quinta-feira, dezembro 23, 2010

Eurosondagem, 15-20 Dez, N=2052, Presencial

Cavaco Silva: 60%
Manuel Alegre: 30%
Fernando Nobre: 4,8%
Francisco Lopes: 4,5%
Defensor de Moura: 0,7%

Aqui, ou talvez aqui.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Intercampus, 10-15 Dez., N=607, Tel.

Cavaco Silva: 64,3%
Manuel Alegre: 20,7%
Fernando Nobre: 5,5%
Francisco Lopes: 4,5%
Defensor de Moura: 1%

Aqui.

E obrigado aos comentadores que me ajudaram a corrigir um Francisco trocado por um Fernando. Peço desculpa.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Natal é quando a Gulbenkian quiser

A Gulbenkian, ao abrigo de um programa de internacionalização das ciências sociais, concede todos os anos distinções para os dois melhores artigos de ciências sociais publicados ou aceites para publicação em revistas internacionais de referência escritos por jovens investigadores (idade inferior a 40 anos) que trabalhem em instituições portuguesas. Foi anunciado hoje que, este ano, um dos prémios foi para Nina Wiesehomeier, minha colega no ICS, pelo artigo "Presidents, Parties and Policy Competition", em co-autoria com Kenneth Benoit. E o outro, bem, o outro foi para o meu amigo LA-C, por este artigo. Este ano já não preciso de escrever carta ao Pai Natal.

P.S.- Obrigado ao Pedro, ao Miguel e ao Carlos.
P.P.S.- Acabo de descobrir que, em 2009, os prémios foram também ambos para a Ciência Política: para o Tiago Fernandes e para a Catherine Moury.

sábado, dezembro 11, 2010

As virgens e as domesticadas

Luis Queirós, fundador da Marktest, lança-me aqui um amistoso repto. Mas eu gostaria de comentar não tanto o repto mas sim - igualmente com amizade mas também com a seriedade que a coisa merece - o que é escrito no post. E infelizmente, acho que o post confunde muito mais do que clarifica.

Luis Queirós explica os já famosos 78,3% de intenções de voto para Cavaco Silva captados na última sondagem da Marktest ("possivelmente bem acima do que serão resultados nas eleições de Janeiro próximo", diz) com um fundamento, digamos, metodológico:

"Deixem-me explicar: nós trabalhamos com amostras virgens, sem vícios nem preparação prévia, e por isso captamos as mudanças como ninguém o consegue fazer. Isso tem um custo, pois onde nós temos 80% de recusas, outros apresentam 80% de respostas. Mas captamos a essência da “emoção” eleitoral, uma espécie de “flor do sal” da opinião pública. E, não raramente, elas funcionam como uma espécie de candeia que vai à frente, e que os outros acabam por seguir."

Eu acho que sei do que fala Luis Queirós. Mas a maioria das pessoas não saberá, pelo que este comentário só ajuda a lançar confusão. E ainda por cima, acho que LQ não demonstra nada daquilo que afirma. Vejamos, então:

1. Suponho que aquilo de que Luis Queirós (LQ) deverá estar a falar é de sondagens com taxas de resposta muito elevadas, que só podem ser obtidas - em estudos deste género - se as entrevistas forem tentadas não junto da população em geral mas sim de uma espécie de painel permanente, de maiores ou menores dimensões, de onde se seleccionam inquiridos de cada vez que se faz uma sondagem. Ou muito me engano - ele poderá corrigir-me - ou está a falar da Aximage. Vejam aqui: "A Aximage possui um sub-universo de cerca de trinta mil nomes com selecção aleatória estratificada assente em matrizes que cruzam região x habitat; sexo x idade x escolaridade x actividade; região x voto. A amostra desta sondagem obedeceu a técnica equivalente mas assente no sub- universo." E de facto, como seria de prever, a Aximage tem taxas de resposta muito altas junto deste "sub-universo" de indivíduos pre-seleccionados. 72%, no caso desta sondagem.

2. Se for disto que LQ está a falar, deveria então, creio, ter explicado melhor por que razão isto é uma amostra "com vícios". Claro que a aceitação por parte dos respondentes em fazer parte destes paineis pode significar que deixam de ser representativos da população. E claro que há "efeitos de painel", em que a reinquirição ou a mera pertença a esse painel pode reforçar a sua não representatividade. Mas há também vantagens neste procedimento, incluindo a possibilidade de contactar a amostra através de telemóvel e de garantir altas taxas de resposta. Muito depende, de resto, da forma como o painel terá sido escolhido. O da Aximage é, de resto, muito grande, limitando os riscos da reeinquirição sistemática. E achará LQ que as 807 entrevistas que a Marktest conseguiu fazer depois de ter tentado estabelecer 30750 contactos (não me canso de saudar a Marktest por esta transparência) conduziu a uma amostra "sem vícios"? Há aqui uma contraposição entre uma forma alegadamente "melhor" e uma forma alegadamente "pior" de fazer as coisas que me parece muito pouco fundamentada. Se fosse necessariamente como LQ diz, a YouGov estava bem arranjada.

3. Há, de resto, algo que LQ não menciona e que, à luz da sua explicação, permanece um enigma. Que eu saiba, as amostras seleccionadas pela Eurosondagem, pela Católica, ou pela Intercampus são, para usar a linguagem de LQ, tão "virgens" como as da Marktest. Ou seja, para cada estudo, é seleccionada uma amostra nova de entre números de telefone nacionais ou domicílios por caminho aleatório. E por que razão a Marktest terá apresentado um resultado de 78% para Cavaco Silva quando outras sondagens, em momentos próximos e com amostras igualmente "virgens", lhe dão intenções de voto entre os 57 e os 63%? A explicação improvisada por LQ para explicar os resultados da Marktest não colhe.

4. Mas LQ sugere também um carácter algo "especial" das sondagens da Marktest: "elas funcionam como uma espécie de candeia que vai à frente, e que os outros acabam por seguir." Será? Não foi assim em 2005. Nem me parece que tenha sido em 2006. Nem no referendo sobre a despenalização do aborto em 2007. Nem nas legislativas de 2009. Eu julgo, sem saber de ciência certa, que LQ se refere ao facto de, antes das Europeias de 2009, a Marktest ter sido a única empresa que colocou o PSD à frente nas intenções de voto. Mas se é isto, parece-me base muito limitada para sugerir que a Markest antecipa quaisquer tendências. De resto, como se vê por este quadro, mesmo no caso das Europeias de 2009, a alegada capacidade de "antecipar tendências" nuns casos coexiste com a incapacidade de as detectar noutros. Em suma, gostava que me mostrassem onde está a tal "candeia" a funcionar. Não a vejo. Vocês vêem? Ajudem-me a encontrar a luz.

