Resultados após redistribuição de indecisos:
PSD: 37,3%
PS: 33,3%
BE: 8,5%
CDS-PP: 7,5%
CDU: 6,8%
Aqui.
Uma das interpretações possíveis é que começamos a sentir os resultados da posição do PSD na golden share e da proposta de revisão constitucional. Outra hipótese, claro, é que 47,7% para o PSD e 24,1% para o PS nunca passou de um mero outlier. A primeira interpretação é plausível. Mas a segunda é quase certa: só de pessoas que se identificam explicitamente com o PS em inquéritos pós-eleitorais, face-a-face, e com grandes amostras, temos consistentemente entre 17 e 20% da totalidade dos eleitores em 2002, 2005 e 2009. 24% dos votos válidos nunca podia ser, não é assim?
sexta-feira, julho 30, 2010
quarta-feira, julho 28, 2010
Euroexpansão, 8-11 Julho, N=1504, Tel.
Antes de redistribuição de indecisos:
PSD: 26,7%
PS: 20,6%
BE: 4,3%
CDU: 4,1%
CDS: 2,5%
Outro: 0,7%
Branco/nulo: 6,2%
Não votava: 12,1%
Votaria, mas não sabe em que partido: 22,1%
Não responde: 0,8%
Após redistribuição de indecisos:
PSD: 41%
PS: 31,7%
BE: 6,5%
CDU: 6,3%
CDS-PP: 3,8%
Outro: 1,1%
Branco/nulo: 9,5%
Sondagem inclui também uma questão sobre presidenciais, mas inclui Jerónimo de Sousa no menu e não inclui Defensor de Moura. Dá 51,1% a Cavaco Silva, mesmo antes da redistribuição de indecisos.
PSD: 26,7%
PS: 20,6%
BE: 4,3%
CDU: 4,1%
CDS: 2,5%
Outro: 0,7%
Branco/nulo: 6,2%
Não votava: 12,1%
Votaria, mas não sabe em que partido: 22,1%
Não responde: 0,8%
Após redistribuição de indecisos:
PSD: 41%
PS: 31,7%
BE: 6,5%
CDU: 6,3%
CDS-PP: 3,8%
Outro: 1,1%
Branco/nulo: 9,5%
Sondagem inclui também uma questão sobre presidenciais, mas inclui Jerónimo de Sousa no menu e não inclui Defensor de Moura. Dá 51,1% a Cavaco Silva, mesmo antes da redistribuição de indecisos.
Intercampus, 16-20 Julho, N= 603, Tel.
terça-feira, julho 20, 2010
Adenda
Para vocês dois ou três que ainda não estão completamente saciados sobre o assunto, última coisa. Em 1982, uma das alterações feitas na I revisão constitucional consistiu em mudar o artigo 193º, onde se dizia "O Governo é politicamente responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República", substituindo essa formulação por "O Governo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República." Depois, no art. 194º (agora 191º) onde se fala da responsabilidade "política" e "politicamente responsáveis", tirou-se o "política" e o "politicamente". Finalmente, o 198º (agora 195º) passou a ter um nº 2 onde se passou a dizer "o Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado".
Vasco Campilho, num texto recente, defende que, na actual formulação, "o Presidente já pode demitir livremente o Governo". Como o PR "é responsável por aferir se a demissão do Governo é necessária para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas", resulta daqui que retirar a expressão "quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado" não passa de um "ajuste semântico". Espero não violar o pensamento do Vasco se disser que devemos concluir também que, neste domínio, a revisão de 1982 também não passou, afinal, de outro "ajuste semântico".
É uma questão curiosa, sobre a qual tenho poucas certezas. Em rigor acho que só tenho uma: ninguém concorda com o Vasco. Quando digo "ninguém" não me refiro a analistas, constitucionalistas ou investigadores vários. Refiro-se sim aos actores políticos. O PS e o PSD, quando aprovaram a mudança em 1982, não acharam que estavam a fazer mera cosmética. Eanes, que se sentiu profundamente traído por esta revisão, também não achou. Os vários presidentes desde 1982 nunca recorreram a este expediente, e sempre que falaram sobre o assunto foi para afirmar que, desde 1982, o PR não pode demitir um governo pelas mesmas razões que o podia fazer antes de 1982. O PSD também não acredita que se trate de um mero ajuste semântico: caso contrário, não o proporia alegando que assim se equilibram melhor os poderes do presidente. E os restantes partidos também não acreditam nisso: caso contrário, não se oporiam à proposta do PSD.
Por que será que todos acreditam que essas palavras - "só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas" - mudam realmente as coisas? Sou sensível, claro, a uma ideia do Vasco: o facto de este poder presidencial não ter sido usado desde 1982 não quer dizer que não exista. O que não houve foram circunstâncias que o tornassem usável. Mas já acho muito difícil acreditar que essa é a única razão que faz com que não tenha sido usado. O Presidente tem sempre de justificar os seus actos perante os eleitores e os outros agentes políticos. Há centenas, milhares de pessoas, dispostas a escalpelizar a palavra do Presidente, as suas razões, e os seus argumentos. A capacidade de impôr uma boa narrativa pode aumentar a sua legitimidade política, e a incapacidade de o fazer pode miná-la. Isso pode valer uma reeleição ou, se estiver no segundo mandato, o sucesso eleitoral dos partidos da sua área política ou, simplesmente, um "bom lugar na história". Se isto não fosse assim, nenhum agente político usaria a palavra para persuadir seja quem for. Tudo se limitaria a decisões, os seus efeitos nos diversos interesses, e o resultado agregado de tudo isso no apoio eleitoral.
