente da gravidade percepcionada dos problemas. Se tal dependência se verificou, questiona-se, então, se as respostas obtidas não poderão ter sido influenciadas pela formulação das questões prévias.
Das avaliações negativas do trabalho da câmara parece destacar-se a relativa à incapacidade revelada de resolver dos problemas de trânsito; isto tomando como referência a tendência da (cor) relação acima referida. A avaliação dos munícipes foi neutra ou ligeiramente positiva em relação aos problemas da limpeza, transportes públicos e cultura e lazer, problemas julgados menos graves. Fica-se sem se perceber se estes são considerados menos relevantes ou menos graves (porque foram melhor resolvidos pela câmara e, daí, a avaliação positiva?).
Curioso que seja a questão da sujidade, um aspecto aparentemente menor, a única que diferencia os que tencionam votar ou não no actual presidente. Não teria sido possível ir mais longe?
Óscar Mota
PS. Uma sondagem sobre intenções de voto antecedida de um inquérito desta natureza. Será uma metodologia correcta?
Muito obrigado pelos comentários. Passo a responder:
1. Não creio que os problemas sejam duplicados; são diferentes; falta de habitação não é o mesmo que degradação de edifícios.
2. É difícil apresentar uma pergunta sobre "problemas" de forma positiva; problemas são problemas, logo negativos. O que é possível é dar opções aos inquiridos que lhes permitam afirmar ou negar a importância desses problemas. Foi o que a escala de 4 pontos tentou fazer, de muito grave a nada grave.
3. Que a falta de actividades de cultura e lazer seja "inócuo" é uma opinião respeitável, mas sua. 46% dos inquiridos discordaram dessa ideia.
4. A utilização de escalas com pontos "neutros"/"centrais" é uma questão muito discutida. Já apliquei muitos inquéritos com as duas soluções. Receei, no entanto, algo muito comum nos inquéritos em Portugal: a sua utilização como ponto de "refúgio". Mas aceito perfeitamente que se poderia ter pedido respostas numa escala de 0 a 10. Não foi a nossa opção, e não a creio ilegítima.
5. Discordo que não haja problemas "nada graves". "Grave" é um qualificativo pesado. Importa que quem vai responder o possa negar categoricamente.
6. Claro que pode haver dependência entre percepção da gravidade dos problemas e percepção da actuação da Câmara. Se a ordem das perguntas tivesse sido invertida, idem. Idealmente, do ponto de vista meramente descritivo, o ideal teria sido encontrar duas grandes amostras e colocar uma pergunta a uns e outra pergunta a outros. Mas do ponto de vista explicativo, perder a oportunidade de colocar as duas perguntas às mesmas pessoas teria sido um desperdício. Agora, problemas onde a actuação da CML é melhor são vistos como menos graves? Talvez. E é isso função de um erro de medição ou da própria natureza das coisas (problemas mais bem resolvidos tornam-se menos graves). Não sei.
7. Sobre a sujidade, o post que agora comentou é precisamente para explicar por que não me parece um problema "menor".
8. O seu P.S. levanta o problema, a meu ver, mais relevante. Pensei bastante sobre isto. No Barómetro sobre legislativas, a pergunta sobre intenção de voto vem SEMPRE à cabeça, sendo que só de seguida se colocam outras perguntas. Neste caso, optámos por perguntar primeiro sobre problemas por duas razões. Primeiro, era esse, a percepção dos problemas - e não a intenção de voto - o nosso interesse principal, como se depreende até pela estrutura do relatório-síntese. Segundo, pareceu-nos que perguntar intenção de voto "a seco", sem mais, resultaria pior do ponto de vista de alguma capacidade de antecipar o que a campanha vai trazer do que se "tematizássemos" previamente a pergunta. Mas admito perfeitamente que os resultados de intenção de voto teriam sido diferentes se a pergunta tivesse sido colocada a seco. Contudo, repito, esse não era o interesse principal do trabalho. E note como no inquérito sobre o Porto, com exactamente a mesma estrutura, os resultados foram os que foram.
Obrigado, mais uma vez.
Sr. Prof. Pedro Magalhães
Agradeço a forma gentil como comentou as minhas observações de leigo. Fui ler os resultados do inquérito sobre o Porto, de que me chamou a atenção.
A valorização atribuída à câmara continua a parecer muito dependente da gravidade percepcionada dos problemas, de forma quase paralela aos resultados de Lisboa (figura). Os munícipes do Porto avaliam como de menos gravidade os seus problemas e (em consequência?) são mais condescendentes na avaliação da câmara. Não me parece que, se “a ordem das perguntas tivesse sido invertida”, os resultados tivessem de ser forçosamente idênticos. Não será expectável que problemas como trânsito e criminalidade nas duas cidades sejam mais graves na que tem muito maior número de habitantes e dependam não tanto da actuação da câmara?
A incapacidade revelada de resolver dos problemas de trânsito é a única avaliação que se destaca pela negativa, no Porto, tal como em Lisboa.
Considera Pedro Magalhães como a mais relevante a questão sobre validade de uma sondagem sobre intenções de voto ser antecedida de um inquérito. Salienta que esta sondagem não era “o interesse principal do trabalho”, mas comenta no final “como no inquérito sobre o Porto, com exactamente a mesma estrutura, os resultados foram os que foram.
As intenções de voto nos candidatos às câmaras foram de (1º / 2º posicionados) 30% / 27% e 52% / 29% , respectivamente, em Lisboa e Porto.
Se no Porto tudo parece decidido, em Lisboa é evidente a indecisão. Não serão as respostas dos indecisos as mais voláteis e mais sensíveis a diferentes formulação das questões? Não são nestes indecisos que se focam as campanhas eleitorais?
Agradeço mais uma vez.
PS Questiono-me se a vantagem óbvia do 1º candidato no Porto não terão a ver com muitos outros problemas, muito para além dos tratados no inquérito.
Pedro Magalhães, gostava de o ouvir sobre os possíveis efeitos de uma aliança Costa-Roseta em Lisboa. Obrigado.
Pedro Cordeiro
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