É normal que, nos meses antes das eleições, haja uma dispersão considerável nos resultados das sondagens, que tenderá a diminuir com o tempo. Pode também suceder que, por razões metodológicas e sem qualquer intencionalidade política, os estudos de uma determinada empresa tendam a subestimar os resultados deste ou daquele partido enquanto que os de outra os sobrestimam. Em Portugal, esta demonstração está por fazer, apesar de muita conversa barata. Mas claro que pode suceder que esta ou aquela opção tenda a levar à subrepresentação ou sobrerepresentação de determinados grupos populacionais que, se tiverem comportamentos eleitorais diferentes dos outros, irão levar a que os resultados variem de empresa para empresa de forma sistemática. "House effects": isto está mais que estudado até à exaustão noutros países. E há, finalmente, erro aleatório. Mas LQ não fala de nada disto. Palpita-me que ele acha que Cavaco Silva terá um resultado acima dos tais 55 a 63% que as sondagens a que chama "domesticadas" - esta linguagem choca-me um pouco - lhe dão neste momento. Logo, 78%, "resultados disruptivos" e tal, são uma coisa bestial. Lamento, mas isto merecia outro cuidado.

Aximage, 5-7 Dezembro, N=600, Tel.

Com indecisos:
PSD: 39,8%
PS: 27,2%
CDS: 8,8%
CDU: 8,4%
BE: 7,4%
OBN: 5,4%
Indecisos: 3,0%

Com indecisos redistribuidos:
PSD: 41,0%
PS: 28,0%
CDS: 9,1%
CDU: 8,7%
BE: 7,6%
OBN: 5,6%

Aqui.

sábado, novembro 27, 2010

Eurosondagem, 18-23 Nov, N=2069, Presencial

Cavaco Silva: 57,0%
Manuel Alegre: 32,0%
Fernando Nobre: 5,2%
Francisco Lopes: 4,8%
Defensor de Moura: 1,0%

Aqui. Entre o resultado desta sondagem e a da Marktest divulgada hoje há só 21 pontos de diferença nas intenções de voto em Cavaco Silva, enfim, coisa pouca.

sexta-feira, novembro 26, 2010

Presidenciais

Marktest, 16-19 Nov., N=804, Tel.

Intenções de voto presidenciais:
Cavaco Silva: 78,3%
Manuel Alegre: 15%
Fernando Nobre: 4%
Francisco Lopes: 0,7%

Aqui. Soma das percentagens anteriores: 98%. Caso Cavaco Silva tivesse uma percentagem de votos desta ordem, ultrapassaria claramente o resultado de Mário Soares em 1991.

quinta-feira, novembro 25, 2010

Marktest, 16-19 Nov., N=804, Tel.

Após redistribuição de indecisos e diminuição de OBN de 14,3% para 6,5%:
PSD: 44,3%
PS: 26,9%
BE: 8,7%
CDS-PP: 6,9%
CDU: 6,7%

Ficha técnica aqui.

segunda-feira, novembro 22, 2010

Intercampus, 12-17 Nov., N=609, Tel.

Legislativas, após redistribuição:
PSD: 39,2%
PS: 30,5%
BE: 11%
PCP: 9.7%
CDS-PP: 8,5%

Presidenciais, após redistribuição:
Cavaco Silva: 61,5%
Manuel Alegre: 26,1%
Fernando Nobre: 4,5%
Francisco Lopes: 3,7%
Defensor de Moura: 0,5%

A soma disto, nas presidenciais, dá 96,3%, se não estou em erro. Não sei o que representam os restantes 2,7%, tendo em conta que os resultados oficiais das presidenciais não contam com brancos e nulos. Talvez outros candidatos. As notícias estão aqui e aqui. A segunda explica-nos, por exemplo, que "Francisco Lopes (...) desceu 33,9% desde Outubro" e que " maior queda foi a de Defensor Moura, em 58,3%". Atenção que não se está, naturalmente, a falar de subidas ou descidas em pontos percentuais.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Sabe o que vai acontecer no dia 23 de Janeiro? Nós sim (III)

Com todas as contingências explicadas nos dois posts anteriores e ainda as que explicaremos de seguida, é um exercício heróico este de prever a votação de Cavaco Silva. Mas como resistir? Não é possível resistir. Estimámos o modelo. O que encontrámos? O fundamental resume-se na sequinte equação:

Y=18,579 + 0,578*X1 + 12,317*X2

Em que X1 representa a votação dos partidos do "bloco incumbente" na eleição anterior e X2 é uma variável "muda" (com valor 1 ou 0) capturando o facto de o presidente em exercício, respectivamente, ser ou não o candidato do bloco incumbente. Se substituirmos os valores de X1 e X2 pelos valores para a próxima eleição, X1 será 42,4 (a percentagem de votos válidos dos partidos de direita nas últimas legislativas) e X2 será, obviamente, 1. Resultado:

Cavaco Silva terá uma votação de 55,393% na 1ª volta das eleições presidenciais.

Quão razoável é esta previsão? Há indicadores de sinais contrários:

* Positivos:
1. Mesmo com apenas seis observações e três graus de liberdade, as variáveis que pensámos poder influenciar a votação do bloco incumbente são estatisticamente significativas com p<0,05 e na direcção prevista.

2. O coeficiente de determinação do modelo é de 95%. Ou seja, o modelo é fantástico! Ups, talvez não, dado que, com tão poucas observações, este valor, mesmo que elevado, tem pouco significado.

3. Para analisar a robustez dos nossos resultados a uma amostra tão pequena, fizemos pequenas manipulações da amostra e vimos quão sensível os nossos resultados eram a essas manipulações. A manipulação é simples: para cada uma das 6 observações de que dispomos, retiramo-la da amostra e reestimamos o modelo. Assim, podemos testar se os resultados que obtemos são altamente influenciados por alguma eleição particularmente excêntrica. Os resultados não foram maus.

*Negativos:
1. O nosso erro padrão (já tendo em conta a incerteza dos coeficientes estimados) é de quase 5%. Ou seja, o intervalo de confiança de 95% para a estimativa pontual da previsão é tão largo que quase não tem significado. Por outras palavras, se construíssemos um intervalo de confiança em torno da nossa previsão, diríamos que a votação de Cavaco seria, com 95% de confiança, algures entre 45 e 65%.

2. O modelo falhou miseravelmente num teste mais formal, que já tínhamos usado a pretexto da nossa previsão para as legislativas. Esse teste é chamado condition index test. De acordo com a literatura valores desse teste superiores a 15 são problemáticos. Superiores a 30 são a garantia de problemas. No nosso caso o valor foi superior a 60. Um valor tão alto indica problemas de multicolinearidade, algo que só pode ser resolvido com uma amostra maior.

Em suma, como ficamos? Há sinais encorajadores, particularmente a direcção e significância das variáveis independentes. Mas a incerteza é muito grande. O baixo número de observações - seis - faz com que esta previsão pouco mais rigor possa ter do que uma mera regra de três simples. Ele gera também valores de coeficientes de determinação enganadoramente altos e cria uma incerteza muito grande em torno da previsão estimada, que só tenderá a diminuir à medida que possamos basear esta inferência num número maior de observações. Esperamos, por isso, que apreciem devidamente a ironia de apresentarmos o resultado da previsão às milésimas e, de resto, a ironia do próprio título destas entradas.