Daí que a resposta possa ser a mais simples de todas: legitimar política e publicamente a decisão de demitir o governo quando se tem de explicitamente invocar "o regular funcionamento das instituições democráticas" é mais difícil do que quando não se tem de o fazer. Ignorar o poder das palavras até pode parecer, de repente, uma abordagem mais "realista" da política. Mas, provavelmente, não é. Ora aqui vai uma citaçãozinha para terminar em beleza (mas o assunto é sério):
"[Discursive institutionalism] provides insight into an area of political action that political scientists have long neglected, largely because they could not account for it within the limits of their own methodological approaches. The result is that they have ignored some of the biggest questions in politics, the questions that political philosophers through the ages have puzzled over, such as the role of ideas in constituting political action, the power of persuasion in political debate, the centrality of deliberation for democratic legitimation, the construction and reconstruction of political interests and values, and the dynamics of change in history and culture. (...) To policy makers and politicians in particular, the very notion that one would need to make a plea for taking ideas and discourse seriously would appear ludicrous, because the very essence of what they do is to generate ideas about what should be done and then communicate them to the general public for discussion and deliberation."
Mas tenho, como disse, poucas certezas sobre isto.
Vasco Campilho, num texto recente, defende que, na actual formulação, "o Presidente já pode demitir livremente o Governo". Como o PR "é responsável por aferir se a demissão do Governo é necessária para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas", resulta daqui que retirar a expressão "quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado" não passa de um "ajuste semântico". Espero não violar o pensamento do Vasco se disser que devemos concluir também que, neste domínio, a revisão de 1982 também não passou, afinal, de outro "ajuste semântico".
É uma questão curiosa, sobre a qual tenho poucas certezas. Em rigor acho que só tenho uma: ninguém concorda com o Vasco. Quando digo "ninguém" não me refiro a analistas, constitucionalistas ou investigadores vários. Refiro-se sim aos actores políticos. O PS e o PSD, quando aprovaram a mudança em 1982, não acharam que estavam a fazer mera cosmética. Eanes, que se sentiu profundamente traído por esta revisão, também não achou. Os vários presidentes desde 1982 nunca recorreram a este expediente, e sempre que falaram sobre o assunto foi para afirmar que, desde 1982, o PR não pode demitir um governo pelas mesmas razões que o podia fazer antes de 1982. O PSD também não acredita que se trate de um mero ajuste semântico: caso contrário, não o proporia alegando que assim se equilibram melhor os poderes do presidente. E os restantes partidos também não acreditam nisso: caso contrário, não se oporiam à proposta do PSD.
Por que será que todos acreditam que essas palavras - "só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas" - mudam realmente as coisas? Sou sensível, claro, a uma ideia do Vasco: o facto de este poder presidencial não ter sido usado desde 1982 não quer dizer que não exista. O que não houve foram circunstâncias que o tornassem usável. Mas já acho muito difícil acreditar que essa é a única razão que faz com que não tenha sido usado. O Presidente tem sempre de justificar os seus actos perante os eleitores e os outros agentes políticos. Há centenas, milhares de pessoas, dispostas a escalpelizar a palavra do Presidente, as suas razões, e os seus argumentos. A capacidade de impôr uma boa narrativa pode aumentar a sua legitimidade política, e a incapacidade de o fazer pode miná-la. Isso pode valer uma reeleição ou, se estiver no segundo mandato, o sucesso eleitoral dos partidos da sua área política ou, simplesmente, um "bom lugar na história". Se isto não fosse assim, nenhum agente político usaria a palavra para persuadir seja quem for. Tudo se limitaria a decisões, os seus efeitos nos diversos interesses, e o resultado agregado de tudo isso no apoio eleitoral.
Daí que a resposta possa ser a mais simples de todas: legitimar política e publicamente a decisão de demitir o governo quando se tem de explicitamente invocar "o regular funcionamento das instituições democráticas" é mais difícil do que quando não se tem de o fazer. Ignorar o poder das palavras até pode parecer, de repente, uma abordagem mais "realista" da política. Mas, provavelmente, não é. Ora aqui vai uma citaçãozinha para terminar em beleza (mas o assunto é sério):
"[Discursive institutionalism] provides insight into an area of political action that political scientists have long neglected, largely because they could not account for it within the limits of their own methodological approaches. The result is that they have ignored some of the biggest questions in politics, the questions that political philosophers through the ages have puzzled over, such as the role of ideas in constituting political action, the power of persuasion in political debate, the centrality of deliberation for democratic legitimation, the construction and reconstruction of political interests and values, and the dynamics of change in history and culture. (...) To policy makers and politicians in particular, the very notion that one would need to make a plea for taking ideas and discourse seriously would appear ludicrous, because the very essence of what they do is to generate ideas about what should be done and then communicate them to the general public for discussion and deliberation."
Mas tenho, como disse, poucas certezas sobre isto.
A responsabilidade do governo perante o Presidente (3)
Julgo que o escrevi até agora sobre o tema tem algumas hipóteses de ser relativamente consensual, porque predominantemente factual. O que se segue será, certamente, menos. Cada um terá as suas ideias sobre o que constitui um funcionamento desejável das instituições políticas. E algumas das alegadas consequências de diferentes arranjos institucionais não se encontram provadas para além de qualquer dúvida. Mas o que acho é o que se segue:
1. Um dos principais problemas em conceder ao Presidente a capacidade de demitir livremente um governo é o de criar confusão sobre a atribuição do poder executivo. Se um Presidente demite um governo e promove uma solução alternativa - empossando um novo PM e um novo governo que sabem que poderão ser demitidos a qualquer momento - instala-se a pergunta óbvia. Quem manda? O novo PM ou, na verdade, o PR? E se entrarem em conflito, como se resolve? Nova demissão e novo PM? E quando é que isto acaba? Na dissolução, o end game é simples: os eleitores falam. Na demissão, o que se gera é ambiguidade sobre quem governa e um potencial de conflito que, como sugerem muitos exemplos, acaba muitas vezes em crises constitucionais, onde governos e presidentes recusam reconhecer a legitimidade de uns e outros.
2. Poder-se-ia dizer que, quando existe uma relação de responsabilidade política do PM em relação ao PR, a possibilidade de conflito será baixa. Mas os exemplos mostram, mais uma vez, que não é assim. Nos sistemas president-parliamentary, a enorme importância e poder do presidente, concedidos por este poder de demissão do governo, tornam o cargo especialmente apetecível para...um Primeiro Ministro em funções. Em países como a Ucrânia ou a Arménia, o cargo de PM foi muitas vezes ser visto como um mero passo em direcção àquele onde poderá estar o verdadeiro poder de governar, a Presidência. O resultado? Mesmo entre Presidentes e PM's da mesma família política, a instalação de um conflito foi apenas uma questão de tempo. Oleh Protsyk explica isso muito bem numa série de artigos sobre o semipresidencialismo na Europa de Leste. Ver este, por exemplo.
