Não há outras eleições no mundo que recebam tanta atenção e sobre as quais se saiba tanto como as presidenciais americanas. As razões são óbvias: elas ocorrem na maior potência económica e militar do planeta e numa das suas democracias mais antigas, e são estudadas pela maior comunidade de especialistas sobre o tema. Isto não significa que haja certezas inabaláveis sobre o que move o eleitorado americano, e muito menos sobre o desfecho de uma eleição em particular. Mas significa que é possível falar sobre cada eleição na posse de informação incomparavelmente mais rica do que sucede com a esmagadora maioria das eleições. O que se segue é uma de muitas sínteses possíveis de toda essa informação.
O longo prazo
A primeira coisa que se julga saber sobre as presidenciais americanas é que os seus resultados têm características cíclicas. Pelo menos desde o final do século XIX, existe um padrão através do qual, a cada período de bons resultados para os candidatos de um dos partidos, se sucede, de forma regular, um período de bons resultados para os candidatos do outro partido. Várias hipóteses são avançadas para explicar este fenómeno. Na medida em que estar no poder conceda vantagens eleitorais para um candidato, o facto de um presidente em exercício se poder candidatar a um segundo mandato mas não a um terceiro introduz desde logo um elemento de ciclicidade: é sempre mais provável que um presidente consiga a reeleição, mas cumpridos esses dois mandatos, a competição entre os partidos reequilibra-se. Sabe-se também que o eleitorado americano reage às políticas públicas como uma espécie de termóstato: em face de políticas mais conservadoras por parte de presidentes Republicanos, os eleitores moderados respondem pedindo a correção dos excessos de conservadorismo; em face de políticas mais “liberais” (no sentido americano), a correção funciona na direção oposta. O resultado disto é que os americanos não consentem que um mesmo partido controle a Casa Branca por demasiado tempo.
Há quatro anos, vários artigos na imprensa usavam estas ideias para sugerir a possibilidade de que Obama se preparasse para inaugurar um novo ciclo político, que o poderia colocar no poder até 2016. Contudo, um estudo publicado há poucos meses no American Journal of Political Science mostrava que esses ciclos políticos, prevalecentes desde 1890, se tornaram mais curtos desde os anos 60 do século passado, não havendo sequer apoio empírico para sua a existência a partir dos anos 80. Não se sabe bem o que terá perturbado a ciclicidade eleitoral americana. O aparecimento ocasional de “terceiros candidatos” relevantes, tal como em 1992 e, em menor grau, 2000? A crescente polarização ideológica de políticos e eleitores, aumentado a radicalização das políticas adoptadas e, logo, acelerando as reações negativas dos eleitores? A crescente instabilidade das identificações partidárias? Não se sabe, mas o certo é que um dos padrões de longo prazo que poderia dar alguma segurança a Obama nesta eleição concreta parece ter desaparecido.
O médio prazo
Uma das conclusões mais seguras sobre o que determina o desempenho eleitoral de um partido no governo é que ele é fortemente afectado pela situação da economia. É isso que faz com que, a uma razoável distância de uma eleição (de seis meses a um ano), enquanto as sondagens ainda vão mostrando grande volatilidade, já seja possível prever, dentro de um intervalo de resultados razoavelmente apertado, qual a percentagem de votos que o partido de governo irá obter na próxima eleição. Todos os anos de eleições, por volta de Julho, a comunidade de forecasters eleitorais nos Estados Unidos começa a divulgar as suas previsões, feitas na base de modelos econométricos. As variáveis económicas destes modelos incluem, por exemplo, o crescimento da economia e do rendimento disponível, a taxa de desemprego, a evolução da despesa pública ou as percepções que os eleitores fazem do estado da economia, medidas através de sondagens.
Da análise destes modelos e dos seus resultados para a eleição de 2012 decorrem pelo duas conclusões. A primeira é que a evolução da economia americana no último ano não foi nem suficientemente má para condenar Obama à derrota nem suficientemente boa para o impulsionar decisivamente para a vitória. Os diferentes modelos, cujas previsões variavam ligeiramente dependendo dos aspectos concretos da economia que valorizavam e dos outros factores que tomavam em conta, apontavam, em média, para uma percentagem da votação nacional para Obama (em relação ao total de votos para os dois maiores partidos) de 50,4%. Em suma, apontavam para uma eleição que, pelo menos do ponto de vista do voto popular, deveria ser uma das mais renhidas de sempre.
A segunda conclusão tem interesse para além do contexto específico desta eleição: só relativamente tarde na campanha as sondagens começam a convergir para resultados que os modelos de previsão já conseguem revelar com razoável antecedência. Isto sugere que a sucessão de eventos que caracteriza uma campanha, as “gafes”, as entrevistas nos “talk shows”, os debates e os esforços gerais de mobilização e persuasão por parte das campanhas acabam por fazer menos diferença no resultado final do que possa parecer. Em parte, porque esses esforços de persuasão e mobilização das duas candidaturas são geralmente tão eficazes e equilibrados entre si que se cancelam mutuamente. Em parte também porque os eventos de campanha são interpretados pelos eleitores à luz das suas predisposições políticas latentes, formadas com alguma antecedência, que os modelos de previsão parcialmente captam, e que a campanha acaba por ativar mais do que modificar. E finalmente, porque tendo em conta o efeito dessas predisposições no voto, o espaço que sobra para que os eventos de campanha possam produzir grandes mudanças acaba por ser, afinal, relativamente reduzido.