Pedro Magalhães e Luís Aguiar-Conraria 

segunda-feira, novembro 15, 2010

Sabe o que vai acontecer no dia 23 de Janeiro? Nós sim (II)

No post anterior, explicávamos como o conceito de “incumbente” exige, em eleições presidenciais, um tratamento diferente do que sucede com eleições legislativas, onde esse “incumbente” pode ser definido como o partido de governo (ou o principal partido de governo). No caso das presidenciais, essa definição não faz sentido. Como proceder, então?

A nossa opção vai ser a de tentar prever a votação dos candidatos do “bloco incumbente”, ou seja, a soma da votação de todos os candidatos oriundos de uma mesma “área política” - "esquerda" ou "direita" - que, no período imediatamente anterior a dada uma eleição, tenha controlado a Presidência. O que significa isto, na prática? Sete coisas: (1) Nas eleições de 1976, não há ainda Presidente eleito, pelo que esta observação não conta para a nossa análise. (2) Nas eleições de 1980, quem é o Presidente? Eanes, claro. Mas para a nossa análise, e para manter comparabilidade do longo da série, aquilo que nos interessa é o “bloco incumbente”, ou seja, a votação de todos os candidatos, incluindo Eanes, que se situam na área da esquerda. Temos assim Eanes e Otelo, totalizando 57,93% dos votos válidos. (3) Em 1986, o “bloco incumbente” é, claro - e novamente - a esquerda: Soares, Zenha e Pintasilgo: 53,69% dos votos, na 1ª volta. (4) Em 1991, Soares, Carvalhas e Carlos Marques: 85,84% dos votos. (5) Em 1996, apenas Sampaio: 53,91%. (6) Em 2001, Sampaio, António Abreu, Fernando Rosas e Garcia Pereira: 65,32% dos votos. (7) E em 2006, Alegre, Soares, Jerónimo de Sousa, Louçã e Garcia Pereira: 49,46% dos votos.

Em 2011, o que vamos prever é a soma dos votos de todos os candidatos do actual “bloco incumbente”, a direita. Em 2011 – como sucedeu em 1996 – esse bloco será representado por um único candidato, Cavaco Silva. Mas não tinha de ser assim. Esta nossa definição da variável dependente adapta-se a variadas circunstâncias e configurações de cada eleição, pelo menos até se deixar de pensar em política em termos de “esquerda” e “direita”, coisa que, apesar de tudo, não parece estar para muito breve.

A questão que se segue é quais poderão ser as variáveis independentes. Por outras palavras, que factores podem ajudar a prever a votação que o "bloco incumbente" teve no passado e a votação que esse bloco possa vir a ter no futuro? Há muitos factores que poderiam ser imaginados, mas com seis observações apenas, impõe-se máxima parcimónia. A nossa opção vai no sentido de valorizar dois aspectos fundamentais: o apoio partidário dos candidatos do bloco incumbente; e se esse bloco concorre com o Presidente em exercício.

As eleições presidenciais em regimes semi-presidenciais são muitas vezes vistas como um combate entre personalidades políticas, uma espécie de "concurso de popularidade" sem outros determinantes políticos relevantes. De facto, de acordo com alguns estudos sobre comportamento eleitoral, é isso que parece suceder nalguns países onde o chefe de estado é eleito mas não exerce poderes executivos. Em Portugal, análises com dados agregados sugerem uma "baixa fidelidade eleitoral [dos votantes] aos partidos com os quais simpatizam" em eleições presidenciais. Mas temos razões fortes para discordar deste diagnóstico. Um estudo sobre as presidenciais de 2006 mostra que a identificação partidária é um dos factores explicativos mais poderosos quando se trata de prever o comportamento dos eleitores a nível individual. Claro que a avaliação das qualidades dos candidatos também tem um papel muito importante, mas nisso, as eleições presidenciais não são especialmente diferentes das eleições legislativas. O que as distingue, de resto, é o facto de o comportamento de voto nas presidenciais não ser - ao contrário do que sucede nas legislativas - influenciado pela avaliação da actuação do governo. Mas a fidelidade partidária conta muito, o que, de resto, não surpreende: os partidos apoiam candidatos e envolvem-se fortemente nas campanhas. Seria estranho que os eleitores fossem indiferentes ao facto e que os resultados dos candidatos não fossem afectados pela dimensão da sua coligação partidária de apoio.

Logo, para nós, um dos factores preditivos do desempenho do "bloco incumbente" nas presidenciais deve ser procurado no apoio partidário desse bloco. Isso é importante por duas razões. Por um lado, o apoio eleitoral dos partidos da "esquerda" e da "direita" não foi imutável ao longo do tempo, e essas mudanças deverão ter consequências no desempenho eleitoral dos candidatos apoiados por esses partidos. Por outro lado, houve momentos na nossa história eleitoral em que candidatos de um determinado bloco obtiveram o apoio de partidos fora do bloco. O exemplo mais evidente é o de Soares em 1991, cuja candidatura foi apoiada pelo PSD. Não tomar isto em conta seria ignorar a evidência de que os mais de 70% de votos recolhidos por Soares e os mais de 80% dos votos recolhidos por todos os candidatos "da esquerda" (incluindo Soares) não aconteceram por acaso ou por mera "popularidade" dos candidatos.

Assim, julgamos que uma das variáveis independentes de um modelo que procure prever o desempenho eleitoral dos candidatos do "bloco incumbente" terá de remeter para alguma medida do apoio partidário por detrás desses candidatos. Idealmente, gostaríamos de uma medida que captasse esse apoio o mais próximo possível da eleição presidencial, utilizando, por exemplo, sondagens de intenções de voto nesses partidos. Mas essas sondagens não estão disponíveis para todo o período. Outra alternativa seria a de recorrer aos dados das eleições legislativas mais próximas de cada eleição presidencial. Contudo, nalguns casos, essas eleições mais próximas são posteriores à eleição presidencial, o que derrota o objectivo do exercício: prever resultados, na base de informação disponível antes das eleições presidenciais. Logo, a nossa opção foi a de usar como variável independente a soma dos votos dos partidos que apoiam os candidatos do "bloco incumbente" na eleição imediatamente anterior a cada presidencial. A saber:

- 1980: 49,54% de votos válidos (a soma dos partidos de esquerda nas legislativas de Outubro de 1980).
- 1986: 58,40% (legislativas de 1985).
- 1991: 94,47% (esquerda + PSD, legislativas de 1987).
- 1996: 55,30% (legislativas de 1995)
- 2001: 57,46% (legislativas de 1999)
- 2006: 61,67% (legislativas de 2005).

Há pelo menos outro factor tão central para as nossas preocupações que não pode ficar de lado: o facto de, nalgumas eleições, um dos candidatos do "bloco incumbente" ser o próprio Presidente.