3. Mesmo que não haja conflitos constitucionais graves, a confusão sobre onde está localizado o poder executivo é perniciosa do ponto de vista da responsabilização eleitoral. O nosso sistema já tem perversidades suficientes deste ponto de vista, permitindo a governos que - subtilmente ou não - coloquem as culpas dos seus fracassos na actuação dos presidentes. Mais ambiguidades sobre "quem manda" só pioram a situação. Quem governa mesmo? Quem deve ser punido ou recompensado pelo quê? Em situações de conflito, quem é o líder da oposição: o líder do maior partido da oposição parlamentar ou o Presidente? Estas confusões são más para a qualidade da responsabilização política, pelas oportunidades de blame-shifting que abrem.
4. Um ponto adicional, relacionado com o anterior mas mais subtil - não é meu, deve ser por isso - que Joaquim Aguiar explicou muito bem neste livro. Um Presidente que pode demitir um governo tem, no sentido que temos vindo a analisar, mais poder. Mas noutro sentido tem menos. A citação é longa mas acho que vale a pena:
"Ao fazer desaparecer o poder constitucional que atribuía ao Presidente a obrigação (um poder-dever) de avaliar a sua confiança em relação ao primeiro-ministro, a revisão constitucional de 1982 libertou o Presidente da República para exercer sem restrições a sua função superior de regulador em última instância do poder político. Continuando a ser eleito por sufrágio directo, o que lhe assegura uma legitimidade própria, continuando a ter o poder de dissolução do Parlamento, o que lhe assegura a capacidade para determinar a periodização da agenda política, o Presidente da República ficou com a possibilidade de estabelecer uma diarquia estratégica efectiva, passou a dispor de um poder realmente separado, deixou de estar comprometido pelo apoio ao primeiro-ministro - e é isso que lhe oferece a potência superior da regulação em última instância. (...) O Presidente da República pode exercer esse poder de regulação ou não, mas qualquer que seja a sua escolha, essa é uma opção livre, não está condicionada pelo constrangimento da anterior relação de confiança que tinha de estabelecer com o primeiro-ministro. Por sua vez, o primeiro-ministro deixou de poder invocar, em sua defesa, a confiança do Presidente da República, o que lhe permitia apropriar a legitimidade presidencial para justificar as suas opções no exercício do poder executivo" (p. 170).
Dito de outra forma, um Presidente que pode efectivar a responsabilização política do governo transforma-se num líder de facção: da facção dos partidos da oposição ou da facção do partido do governo. Um líder de facção não tem legitimidade para regular seja o que for. É um actor político como os outros. Isto parte do princípio que, se queremos um presidente eleito em Belém, preferimos que esse presidente seja um "regulador". Eu prefiro, mas admito que haja outras preferências.
5. Finalmente, em sistemas onde o PR pode demitir o PM, os segundos não são escolhidos da mesma forma do que nos sistemas onde isso é impossível. Quando ao PR cabe apenas escolher o PM mas não o pode demitir, cabendo esse poder exclusivamente ao parlamento, é natural que a escolha reflicta mais as preferências do parlamento eleito. Quando pode nomear e demitir, o PR tem mais condições para se afastar das preferências do parlamento. Discutido, explicado e provado aqui.
Imagino que haja outros argumentos contra a ideia proposta pelo PSD, mas estes são os que mais me interessam. Imagino também que haja argumentos contra os meus, e gostava de os conhecer. O que certamente não serve é a argumentação de Pedro Passos Coelho ou Paulo Teixeira Pinto. Inicialmente, veio a ideia de que, se se pode dissolver livremente a Assembleia, então o "equilíbrio" exige que se possa também demitir livremente o governo (ver aqui e aqui), como se estivéssemos a falar de engenharia hidráulica. Espero que tenha ficado óbvio que os dois poderes não são equivalentes, e que não há razão nenhuma para que estejam "equilibrados". E agora, para maior espanto, transparece numa notícia do jornal i que a ideia é "a Assembleia só pode ser dissolvida se estiver 'em causa o regular funcionamento das instituições'. Eu espero que isto não seja verdade. Primeiro, lá se vai a metáfora do equilíbrio. Segundo, limita-se o "bom" poder presidencial (aquele em que ele está politicamente constrangido pelas preferências dos eleitores) e amplia-se o "mau" (aquele em que não está). Que grande confusão. E tão desnecessário, tudo isto.
1. Um dos principais problemas em conceder ao Presidente a capacidade de demitir livremente um governo é o de criar confusão sobre a atribuição do poder executivo. Se um Presidente demite um governo e promove uma solução alternativa - empossando um novo PM e um novo governo que sabem que poderão ser demitidos a qualquer momento - instala-se a pergunta óbvia. Quem manda? O novo PM ou, na verdade, o PR? E se entrarem em conflito, como se resolve? Nova demissão e novo PM? E quando é que isto acaba? Na dissolução, o end game é simples: os eleitores falam. Na demissão, o que se gera é ambiguidade sobre quem governa e um potencial de conflito que, como sugerem muitos exemplos, acaba muitas vezes em crises constitucionais, onde governos e presidentes recusam reconhecer a legitimidade de uns e outros.
2. Poder-se-ia dizer que, quando existe uma relação de responsabilidade política do PM em relação ao PR, a possibilidade de conflito será baixa. Mas os exemplos mostram, mais uma vez, que não é assim. Nos sistemas president-parliamentary, a enorme importância e poder do presidente, concedidos por este poder de demissão do governo, tornam o cargo especialmente apetecível para...um Primeiro Ministro em funções. Em países como a Ucrânia ou a Arménia, o cargo de PM foi muitas vezes ser visto como um mero passo em direcção àquele onde poderá estar o verdadeiro poder de governar, a Presidência. O resultado? Mesmo entre Presidentes e PM's da mesma família política, a instalação de um conflito foi apenas uma questão de tempo. Oleh Protsyk explica isso muito bem numa série de artigos sobre o semipresidencialismo na Europa de Leste. Ver este, por exemplo.