O curto prazo
Dito isto, houve dois eventos que de facto fizeram diferença nas intenções de voto nos últimos meses. Sabemos isso com alguma segurança devido ao grande número de sondagens que se realizam nos Estados Unidos e à multiplicação de sites que as analisam de diferentes maneiras. O Real Clear Politics limita-se a calcular médias, nacionais e por estado. Outros, como o Five Thirty Eight de Nate Silver, o Pollster de Mark Blumenthal e Simon Jackman, o Votamatic de Drew Linzer ou o Princeton Election Consortium de Sam Wang, também usam as sondagens como matéria prima, mas agregam-nas de diferentes maneiras, ponderando-as não apenas na base da dimensão das amostras mas também, nalguns casos, do desempenho passado das empresas que as realizam ou de tendências gerais que se sabe afectarem determinados conjuntos de estados. O que todos estes sites mostram é que, à data em que escrevo este texto, Obama e Romney estão praticamente empatados nas intenções de voto a nível nacional, porventura até com ligeira vantagem para Romney. Mas nem sempre foi assim. No início de Setembro, a convenção Democrata atirou Obama para uma vantagem que chegou a ser, segundo estas análises, de 5 pontos percentuais. No início de Outubro, o primeiro debate entre os dois candidatos, onde Romney derrotou Obama, neutralizou essa vantagem. Os eventos nas campanhas, afinal, podem fazer diferença. Raramente e pouco, é certo, mas o suficiente para poderem ser decisivos.
Contudo, a outra coisa que todos estes “agregadores de sondagens” mostram é que este “empate” entre Obama e Romney é enganador. As presidenciais americanas são eleições indiretas, para um colégio eleitoral com 538 membros, eleitos estado a estado por um sistema maioritário de lista. Por outras palavras, o candidato que conquistar mais votos num estado elege a totalidade dos “grandes eleitores” desse estado. São eles, em conjunto com os dos outros estados, quem elege o Presidente. E desse ponto de vista, Obama parece ter alguma vantagem. Desde Junho deste ano que os candidatos têm limitado as suas ações de campanha a cerca de dez estados. Isto sucede porque 41 deles – incluindo o Distrito de Columbia – se encontram, para todos os efeitos, “decididos”. Mesmo com as estimativas mais cautelosas, a vantagem de Romney em 23 estados - especialmente localizados no Sul e no Noroeste do país – é de tal modo grande que se pode já dizer que, dos 270 lugares no colégio eleitoral de que precisa para a vitória, 191 deverão estar garantidos. O problema para Romney é que o seu adversário se encontra em situação semelhante em 18 estados que elegem nada menos que 217 “grandes eleitores.” Faltam-lhe, por assim dizer, apenas 53, contra os 79 de que Romney precisa. Dos estados ainda em disputa, Pennsylvania e Wisconsin, onde há mais de vinte anos não ganham republicanos, deverão estar seguros para Obama. Basta-lhe adicionar vitórias no Ohio e no Nevada (ou no Iowa), por exemplo, onde atualmente lidera as sondagens estaduais, para a presidência ser sua. Quanto a Romney, o único estado ainda em disputa que se pode colocar com alguma segurança na sua contagem é a Carolina do Norte. O seu caminho até à vitória é mais íngreme.
Que surpresas são ainda possíveis? Uma delas seria uma deslocação dos eleitores na recta final a favor de Romney que fosse de tal modo expressiva que colocasse Obama em desvantagem nos estados ainda em disputa e onde por enquanto ainda tem vantagem (Ohio, Nevada, Iowa, Virgínia, New Hampshire e Colorado). Chamamos-lhe “surpresa” porque, como já vimos, os eventos capazes de produzir semelhantes deslocações são raros. A segunda surpresa seria se as sondagens na base das quais repousam todos estes cenários estivessem, afinal, erradas. “Erradas”, neste contexto, teria de significar que estariam, na sua generalidade, sejam as nacionais sejam as estaduais, afectadas por um qualquer enviesamento que esteja a subestimar sistematicamente a votação em Romney. Muitos argumentos têm sido usados para apoiar a plausibilidade dessa ideia, tais como as baixas taxas de resposta às sondagens, o grande número de eleitores que tem apenas telefone móvel ou a dificuldade em estimar quem são de facto os “votantes prováveis”. Mas isso seria também uma grande surpresa. Nada na investigação existente sugere que esses potenciais problemas tendam a levar a uma subestimação dos votos nos candidatos republicanos. Estes problemas, certamente já presentes em 2000, 2004 ou 2008, não produziram esses alegados efeitos. Em suma, tudo ponderado, Obama é, sem dúvida, favorito. Mas pensem nisto de outra forma: peguem num dado; escolham um resultado possível, por exemplo, o 5. Lancem o dado repetidamente. De cada vez que vos sair um 5, foi Romney que ganhou a eleição. É isto, mais coisa menos coisa, que nos dizem as sondagens. Pouco provável, sim. Impossível, não.
Publicado originalmente no Público.
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