Isso nem sempre acontece, claro. Em Portugal, há uma limitação de mandatos para um Presidente: dois. Logo, em 1986, 1996 e 2006, Eanes, Soares e Sampaio não foram candidatos, ao contrário do que sucedeu em 1980, 1991, e 2001, respectivamente. Há boas razões para que isto produza um efeito no desempenho eleitoral. As vantagens genéricas da "incumbência" são conhecidas: visibilidade, cobertura mediática "grátis", experiência e recursos materiais e organizativos. Isto, por sua vez, dissuade a entrada de bons adversários na contenda: Soares Carneiro, Basílio Horta ou Ferreira do Amaral, com todos os seus méritos ou deméritos, não são Freitas do Amaral, Cavaco Silva ou Mário Soares. E no caso português, é sabido que as expectativas em torno do desempenho da função presidencial têm levado a que (pelo menos desde Soares), nos seus primeiros mandatos, os presidentes tenham adoptado estilos de actuação mais consensuais e menos confrontacionais com os governos, aumentando o seu apelo a eleitores que não pertencem ao seu bloco e aumentando as possibilidades de reeleição. Logo, o nosso modelo tem uma segunda variável: o Presidente em exercício foi um dos candidatos do "bloco incumbente" na eleição? Respostas:

- 1980: Sim.
- 1986: Não.
- 1991: Sim.
- 1996: Não.
- 2001: Sim.
- 2006: Não.

Eis, em suma, o modelo: a votação nos candidatos do "bloco incumbente" numa eleição presidencial deverá ser uma função linear da votação nas legislativas anteriores dos partidos do "bloco incumbente" e do facto de o Presidente em exercício ser ou não um dos candidatos desse bloco. Quando estimamos este modelo através do Método dos Mínimos Quadrados (OLS, para os amigos), que resultados obtemos? Com a informação que já demos, facilmente alguns dos leitores poderão antecipar as nossas previsões. Aos outros pedimos que aguardem por 4ª feira.

Pedro Magalhães e Luís Aguiar-Conraria

sábado, novembro 13, 2010

sexta-feira, novembro 12, 2010

Sabe o que vai acontecer no dia 23 de Janeiro? Nós sim.

Em Julho de 2008, escrevemos um paper onde fazíamos uma previsão dos resultados eleitorais das legislativas de 2009, que viriam a ocorrer a 27 de Setembro, mais de um ano depois. Essa previsão apontava para que o PS tivesse 38,4%, e uma vantagem de 11,3 pontos sobre o PSD, ou seja, 27,1%. Num artigo posterior, escrito poucos meses depois mas usando os mesmos dados e publicado em Junho de 2009 na revista Electoral Studies, afinávamos a nossa previsão para o PS: 37,1%. Em Setembro de 2009, o PS obtinha 36,7% dos votos e o PSD 29,1%.

Como já explicámos, esta previsão deixou-nos ao mesmo tempo entusiasmados e perplexos. Entusiasmados pela enorme precisão. Perplexos, porque o cenário macroeconómico no qual baseámos as nossas previsões – e que era o adiantado pelas organizações internacionais à época – não se veio a concretizar. Pelo contrário, o que sucedeu, a partir de finais de 2008, foi uma recessão internacional sem precedentes desde os anos 30. A nossa questão tornou-se outra: por que razão a previsão baseada em "previsões" (e não na "realidade") esteve tão próxima dos resultados finais? Pode ter sido mero acaso. Mas pode ser que isto nos diga algo sobre como a realidade económica é percebida pelos eleitores (abrindo parêntesis, é curioso verificar, no recente inquérito dos Transatlantic Trends, como os portugueses foram, de todos os países inquiridos, aqueles onde a percepção de consequências concretas da crise era mais baixa em 2009 e onde mais subiu de 2009 para 2010). Vamos trabalhar nisto. Entretanto, obedecendo a um poderoso impulso suicidário, tivemos outra ideia: e que tal uma previsão dos resultados das presidenciais? Péssima ideia. Vamos a isso.
Péssima ideia porquê? Várias razões:
  • Na democracia portuguesa, tivemos 7 (sete) eleições presidenciais. Se quisermos prever resultados eleitorais futuros na base do passado, podemos usar não mais de 7 (sete) observações. É muito, muito pouco.
  • A maior parte dos modelos deste género procura prever a percentagem de votos do partido ou partidos no governo, ou seja, o desempenho do incumbente, no pressuposto de que a função de voto do governo é explicada por aspectos do seu desempenho (popularidade, crescimento económico, etc.). Mas o que fazer ao conceito de incumbente no caso do Presidente? É difícil saber:
    • Primeiro, o Presidente não governa (há certamente quem gostasse, mas lamentamos informar que não).
    • Segundo, quem é o incumbente em 1976? Não há. E em 1980: Eanes, claro. E em 1986, que votação de que incumbente estamos a prever? Bem, tendo em conta que Eanes foi apoiado pelo PS e pelo PCP, talvez nos arrisquemos a colocar a soma dos votos em Soares, Zenha (e, quem sabe, Pintasilgo) no lado esquerdo da equação. E em 1991: a votação em Soares? Mas Soares foi apoiado pelo PS e pelo PSD. E por aí fora. Por outras palavras, como não há uma relação de identidade estável entre partidos e candidatos, e como os candidatos representam coligações diferentes de eleição para eleição, o conceito de incumbente, no sentido estrito em que é usado habitualmente nos modelos de previsão - um partido, ou um candidato -, não faz sentido.
Como lidar, então, com o problema? O que podemos tentar prever? Em breve explicaremos o quê e como. O que daí resulta, podemos desde já, em parte, adiantar: Cavaco Silva deverá ganhar à primeira volta (um momento para que o caro leitor se possa tentar refazer do enorme choque que a frase anterior lhe causou). Mas com que percentagem de votos? Daqui a dias ficarão a saber.

Pedro Magalhães e Luís Aguiar-Conraria (publicado originalmente no Delito de Opinião)

quarta-feira, novembro 03, 2010

Aximage, 26-29 Outubro, N=600, Tel.

Antes de redistribuição de indecisos:
PSD: 35,2%
PS: 26,5%
CDU: 9,8%
CDS-PP: 9,1%
BE: 8,4%
OBN: 5,5%
Indecisos: 5,5%

Após redistribuição de indecisos:
PSD: 37,2%
PS: 28,0%
CDU: 10,4%
CDS-PP: 9,6%
BE: 8,9%
OBN: 5,8%

Aqui.

terça-feira, novembro 02, 2010

Um comentário sobre a questão das escalas

Recebido por e-mail:

"Creio que não será difícil dizer que qualquer analista já se deparou com o facto de as escalas serem pares ou impares enviesa os resultados obtidos. Também é evidente que se a pergunta tiver um ponto central, as respostas tenderão a ir para esse ponto - por uma questão de preguiça do entrevistado ou por qualquer outro fenómeno.

Porém, ter uma escala par também não resolve o problema: estamos nesse caso a impor ao inquirido que tome uma opção (positiva ou negativa), quando na verdade ele é indiferente.