3. Mesmo que não haja conflitos constitucionais graves, a confusão sobre onde está localizado o poder executivo é perniciosa do ponto de vista da responsabilização eleitoral. O nosso sistema já tem perversidades suficientes deste ponto de vista, permitindo a governos que - subtilmente ou não - coloquem as culpas dos seus fracassos na actuação dos presidentes. Mais ambiguidades sobre "quem manda" só pioram a situação. Quem governa mesmo? Quem deve ser punido ou recompensado pelo quê? Em situações de conflito, quem é o líder da oposição: o líder do maior partido da oposição parlamentar ou o Presidente? Estas confusões são más para a qualidade da responsabilização política, pelas oportunidades de blame-shifting que abrem.
4. Um ponto adicional, relacionado com o anterior mas mais subtil - não é meu, deve ser por isso - que Joaquim Aguiar explicou muito bem neste livro. Um Presidente que pode demitir um governo tem, no sentido que temos vindo a analisar, mais poder. Mas noutro sentido tem menos. A citação é longa mas acho que vale a pena:
"Ao fazer desaparecer o poder constitucional que atribuía ao Presidente a obrigação (um poder-dever) de avaliar a sua confiança em relação ao primeiro-ministro, a revisão constitucional de 1982 libertou o Presidente da República para exercer sem restrições a sua função superior de regulador em última instância do poder político. Continuando a ser eleito por sufrágio directo, o que lhe assegura uma legitimidade própria, continuando a ter o poder de dissolução do Parlamento, o que lhe assegura a capacidade para determinar a periodização da agenda política, o Presidente da República ficou com a possibilidade de estabelecer uma diarquia estratégica efectiva, passou a dispor de um poder realmente separado, deixou de estar comprometido pelo apoio ao primeiro-ministro - e é isso que lhe oferece a potência superior da regulação em última instância. (...) O Presidente da República pode exercer esse poder de regulação ou não, mas qualquer que seja a sua escolha, essa é uma opção livre, não está condicionada pelo constrangimento da anterior relação de confiança que tinha de estabelecer com o primeiro-ministro. Por sua vez, o primeiro-ministro deixou de poder invocar, em sua defesa, a confiança do Presidente da República, o que lhe permitia apropriar a legitimidade presidencial para justificar as suas opções no exercício do poder executivo" (p. 170).
Dito de outra forma, um Presidente que pode efectivar a responsabilização política do governo transforma-se num líder de facção: da facção dos partidos da oposição ou da facção do partido do governo. Um líder de facção não tem legitimidade para regular seja o que for. É um actor político como os outros. Isto parte do princípio que, se queremos um presidente eleito em Belém, preferimos que esse presidente seja um "regulador". Eu prefiro, mas admito que haja outras preferências.
5. Finalmente, em sistemas onde o PR pode demitir o PM, os segundos não são escolhidos da mesma forma do que nos sistemas onde isso é impossível. Quando ao PR cabe apenas escolher o PM mas não o pode demitir, cabendo esse poder exclusivamente ao parlamento, é natural que a escolha reflicta mais as preferências do parlamento eleito. Quando pode nomear e demitir, o PR tem mais condições para se afastar das preferências do parlamento. Discutido, explicado e provado aqui.
Imagino que haja outros argumentos contra a ideia proposta pelo PSD, mas estes são os que mais me interessam. Imagino também que haja argumentos contra os meus, e gostava de os conhecer. O que certamente não serve é a argumentação de Pedro Passos Coelho ou Paulo Teixeira Pinto. Inicialmente, veio a ideia de que, se se pode dissolver livremente a Assembleia, então o "equilíbrio" exige que se possa também demitir livremente o governo (ver aqui e aqui), como se estivéssemos a falar de engenharia hidráulica. Espero que tenha ficado óbvio que os dois poderes não são equivalentes, e que não há razão nenhuma para que estejam "equilibrados". E agora, para maior espanto, transparece numa notícia do jornal i que a ideia é "a Assembleia só pode ser dissolvida se estiver 'em causa o regular funcionamento das instituições'. Eu espero que isto não seja verdade. Primeiro, lá se vai a metáfora do equilíbrio. Segundo, limita-se o "bom" poder presidencial (aquele em que ele está politicamente constrangido pelas preferências dos eleitores) e amplia-se o "mau" (aquele em que não está). Que grande confusão. E tão desnecessário, tudo isto.
Interlúdio
Um interlúdio nesta discussão sobre a responsabilidade do governo perante o Presidente para saudar uma das ideias contidas no projecto de revisão constitucional do PSD. Segundo o jornal i, o projecto prevê que deixe de haver um número mínimo de votantes para que um referendo seja vinculativo, o que, suponho, significará a eliminação do nº 11 do artigo 115º.
A confirmar-se, é uma óptima proposta. Acolhe as recomendações da Comissão de Veneza a este respeito e os resultados da investigação internacional sobre o tema, para a qual - não vale a pena ser demasiado modesto - a academia portuguesa deu contribuição não irrelevante (aqui, aqui e aqui). Ao contrário do que sucede com outras ideias no projecto do PSD, não há razão para que esta não consiga suscitar algum consenso. No caso dos poderes do Presidente, é fácil atribuir ao PSD - justamente ou não - motivações muito "egoístas", ditadas pelo facto de o actual Presidente ser da sua área política. Mas neste caso, todos os referendos realizados falharam o quórum de participação, e em todos eles o PSD estava do lado do statu quo. Chapeau!