A questão está em que um estudo de opinião/mercado deve reflectir as opções dos inquiridos e seu processo de tomada de decisão. Assim, a inclusão de um ponto central pode facilitar e esconder a verdadeira intenção dos indivíduos, ao mesmo tempo que sua exclusão inflaciona respostas extremadas, que habitualmente não acontecem.

A solução que adopto, mais em produtos de consumo e menos em ciências sociais, é colocar um ponto neutro sempre que se trata de uma escolha recorrente por parte do inquirido. Por exemplo, numa pergunta de hábitos de compra de comida para cães: é perfeitamente normal que o consumidor seja indiferente. Nesses casos ele muda (ou pode mudar) de opção todas as semanas.

Já numa pergunta associada a bens duradouros - como a compra de casa, casamento(!), intenção de voto - prefiro não colocar um ponto central. Nesses casos o inquirido tem mesmo de tomar uma decisão e não há espaço para meias respostas/neutralidade.

Em qualquer dos casos, não conheço muitos resultados públicos sobre a importância dos pontos centrais para o público português. Excepção feita a esta apresentação: http://www.apodemo.pt/05%20-%20Luis%20Rosa%20-%20METRIS.pps"

Presidenciais

É ainda um pouco cedo para falar de tendências. Mas o gráfico abaixo mostra os resultados das sondagens que conheço e que explicitamente solicitavam uma intenção de voto (e não perguntas sobre qual dos candidatos seria o melhor Presidente, etc.). Notem que, especialmente nas mais antigas, estávamos perante cenários, não apenas no que dizia respeito ao próprio Cavaco Silva mas também em relação a outros candidatos. Preservei apenas os resultados daqueles que, hoje, afirmam a sua candidatura.



















As linhas são rectas de regressão linear. A haver uma tendência, é a previsível: a descida de Fernando Nobre. Mas é muito cedo para tirar grandes conclusões. Fica como mera informação, a analisar de forma mais detalhada quando houver mais resultados.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Pontos centrais em escalas

No Cachimbo de Magritte, Tiago Mendes escreve:

"Outro ponto, técnico, e que seria importante esclarecer, é saber porque é que a sondagem da Católica, ao que tudo indica, não inclui uma opção entre "Bom" e "Mau" - razoável, médio, satisfatório, indiferente, o que seja."

Duas coisas:

1. Este post tinha uma ligação para aqui, para o Margens de Erro. Mas a verdade é que desde Janeiro que trabalho em exclusividade no ICS-UL, tendo deixado a colaboração com o CESOP e a Católica. Se escrevo isto de novo é porque pensava que era um facto conhecido mas, nos últimos dias, por e-mails recebidos e comentários vários, notei que não.

2. Dito isto, a ausência de um ponto central na escala de avaliação de governo foi uma decisão minha, e posso responder por ela. Quando esse ponto central está presente ("nem bom nem mau", etc) ele tende a ser usado para mero fim de redução de esforço por parte do inquirido ou para evitar declarar posição perante o inquiridor. A investigação que conheço sobre o assunto mostra que os dados obtidos com escalas que usam este tipo de pontos centrais são menos válidos e menos fiáveis. Sobre o assunto, ver isto ou isto. Tendo a encarar tudo aquilo que Willem Saris escreve sobre questionários com alguma reverência. Logo, sempre que posso - e especialmente quando isso não prejudica gravemente comparações com inquéritos anteriores - proponho a eliminação destes pontos centrais. Acho até que isso é especialmente importante num país com as características do nosso (por razões educacionais e culturais várias).

sexta-feira, outubro 29, 2010

Marktest,19-24 Outubro, N=807, Tel.

Agora as presidenciais:

Cavaco Silva: 71,3%
Manuel Alegre: 20,2%
Fernando Nobre: 5%
Francisco Lopes: 1,1%
Defensor de Moura: 0,9%

Fonte.

quinta-feira, outubro 28, 2010

CESOP, 23-25 Outubro, N=1140, Presencial

Intenções de voto após redistribuição de indecisos (e apenas entre quem tem a certeza que votaria em legislativas):

PSD: 40%
PS: 26%
BE: 12%
CDU: 8%
CDS-PP: 7%
OBN: 7%

Em relação ao total da amostra, a distribuição é a seguinte:
PSD: 17%
PS:13%
BE: 5%
CDU:4%
CDS-PP: 3%
OBN:7%
Não votava:22%
Não sabe: 24%
Recusa responder: 6%

Para que a vantagem do PSD seja tão expressiva nas estimativas de resultados eleitorais em comparação com os resultados brutos, isso quer dizer que há um "enthusiasm gap" à portuguesa: quando restringimos aos eleitores que dizem que "têm a certeza que vão votar", o PS afunda.

Também se obtiveram intenções de voto para as presidenciais:
Cavaco Silva: 63%
Manuel Alegre: 20%
Fernando Nobre: 7%
Francisco Lopes: 3%
Defensor de Moura: 1%

Aqui.

Marktest, 19-24 Out., N=807, Tel.

Após redistribuição proporcional de indecisos:

PSD: 42%
PS: 25%
BE: 10%
CDU: 8,3%
CDS-PP: 8%

Fonte aqui. Comparar com sondagem anterior: PSD sobe quatro pontos, PS desce quase 11, vantagem de PSD sobre PS passa de pouco mais de 2 pontos para 17.

Sobre isto, acho que vale a pena fazer um comentário. É certo que Portugal é um país onde há muita volatilidade de eleição para eleição, onde o voto se encontra pouco ancorado socialmente, e onde
muitos eleitores declaram não se sentirem próximos de qualquer partido e respondem "5"  ("centro") quando convidados a posicionarem-se ideologicamente numa escala de 0 (esquerda) a 10 (direita). Logo, flutuações importantes de sondagem para sondagem não são coisa que nos deva espantar demasiado, porque o voto se encontra comparativamente pouco ancorado em factores sociais, psicológicos ou ideológicos que que lhe dêem estabilidade. Dito isto, a diferença entre esta sondagem e a anterior é muito grande. Uma ideia, nada original, seria fazer nessas sondagens algumas perguntas que nos permitissem algum controlo sobre a "representatividade política" da amostra.

Em tempos, a Marktest (e outras empresas) perguntavam aos inquiridos como tinham votado na eleição anterior e usavam esses resultados para ponderar as intenções de voto. Por exemplo, se na amostra a percentagem daqueles que dizem ter votado em 2009, digamos, na CDU, fossem metade daqueles que realmente votaram, o resultado ponderado duplicaria as intenções de voto nesse partido para a sondagem em concreto. Sempre me pareceu má ideia fazer isso, pela simples razão de que a memória da pessoas é muito selectiva. Uma alternativa preferível seria perguntar às pessoas de que partido se sentem mais próximas ou o seu posicionamento ideológico. Há inquéritos - como o European Social Survey, realizado de 2 em 2 anos - onde essas questões são colocadas a amostras de qualidade necessariamente muito superior às de uma qualquer sondagem eleitoral e onde a distribuição obtida poderia servir de "gold standard" para uma comparação. É evidente que identificação partidária ou posicionamento ideológico não são imutáveis, mas são bastante mais estáveis e fiáveis que a recordação de voto numa eleição ocorrida há meses ou anos. Conhecendo esses resultados para a sondagem eleitoral, ficaríamos com uma ideia sobre o que poderia estar por detrás de mudanças tão grandes como as detectadas nas duas últimas sondagens da Marktest, e se essas mudanças reflectem - como até é plausível que tenha sucedido - reais mudanças nas preferências das pessoas.