A confirmar-se, é uma óptima proposta. Acolhe as recomendações da Comissão de Veneza a este respeito e os resultados da investigação internacional sobre o tema, para a qual - não vale a pena ser demasiado modesto - a academia portuguesa deu contribuição não irrelevante (aqui, aqui e aqui). Ao contrário do que sucede com outras ideias no projecto do PSD, não há razão para que esta não consiga suscitar algum consenso. No caso dos poderes do Presidente, é fácil atribuir ao PSD - justamente ou não - motivações muito "egoístas", ditadas pelo facto de o actual Presidente ser da sua área política. Mas neste caso, todos os referendos realizados falharam o quórum de participação, e em todos eles o PSD estava do lado do statu quo. Chapeau!
segunda-feira, julho 19, 2010
A responsabilidade do governo perante o Presidente (2)
Vamos então supor que estamos perante um sistema de governo semipresidencial, onde há um chefe de estado eleito popularmente que coexiste com um chefe de governo responsável perante um parlamento (a definição é de Elgie, aqui, onde problematiza outras definições). E vamos também supor que não estamos a falar de situações especiais em que o chefe de estado, pelo facto de chefiar o partido com maioria no parlamento, se torna de facto no chefe de governo, situação essa que, como Duverger explicou há muito tempo, transforma o França num caso peculiar de semipresidencialismo. Partindo daqui, por que razão é o poder de demitir o Primeiro-Ministro tão importante, pelo menos suficientemente importante para ajudar a distinguir entre dois sub-tipos diferentes de semipresidencialismo? Alguns argumentos:
1. Quando um Presidente não pode demitir um Primeiro-Ministro, a única forma que tem de pôr directamente fim a um governo, de forma inapelável, é dissolvendo o parlamento. Note-se que nem todos os regimes semipresidenciais permitem ao Presidente que dissolva o parlamento: há regimes semipresidenciais em que o chefe de estado não pode nem demitir o governo nem dissolver o parlamento. Mas há muitos que o permitem. Note-se, contudo, que quando isso sucede, o resultado imediato é a realização de eleições. Pelo contrário, um chefe de estado que tem o poder de demitir o governo não está obrigado a convocar eleições: pode nomear o novo Primeiro-Ministro e apurar se esse PM pode formar um governo sem ter de recorrer a eleições. No nosso caso, nem seria preciso investidura, ou seja, nem seria preciso que o novo PM tivesse apoio explícito de uma maioria. Bastaria que o seu programa não fosse rejeitado por uma maioria.
2. Isto tem uma implicação fundamental: num sistema premier-presidential, o uso da dissolução por parte de um Presidente para pôr fim a uma solução de governo que rejeita está politicamente condicionado (para além de outros condicionamentos jurídicos que envolvem prazos, etc). É simples perceber porquê: um presidente que rejeite uma solução de governo e que depois é reconfirmada nas urnas é um presidente desautorizado, deslegitimado, enfraquecido e colocado numa situação extremamente difícil. Em Portugal, os presidentes, a partir de 1982, evitaram sempre colocar-se nessa situação. Quando Eanes dissolveu a Assembleia em 1983, as eleições não lhe devolveram uma maioria de direita, mas sim o PS como partido mais votado. Quando Soares dissolveu o parlamento, as urnas não lhe devolveram o governo PS/PRD que parte do PS ambicionava e Soares rejeitava, mas sim uma maioria absoluta do PSD. E quando Sampaio dissolveu a Assembleia perante o governo PSD/CDS, as eleições devolveram-lhe uma maioria absoluta do PS. Isto não significa que não possa haver erros de cálculo, mas os incentivos estão lá todos para que o Presidente, ao usar a dissolução para impedir uma solução de governo com a qual discorda, tenha sempre de considerar a vontade popular e evite colocar-se contra essa vontade. E significa também que a ameaça da dissolução, apesar de servir como forma de um presidente constranger um governo, não é uma ameaça que possa ser usada levianamente: a maioria sabe que o Presidente vai tentar evitar que, através da dissolução, uma solução de governo que rejeita lhe seja devolvida de seguida após eleições. E os eleitores permanecem os últimos árbitros dos conflitos quando eles são levados até este ponto.
3. Um Presidente que possa demitir um governo sem recorrer a eleições não tem este tipo de constrangimento. Se rejeita um governo e/ou um primeiro-ministro, pode derrubá-lo e nomear outro sem eleições. A única coisa com que se tem de preocupar é com a possibilidade de obter apoio parlamentar e partidário para esse novo PM. Se o governo for maioritário, pode tentar substituir um PM de que não goste por outro PM do partido da maioria. Se o governo for minoritário ou de coligação, pode tentar substituir um PM de um partido ou de uma coligação por um PM de outro partido ou outra coligação. Em Portugal, poderia entreter-se a fazer tudo isto sem necessidade de uma investidura parlamentar. E sem eleições como consequência inevitável de derrubar um governo.
Logo, a diferença é importante. Um presidente que possa demitir livremente o PM pode prolongar a busca de soluções alternativas de governo sem recorrer a eleições e independentemente das preferências do eleitorado. E tem, claro, um poder maior no sistema, colocando qualquer governo sob a sombra do seu poder de demissão. Esta é a consequência mais imediata e mais central da diferença entre os dois sub-tipos de semipresidencialismo, parece-me. Podemos gostar ou não. Mas há "consequências das consequências". Vamos olhar para elas de seguida.
1. Quando um Presidente não pode demitir um Primeiro-Ministro, a única forma que tem de pôr directamente fim a um governo, de forma inapelável, é dissolvendo o parlamento. Note-se que nem todos os regimes semipresidenciais permitem ao Presidente que dissolva o parlamento: há regimes semipresidenciais em que o chefe de estado não pode nem demitir o governo nem dissolver o parlamento. Mas há muitos que o permitem. Note-se, contudo, que quando isso sucede, o resultado imediato é a realização de eleições. Pelo contrário, um chefe de estado que tem o poder de demitir o governo não está obrigado a convocar eleições: pode nomear o novo Primeiro-Ministro e apurar se esse PM pode formar um governo sem ter de recorrer a eleições. No nosso caso, nem seria preciso investidura, ou seja, nem seria preciso que o novo PM tivesse apoio explícito de uma maioria. Bastaria que o seu programa não fosse rejeitado por uma maioria.