Nada disto é novo, e encontramos este tipo de discussão com muita frequência sobre as sondagens feitas nos Estados Unidos. Um exemplo.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Atrasada: Eurosondagem, 30 Set., N=620, Tel.

PSD: 35%
PS: 33%
CDU: 9,7%
BE: 9,3%
CDS: 7%

A dimensão da amostra utilizada é bastante inferior ao habitual na Eurosondagem.

Aximage, 6-9 Outubro, N=600, Tel.

Há uma sondagem recente da Aximage, cujos dados estão muito incompletos na notícia online. Quando o depósito na ERC estiver visível actualizo tudo isto. Contudo, é curioso que dê o mesmo sinal que a sondagem Intercampus: PS e PSD a descerem.

Nas presidenciais, a mesma coisa: Cavaco Silva a descer, Manuel Alegre a subir. Mais exactamente:

Cavaco Silva: 55,1%
Manuel Alegre: 35,7%
Fernando Nobre: 7,1%
Francisco Lopes: 1,9%
Defensor de Moura: 0,2%

terça-feira, outubro 12, 2010

Entretanto, no Brasil...

Que eu saiba, há apenas uma sondagem realizada para o 2º turno: Datafolha (8 Out., N=3.265): após redistribuição de indecisos (7%), Dilma 54%, Serra 46%.

Uma análise muito interessante sobre o peso do Bolsa Família nas eleições, aqui. Como é óbvio, não se deve inferir causalidade, porque os dados são agregados (em vez de individuais) e a relação pode ser espúria (as razões que fazem com que indivíduos recebam Bolsa Família já os predisporia seja como fosse a votar Dilma). Mas é sugestivo.

sábado, outubro 09, 2010

Intercampus, 4-6 Out, N=609, Tel.

A notícia no site da TVI24 não menciona nem data de realização do estudo, nem dimensão da amostra, nem modo de inquirição. Teremos de concluir que a TVI supõe que a Lei 10/2000 não se aplica a sites da internet e que a ERC não tem jurisdição sobre nada disto. Contudo, aqui vai:

Legislativas:
PSD: 35,2%
PS: 32%
PCP: 11,1%
BE: 10,6%
CDS-PP: 9,1%

Presidenciais:
Cavaco Silva: 55,5%
Manuel Alegre: 30,7%
Francisco Lopes: 5,6%
Fernando Nobre: 4,9%
Defensor de Moura: 1,2%

Em comparação com a última sondagem da Intercampus que conheço, de Julho passado, o PSD desce 4 pontos, o PS desce 2,4 pontos, CDU, BE e CDS-PP sobem (mas diferenças não são estatisticamente significativas). Cavaco Silva desce quase 4 pontos e Alegre sobe quase 4 pontos. Claro que, ao passo que comparar sondagens dentro do mesmo instituto é sempre uma boa ideia ("house effects"), comparar Julho com Outubro pode não ser.

P.S. - A ficha técnica está no Público. Obrigado a Luciano Alvarez pela chamada de atenção.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Sondagens no Brasil: muito barulho por nada?

Os resultados (quase) finais (99,99% das secções apuradas) da 1ª volta no Brasil foram os seguintes:

Dilma Rousseff: 46,9%
José Serra: 32,61%
Marina Silva: 19,33%

A abstenção foi, como sempre, relativamente baixa (18,12%). O voto "obrigatório" (ponho com aspas porque a coisa é complicada, havendo eleitores para quem o voto não é obrigatório e mais algumas complicações, ver aqui) ajuda. Outra coisa que costuma estar associada a uma abstenção baixa é uma alta proximidade entre os resultados das últimas sondagens e aqueles que acabam por ser os resultados finais. A razão é simples: em sistemas com alta abstenção, as intenções de voto recolhidas anteriormente têm menor probabilidade de se concretizarem. E se, por alguma razão, aqueles que declaram uma intenção de voto e votam forem diferentes daqueles que declaram uma intenção de voto e não votam, é óbvio que vai haver, ceteris paribus, uma maior discrepância entre as sondagens e os resultados eleitorais. Em países com alta abstenção, a única maneira de lidar com isto é ter bons modelos de "votantes prováveis". Mas o que é um bom modelo de "votantes prováveis" é algo que pode mudar de eleição para eleição. No Brasil, essa dificuldade não se coloca de forma tão grave como noutros países (Portugal, por exemplo, e Estados Unidos, ainda mais).

No Brasil, nas eleições de  2006, 1º turno, Lula teve 48,6%, seguido de Alckmin (41,6%) e Helena (6,9%). Nessa altura, se excluirmos a sondagem da Sensus (feita no dia 24 de Setembro), as restantes (conduzidas pelo Ipespe, Vox Populi, Datafolha e IBOPE) deram resultados que não foram muito diferentes daqueles que vieram a ser os resultados das eleições. Em todos os casos, Lula e Helena tiveram pior resultado nas eleições do que nas sondagens, e o inverso sucedeu com Alckmin. Mas a média dos desvios absolutos entre o resultado eleitoral dos três principais candidatos e o resultado da última sondagem foi de 4,3 pontos para a Vox Populi, 2,4 para Datafolha e IBOPE e 2 pontos para o Ipespe.

Isto é "bom" ou é "mau"?  Para termos um ponto de comparação, podemos usar as últimas presidenciais portuguesas. Aí, a média dos desvios absolutos para os três maiores candidatos, nas sondagens conduzidas logo antes das eleições, oscilou entre 1,3 pontos (Católica) e 3,2 pontos (Eurosondagem). Logo, uma conclusão rápida é que, apesar da "pressão para o erro" causada por uma maior abstenção em Portugal, há qualquer coisa a causar maiores discrepâncias entre as sondagens brasileiras e os resultados eleitorais. E julgo que é evidente que a gigantesca diferença de escala e as dificuldades colocadas pela realização de trabalho de campo no Brasil têm de ter um papel aqui. Imaginem o que significa tentar chegar a contactar pessoas que vivem em prédios com segurança armada à porta, em favelas ou em zonas rurais inacessíveis. Para lidar com isto, os institutos brasileiros utilizam amostras muito grandes - a última sondagem da Datafolha tinha 20.960 inquiridos!  - e, quase invariavelmente, amostragem por quotas. Mas a amostragem por quotas tem problemas potenciais, a começar pela qualidade da informação censitária e indo até à própria escolha das quotas relevantes. Talvez um ponto de comparação mais relevante sejam as eleições presidenciais americanas: aí, "a média dos erros médios" anda pelos 2,8 pontos percentuais. Os resultados do Ibope e da Datafolha foram, deste ponto de vista, "normais", e o que é "anormal" são os resultados das sondagens portuguesas.