2. Isto tem uma implicação fundamental: num sistema premier-presidential, o uso da dissolução por parte de um Presidente para pôr fim a uma solução de governo que rejeita está politicamente condicionado (para além de outros condicionamentos jurídicos que envolvem prazos, etc). É simples perceber porquê: um presidente que rejeite uma solução de governo e que depois é reconfirmada nas urnas é um presidente desautorizado, deslegitimado, enfraquecido e colocado numa situação extremamente difícil. Em Portugal, os presidentes, a partir de 1982, evitaram sempre colocar-se nessa situação. Quando Eanes dissolveu a Assembleia em 1983, as eleições não lhe devolveram uma maioria de direita, mas sim o PS como partido mais votado. Quando Soares dissolveu o parlamento, as urnas não lhe devolveram o governo PS/PRD que parte do PS ambicionava e Soares rejeitava, mas sim uma maioria absoluta do PSD. E quando Sampaio dissolveu a Assembleia perante o governo PSD/CDS, as eleições devolveram-lhe uma maioria absoluta do PS. Isto não significa que não possa haver erros de cálculo, mas os incentivos estão lá todos para que o Presidente, ao usar a dissolução para impedir uma solução de governo com a qual discorda, tenha sempre de considerar a vontade popular e evite colocar-se contra essa vontade. E significa também que a ameaça da dissolução, apesar de servir como forma de um presidente constranger um governo, não é uma ameaça que possa ser usada levianamente: a maioria sabe que o Presidente vai tentar evitar que, através da dissolução, uma solução de governo que rejeita lhe seja devolvida de seguida após eleições. E os eleitores permanecem os últimos árbitros dos conflitos quando eles são levados até este ponto.
3. Um Presidente que possa demitir um governo sem recorrer a eleições não tem este tipo de constrangimento. Se rejeita um governo e/ou um primeiro-ministro, pode derrubá-lo e nomear outro sem eleições. A única coisa com que se tem de preocupar é com a possibilidade de obter apoio parlamentar e partidário para esse novo PM. Se o governo for maioritário, pode tentar substituir um PM de que não goste por outro PM do partido da maioria. Se o governo for minoritário ou de coligação, pode tentar substituir um PM de um partido ou de uma coligação por um PM de outro partido ou outra coligação. Em Portugal, poderia entreter-se a fazer tudo isto sem necessidade de uma investidura parlamentar. E sem eleições como consequência inevitável de derrubar um governo.
Logo, a diferença é importante. Um presidente que possa demitir livremente o PM pode prolongar a busca de soluções alternativas de governo sem recorrer a eleições e independentemente das preferências do eleitorado. E tem, claro, um poder maior no sistema, colocando qualquer governo sob a sombra do seu poder de demissão. Esta é a consequência mais imediata e mais central da diferença entre os dois sub-tipos de semipresidencialismo, parece-me. Podemos gostar ou não. Mas há "consequências das consequências". Vamos olhar para elas de seguida.
domingo, julho 18, 2010
A responsabilidade do governo perante o Presidente (1)
O debate lançado por esta entrevista de Pedro Passos Coelho é para mim, receio, completamente irresistível. Escrevo "receio" porque é absolutamente evidente que isto não vai dar em nada e que esta sequência de "ideias para o país" que vem emanando há semanas do projecto de revisão constitucional do PSD se arrisca a resultar num festival pirotécnico de discussões completamente inúteis (até da Monarquia já se falou, minha nossa, e sobre a anterior "grande ideia" já escrevi aqui). Ainda por cima - e agora vou escrever uma banalidade atroz - parece-me que andamos a milhas daquilo que valeria a pena discutir na nossa situação económica, social e política, enfim, o costume. Gostaria muito que tudo isto fosse diferente mas a verdade é que também gostaria muito ter uma casa de férias em Ravello e não é por isso que a coisa acontece.
Mas não resisto porque o tema dos poderes do presidente e do semi-presidencialismo sempre me interessou muito, e apesar de não estar no "núcleo duro" das minhas preocupações como investigador, já escrevi sobre ele uma ou outra coisa, na maioria dos casos tentando relacionar esse tema com esse tal core business (eleições e atitudes políticas).* Tenho tanta dificuldade em resistir ao tema que até já escrevi uns tweets sobre o assunto. Mas como foram citados aqui e ali, e como uns tweets nunca podem passar de meia-dúzida de "bocas" que, pela natureza da coisa, não se podem fundamentar devidamente, vou perder um pouco mais de tempo com o tema aqui no blogue.
A primeira coisa que queria dizer é que é mais ou menos consensual que o poder de demitir livremente o governo por parte do Presidente é um aspecto absolutamente central no semipresidencialismo (sistema de governo esse que se define, recorde-se, por ter um presidente eleito que coexiste com um primeiro ministro responsável perante o parlamento). Central neste sentido: é tão importante, mas tão importante, que ajuda a distinguir dois tipos diferentes de semipresidencialismo. São aqueles a que Shugart e Carey chamaram, num livro já clássico de 1992, os sub-tipos premier-presidential e president-parliamentary. No primeiro, o presidente até pode ter poderes muito consideráveis no sistema, mas o governo é exclusivamente responsável perante o parlamento. No segundo, o governo é duplamente responsável, perante presidente e parlamento.
Se pesquisarem as duas expressões no Google Scholar, vão verificar que, desde o livro de Shugart e Carey, o termo "premier-presidential" já foi referenciado 352 vezes e o termo "president-parliamentary" 356. Por outras palavras, trata-se uma distinção perfeitamente consolidada e usada na literatura. Isto não quer dizer que seja consensual, e muito menos que esse consenso se alargue às as suas consequências. Mas sugere que a noção de que a dupla responsabilidade do governo perante presidente e parlamento é um aspecto crucial que ajuda a distinguir diferentes "semipresidencialismos" merece ser levada a sério.
Se o fizermos, ficamos a saber desde logo uma coisa: a maioria dos semipresidencialismos são "premier-presidential", como explica Shugart neste artigo. E antes de avançar muito mais, importa esclarecer desde já uma grande confusão. Há quem tenha falado, a propósito da proposta de Pedro Passos Coelho, do exemplo francês. Contudo, França não é um bom exemplo de um país onde o chefe de estado possa demitir o chefe de governo. Por duas razões:
1. Em França, formalmente e na Constituição, o Presidente não está autorizado a demitir o Primeiro Ministro.
2. Claro que, quem saiba algo da poda e tenha lido o ponto anterior pode responder imediatamente que se trata de um mero formalismo e arranjar muitos exemplos de presidentes franceses que tenham corrido com primeiros-ministros. Óbvio. Pompidou forçou a demissão de Chaban-Delmas sem precisar de o demitir (como também o próprio Pompidou já tinha sido corrido por De Gaulle, e tal como Chirac foi trocado por Barre em 1976, por exemplo). Mas importa não perder de vista o fundamental: isto não significa que o chefe de estado possa demitir o chefe de governo em França. Pelo simples facto de que, na história da V República, sempre que o partido da maioria é o partido do Presidente, o Presidente é que é o verdadeiro chefe de governo, não o Primeiro Ministro. Logo, seja formal, seja substantivamente, não é verdade que, em França, o chefe de estado possa demitir o chefe de governo. Nuns casos - coabitação - não pode mesmo. Noutros - confluência - só podia demitir o chefe de governo se se demitisse... a si próprio.
Se se gostaria que em Portugal o governo fosse chefiado de Belém é outro assunto bastante diferente, sobre o qual não me pronucio. Mas convém não confundir as coisas: o que se propõe agora para Portugal é que um chefe de estado eleito mas que não é chefe do governo possa demitir o chefe de governo sem qualquer constrangimento. "O Governo devia depender da confiança do Parlamento e do Presidente da República." Onde é que isto existe? E que consequências poderá ter? É o que veremos nos próximos dias.
*Para os mais curiosos, isto, isto e um capítulo aqui.
P.S.- O ponto de Vasco Campilho - o de que, afinal, o governo já é responsável perante o Presidente na actual Constituição - é interessante e prometo que lá irei. Notem, contudo, que há uma ironia nisto: se Vasco Campilho tiver razão, e se o Presidente já pode demitir livremente o governo, então não se percebe qual a mudança que o PSD quererá então introduzir na Constituição. Isto, claro, seria suficiente para perceber que o Vasco não tem razão. Mas lá irei.
Mas não resisto porque o tema dos poderes do presidente e do semi-presidencialismo sempre me interessou muito, e apesar de não estar no "núcleo duro" das minhas preocupações como investigador, já escrevi sobre ele uma ou outra coisa, na maioria dos casos tentando relacionar esse tema com esse tal core business (eleições e atitudes políticas).* Tenho tanta dificuldade em resistir ao tema que até já escrevi uns tweets sobre o assunto. Mas como foram citados aqui e ali, e como uns tweets nunca podem passar de meia-dúzida de "bocas" que, pela natureza da coisa, não se podem fundamentar devidamente, vou perder um pouco mais de tempo com o tema aqui no blogue.
A primeira coisa que queria dizer é que é mais ou menos consensual que o poder de demitir livremente o governo por parte do Presidente é um aspecto absolutamente central no semipresidencialismo (sistema de governo esse que se define, recorde-se, por ter um presidente eleito que coexiste com um primeiro ministro responsável perante o parlamento). Central neste sentido: é tão importante, mas tão importante, que ajuda a distinguir dois tipos diferentes de semipresidencialismo. São aqueles a que Shugart e Carey chamaram, num livro já clássico de 1992, os sub-tipos premier-presidential e president-parliamentary. No primeiro, o presidente até pode ter poderes muito consideráveis no sistema, mas o governo é exclusivamente responsável perante o parlamento. No segundo, o governo é duplamente responsável, perante presidente e parlamento.
Se pesquisarem as duas expressões no Google Scholar, vão verificar que, desde o livro de Shugart e Carey, o termo "premier-presidential" já foi referenciado 352 vezes e o termo "president-parliamentary" 356. Por outras palavras, trata-se uma distinção perfeitamente consolidada e usada na literatura. Isto não quer dizer que seja consensual, e muito menos que esse consenso se alargue às as suas consequências. Mas sugere que a noção de que a dupla responsabilidade do governo perante presidente e parlamento é um aspecto crucial que ajuda a distinguir diferentes "semipresidencialismos" merece ser levada a sério.
Se o fizermos, ficamos a saber desde logo uma coisa: a maioria dos semipresidencialismos são "premier-presidential", como explica Shugart neste artigo. E antes de avançar muito mais, importa esclarecer desde já uma grande confusão. Há quem tenha falado, a propósito da proposta de Pedro Passos Coelho, do exemplo francês. Contudo, França não é um bom exemplo de um país onde o chefe de estado possa demitir o chefe de governo. Por duas razões:
1. Em França, formalmente e na Constituição, o Presidente não está autorizado a demitir o Primeiro Ministro.
2. Claro que, quem saiba algo da poda e tenha lido o ponto anterior pode responder imediatamente que se trata de um mero formalismo e arranjar muitos exemplos de presidentes franceses que tenham corrido com primeiros-ministros. Óbvio. Pompidou forçou a demissão de Chaban-Delmas sem precisar de o demitir (como também o próprio Pompidou já tinha sido corrido por De Gaulle, e tal como Chirac foi trocado por Barre em 1976, por exemplo). Mas importa não perder de vista o fundamental: isto não significa que o chefe de estado possa demitir o chefe de governo em França. Pelo simples facto de que, na história da V República, sempre que o partido da maioria é o partido do Presidente, o Presidente é que é o verdadeiro chefe de governo, não o Primeiro Ministro. Logo, seja formal, seja substantivamente, não é verdade que, em França, o chefe de estado possa demitir o chefe de governo. Nuns casos - coabitação - não pode mesmo. Noutros - confluência - só podia demitir o chefe de governo se se demitisse... a si próprio.
Se se gostaria que em Portugal o governo fosse chefiado de Belém é outro assunto bastante diferente, sobre o qual não me pronucio. Mas convém não confundir as coisas: o que se propõe agora para Portugal é que um chefe de estado eleito mas que não é chefe do governo possa demitir o chefe de governo sem qualquer constrangimento. "O Governo devia depender da confiança do Parlamento e do Presidente da República." Onde é que isto existe? E que consequências poderá ter? É o que veremos nos próximos dias.
*Para os mais curiosos, isto, isto e um capítulo aqui.