Como correram as coisas nesta 1ª volta de 2010? Vejamos as últimas sondagens que julgo terem sido publicadas antes da eleição (votos válidos):

Datafolha (1 e 2 de Outubro): Dilma, 50%; Serra, 31%; Marina, 17%.
IBOPE (27 de Setembro): Dilma, 51%; Serra, 31%; Marina, 17%.
Sensus (28 Setembro): Dilma, 54,7%; Serra, 29,5%; Marina, 13,3%.

Isto corresponde a uma média de desvios absolutos de 2,3 pontos para a Datafolha, 2,7 para o Ibope e 5,6 para a Sensus. Logo, para Ibope e Datafolha, valores muito próximos dos de 2006 (como sucede de resto para a Sensus, que já em 2006 tinha estado muito longe dos resultados finais).

Pelo que leio, há agitação no Brasil pelos "falhanços" das sondagens. Mas de um ponto de vista estritamente técnico, não vejo bem porquê. Os dois institutos mais prestigiados ambos apontaram para a impossibilidade de determinar se Dilma ganharia à 1ª volta. Ambas as sondagens sobrevalorizaram Dilma, mas em 2006 ambas tinham sobrevalorizado Lula, sendo de resto habitual que um candidato claramente favorito acabe por ter nas eleições resultados piores que nas sondagens (seja porque os seus apoiantes, tendo segurança de vitória, se desmobilizam ou votam noutros candidatos seja porque os apoiantes de outros candidatos se inibem de mostrar uma intenção "minoritária" aos inquiridores). Muito barulho por nada, aqui.

Já na sondagem à boca das urnas ("boca de urna", no Brasil), a coisa complica-se um pouco. Em princípio, uma boca de urna resolve dois problemas: primeiro, mede comportamentos de votantes, não intenções de potenciais votantes; segundo, tem menos problemas amostrais, porque não tem de encontrar as pessoas nos seus domicílios, mas apenas à saída do local de voto. Aqui, 51% para Dilma, como sucedeu na boca de urna do IBOPE, sugere problemas na selecção dos locais de voto, na capacidade para seleccionar uma boa amostra de eleitores ou em ajustar em relação a recusas. O último ponto costuma ser muito relevante. Recordem-se que, naturalmente, a recolha dos votos numa boca de urna continua a depender da colaboração voluntária de eleitores. E se houve recusas maiores da parte dos apoiantes de Serra ou Marina (e incapacidade das empresas para ajustar resultados a essas recusas), uma coisa destas pode suceder, mesmo numa boca de urna. Mas é só uma hipótese.

sábado, setembro 25, 2010

Marktest, 14-17 Setembro, N=804, Tel.

Presidenciais, intenções de voto:

Cavaco Silva: 70%
Manuel Alegre: 22%
Fernando Nobre: 4%
Francisco Lopes: 1%
Defensor de Moura: 0,2%

Aqui. A soma disto é 97,2%, mas pela notícia não consigo inferir o que representam os 2,8% em falta.

A diferença em relação à sondagem anterior é, claro, estrondosa. Esta pode ser um outlier, com futuras sondagens a regressarem a valores mais "normais". Mas pode suceder igualmente que este resultado indique falta de cristalização das ideias e intenções do eleitorado neste momento. Temos de esperar por mais estudos.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Eurosondagem, 15-21 Setembro, N=2062, Presencial

Após redistribuição de indecisos:
Cavaco Silva: 54,9%
Manuel Alegre: 33,0%
Fernando Nobre: 6,2%
Francisco Lopes:4,8%
Defensor de Moura:1,1%

Aqui.

Marktest, 14-17 Setembro, N=804, Tel.

Após redistribuição de indecisos e ajustamento de brancos e nulos ao valor da anterior eleição:
PSD: 38,0%
PS: 35,7%
CDS-PP: 6,7%
BE: 6,5%
CDU: 6,5%
OBN: 6,6%

Aqui. Desculpem desapontar-vos, mas tenho que dizer que, tendo em conta a dimensão das amostras e a margem de erro associada à diferença de proporções entre duas amostras independentes, estes resultados são exactamente iguais aos da sondagem anterior.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Aximage, 6-9 Setembro, N=600, Tel.

Presidenciais, intenção de voto:

Cavaco Silva: 58,1%
Manuel Alegre: 32,1%

A versão online da notícia não fornece mais elementos sobre outros reais ou possíveis candidatos. Na ERC, onde é suposto encontrarmos os depósitos das sondagens, com fichas técnicas e relatórios, a última sondagem disponível, no momento em que consulto, é de 5 de Agosto. Estou por isso a presumir que esta sondagem é a mesma que esta, tendo as mesmas características técnicas. Mas vá-se lá saber.

A última sondagem da Aximage que conheço sobre o tema é esta, de Julho. Encontrava intenções de voto de 55,3% em Cavaco Silva, 26,9% em Manuel Alegre, 11,6% em Fernando Nobre e 6,2% em Jerónimo de Sousa. A soma disto dá 100%, pelo que presumo que estávamos a falar só de pessoas que afirmaram que iriam votar e diziam saber em quem.

Os resultados da sondagem mais recente, caso acabassem por ser os resultados das eleições - coisa que ninguém está a pretender dizer - significariam que:

- Cavaco Silva teria uma percentagem de votos superior à que Jorge Sampaio teve em 2001;
- Manuel Alegre conseguiria praticamente ter a mesma percentagem de votos que ele próprio e Mário Soares tiveram, somados, em 2006.

sexta-feira, setembro 10, 2010

Eurosondagem, 1-7 Set, N=1035, Tel.

Após redistribuição de indecisos:
PS: 36%
PSD: 35,8%
CDS-PP: 8,4%
CDU: 7,7%
BE: 7,1%

Aqui. Estatisticamente, os resultados desta sondagem são exactamente iguais aos da anterior. Outra coisa que importa notar é que, na Eurosondagem, o PSD nunca chegou a ter uma vantagem tão grande sobre o PS como noutros estudos (o máximo foi em Julho, 2,5 pontos percentuais). Mas juntando estes resultados aos da Marktest, começa a ganhar credibilidade a noção de que a vantagem de que o PSD terá tido sobre o PS após a eleição de PPC terá diminuído (ou desaparecido) desde então, e que uma derrota do PS numa eleição neste momento não poderia ser dada como adquirida.

(Atrasada): Eurosondagem, 28 Jul-Ago, N=1031, Tel.