P.S.- O ponto de Vasco Campilho - o de que, afinal, o governo já é responsável perante o Presidente na actual Constituição - é interessante e prometo que lá irei. Notem, contudo, que há uma ironia nisto: se Vasco Campilho tiver razão, e se o Presidente já pode demitir livremente o governo, então não se percebe qual a mudança que o PSD quererá então introduzir na Constituição. Isto, claro, seria suficiente para perceber que o Vasco não tem razão. Mas lá irei.
sexta-feira, julho 09, 2010
Eurosondagem, 1-6 Julho, N=1035, Tel.
Intenção de voto após redistribuição de indecisos:
PSD: 36,2%
PS: 33,7%
CDS-PP: 9,6%
CDU: 8%
BE: 7,7%
Aqui. E 64% declaram concordar com o veto do governo à aquisição da Vivo pela Telefónica, enquanto apenas 20,9% discordam.
PSD: 36,2%
PS: 33,7%
CDS-PP: 9,6%
CDU: 8%
BE: 7,7%
Aqui. E 64% declaram concordar com o veto do governo à aquisição da Vivo pela Telefónica, enquanto apenas 20,9% discordam.
quinta-feira, julho 01, 2010
Fraude em sondagens nos Estados Unidos?
Uma empresa americana de sondagens, a Research 2000, vem sendo acusada de ter falseado resultados, no seguimento de uma análise de Nate Silver que classificou as suas sondagens como sendo das menos precisas e, muito mais grave, de um relatório feito por vários especialistas que estranharam várias propriedades dos resultados da empresa. O assunto já está nas mãos de advogados. Um dos clientes - o famoso DailyKos - vai processar a empresa.
Quais os sinais suspeitos identificados pelos analistas? Dois deles são muito curiosos. Um é a ausência de "ruído" nos dados. Ou seja, em muitas sondagens consecutivas, em sub-amostras relativamente pequenas (em que a margem de erro amostral é alta), as distribuições exibiam insuficiente variância em relação àquilo que seria de esperar. Outro é o pequeno número de casos em que a mudança na taxa de aprovação de Obama, para a totalidade da amostra e em sondagens feitas de uma semana para a outra, foi zero. Há insuficientes casos de estabilidade em relação ao que seria de esperar como consequência do erro amostral.
O que torna isto curioso é o facto destes "defeitos" dos resultados poderem parecer, numa visão mais superficial, virtudes. Afinal, quem acredita numa empresa de sondagens que, num mês, diz que há 25% de jovens entre os 18 e os 25 anos que votariam num partido, e no mês seguinte diz que há 50%? E de certeza que é impossível que o mesmo partido apareça com 36% dos votos em dois meses seguidos, com tantas coisas interessantíssimas que apareceram nos jornais entretanto, não é? Mas é precisamente a ocorrência de "defeitos" como estes que permitem dizer que há um processo genuíno de geração dos dados. Ao invés, dados excessivamente "bem comportados" - sugerindo mudanças quando elas são "supostas" aparecer ou, pelo contrário, exibindo excessiva estabilidade - sugerem fraude.
Alex Bellos (autor de um livro maravilhoso sobre o futebol no Brasil) escreveu há pouco tempo um livro de divulgação científica sobre Matemática onde está um bom exemplo para percebermos estas coisas. Imaginem que dão uma moeda a uma pessoa e lhe pedem que vá tirando "cara ou coroa" 30 vezes, anotando os resultados que vão saindo. E que pedem a outra pessoa que imagine que está a deitar uma moeda ao ar 30 vezes, anotando também os resultados. Se Cara for representada por H e Coroa representada por T, as duas listas poderiam ser assim:
Lista 1:
H T T H T H T T T H H T H H T H H H H T H T T H T H T T H H
Lista 2:
T T H H T T T T T H H T T T H T T H T H H H H T H H T H T H
Qual delas é a lista que foi gerada atirando uma moeda ao ar, e qual a que foi "imaginada"?
Quais os sinais suspeitos identificados pelos analistas? Dois deles são muito curiosos. Um é a ausência de "ruído" nos dados. Ou seja, em muitas sondagens consecutivas, em sub-amostras relativamente pequenas (em que a margem de erro amostral é alta), as distribuições exibiam insuficiente variância em relação àquilo que seria de esperar. Outro é o pequeno número de casos em que a mudança na taxa de aprovação de Obama, para a totalidade da amostra e em sondagens feitas de uma semana para a outra, foi zero. Há insuficientes casos de estabilidade em relação ao que seria de esperar como consequência do erro amostral.
O que torna isto curioso é o facto destes "defeitos" dos resultados poderem parecer, numa visão mais superficial, virtudes. Afinal, quem acredita numa empresa de sondagens que, num mês, diz que há 25% de jovens entre os 18 e os 25 anos que votariam num partido, e no mês seguinte diz que há 50%? E de certeza que é impossível que o mesmo partido apareça com 36% dos votos em dois meses seguidos, com tantas coisas interessantíssimas que apareceram nos jornais entretanto, não é? Mas é precisamente a ocorrência de "defeitos" como estes que permitem dizer que há um processo genuíno de geração dos dados. Ao invés, dados excessivamente "bem comportados" - sugerindo mudanças quando elas são "supostas" aparecer ou, pelo contrário, exibindo excessiva estabilidade - sugerem fraude.
Alex Bellos (autor de um livro maravilhoso sobre o futebol no Brasil) escreveu há pouco tempo um livro de divulgação científica sobre Matemática onde está um bom exemplo para percebermos estas coisas. Imaginem que dão uma moeda a uma pessoa e lhe pedem que vá tirando "cara ou coroa" 30 vezes, anotando os resultados que vão saindo. E que pedem a outra pessoa que imagine que está a deitar uma moeda ao ar 30 vezes, anotando também os resultados. Se Cara for representada por H e Coroa representada por T, as duas listas poderiam ser assim:
Lista 1:
H T T H T H T T T H H T H H T H H H H T H T T H T H T T H H
Lista 2:
T T H H T T T T T H H T T T H T T H T H H H H T H H T H T H
Qual delas é a lista que foi gerada atirando uma moeda ao ar, e qual a que foi "imaginada"?
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