Após redistribuição de indecisos:
PSD: 36%
PS: 35%
CDS-PP: 9%
CDU: 8%
BE: 7,2%

Aqui.

quinta-feira, setembro 09, 2010

Previsões para as Midterm elections

Os leitores habituais sabem que sou um "sucker for forecasts". De tal maneira que até me abalancei a fazer, com o LA-C, uma sobre Portugal (que, num certo sentido, não correu nada mal). Há dias, estive no painel da APSA onde se apresentaram as previsões para as próximas eleições no Congresso americano. Aqui encontram um óptimo resumo daquilo a que assisti. Resumindo ainda mais, três prevêm controlo Republicano, enquanto duas antecipam controlo Democrata (e uma mais recente junta-se àquelas que antecipam controlo Republicano).

Convém lembrar, contudo, a história contada por Gary Jacobson, o comentador no painel. Antes das eleições de 2006, Jacobson estimou cinco modelos diferentes, com pressuposições e variáveis diferentes, todos eles com bons indicadores de ajustamento aos dados e capacidade de "previsão" de resultados passados. Resultaram daqui cinco previsões bastante diferentes para 2006. Jacobson escreveu cada um dos modelos e dos resultados previstos em cinco folhas de papel diferentes, e seguiu para um jantar/ceia com amigos na noite eleitoral. Obtidos os resultados, tirou um dos cinco papéis do bolso e disse "Vêem, acertei!". Pelo que estas coisas devem ser tomadas, digamos assim, cum grano salis.

sexta-feira, julho 30, 2010

Marktest, 20-26 Julho, N=802, Tel.

Resultados após redistribuição de indecisos:

PSD: 37,3%
PS: 33,3%
BE: 8,5%
CDS-PP: 7,5%
CDU: 6,8%

Aqui.

Uma das interpretações possíveis é que começamos a sentir os resultados da posição do PSD na golden share e da proposta de revisão constitucional. Outra hipótese, claro, é que 47,7% para o PSD e 24,1% para o PS nunca passou de um mero outlier. A primeira interpretação é plausível. Mas a segunda é quase certa: só de pessoas que se identificam explicitamente com o PS em inquéritos pós-eleitorais, face-a-face, e com grandes amostras, temos consistentemente entre 17 e 20% da totalidade dos eleitores em 2002, 2005 e 2009. 24% dos votos válidos nunca podia ser, não é assim?

quarta-feira, julho 28, 2010

Euroexpansão, 8-11 Julho, N=1504, Tel.

Antes de redistribuição de indecisos:
PSD: 26,7%
PS: 20,6%
BE: 4,3%
CDU: 4,1%
CDS: 2,5%
Outro: 0,7%
Branco/nulo: 6,2%
Não votava: 12,1%
Votaria, mas não sabe em que partido: 22,1%
Não responde: 0,8%

Após redistribuição de indecisos:
PSD: 41%
PS: 31,7%
BE: 6,5%
CDU: 6,3%
CDS-PP: 3,8%
Outro: 1,1%
Branco/nulo: 9,5%

Sondagem inclui também uma questão sobre presidenciais, mas inclui Jerónimo de Sousa no menu e não inclui Defensor de Moura. Dá 51,1% a Cavaco Silva, mesmo antes da redistribuição de indecisos.

Intercampus, 16-20 Julho, N= 603, Tel.

Após redistribuição de indecisos:

PSD: 39,2%
PS: 34,4%
CDU: 9,5%
BE: 9%
CDS-PP:5,9%

Sondagem incluiu também questão sobre intenção de voto nas presidenciais:
Cavaco Silva: 59,4%
Manuel Alegre: 26,8%
Fernando Nobre: 9,1%
Defensor de Moura: 2,9%

Tudo aqui e aqui.

terça-feira, julho 20, 2010

Adenda

Para vocês dois ou três que ainda não estão completamente saciados sobre o assunto, última coisa. Em 1982, uma das alterações feitas na I revisão constitucional consistiu em mudar o artigo 193º, onde se dizia "O Governo é politicamente responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República", substituindo essa formulação por "O Governo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República." Depois, no art. 194º (agora 191º) onde se fala da responsabilidade "política" e "politicamente responsáveis", tirou-se o "política" e o "politicamente". Finalmente, o 198º (agora 195º) passou a ter um nº 2 onde se passou a dizer "o Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado".

Vasco Campilho, num texto recente, defende que, na actual formulação, "o Presidente já pode demitir livremente o Governo". Como o PR "é responsável por aferir se a demissão do Governo é necessária para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas", resulta daqui que retirar a expressão "quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado" não passa de um "ajuste semântico". Espero não violar o pensamento do Vasco se disser que devemos concluir também que, neste domínio, a revisão de 1982 também não passou, afinal, de outro "ajuste semântico".

É uma questão curiosa, sobre a qual tenho poucas certezas. Em rigor acho que só tenho uma: ninguém concorda com o Vasco. Quando digo "ninguém" não me refiro a analistas, constitucionalistas ou investigadores vários. Refiro-se sim aos actores políticos. O PS e o PSD, quando aprovaram a mudança em 1982, não acharam que estavam a fazer mera cosmética. Eanes, que se sentiu profundamente traído por esta revisão, também não achou. Os vários presidentes desde 1982 nunca recorreram a este expediente, e sempre que falaram sobre o assunto foi para afirmar que, desde 1982, o PR não pode demitir um governo pelas mesmas razões que o podia fazer antes de 1982. O PSD também não acredita que se trate de um mero ajuste semântico: caso contrário, não o proporia alegando que assim se equilibram melhor os poderes do presidente. E os restantes partidos também não acreditam nisso: caso contrário, não se oporiam à proposta do PSD.

Por que será que todos acreditam que essas palavras - "só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas" - mudam realmente as coisas? Sou sensível, claro, a uma ideia do Vasco: o facto de este poder presidencial não ter sido usado desde 1982 não quer dizer que não exista. O que não houve foram circunstâncias que o tornassem usável. Mas já acho muito difícil acreditar que essa é a única razão que faz com que não tenha sido usado. O Presidente tem sempre de justificar os seus actos perante os eleitores e os outros agentes políticos. Há centenas, milhares de pessoas, dispostas a escalpelizar a palavra do Presidente, as suas razões, e os seus argumentos. A capacidade de impôr uma boa narrativa pode aumentar a sua legitimidade política, e a incapacidade de o fazer pode miná-la. Isso pode valer uma reeleição ou, se estiver no segundo mandato, o sucesso eleitoral dos partidos da sua área política ou, simplesmente, um "bom lugar na história". Se isto não fosse assim, nenhum agente político usaria a palavra para persuadir seja quem for. Tudo se limitaria a decisões, os seus efeitos nos diversos interesses, e o resultado agregado de tudo isso no apoio eleitoral.

Daí que a resposta possa ser a mais simples de todas: legitimar política e publicamente a decisão de demitir o governo quando se tem de explicitamente invocar "o regular funcionamento das instituições democráticas" é mais difícil do que quando não se tem de o fazer. Ignorar o poder das palavras até pode parecer, de repente, uma abordagem mais "realista" da política. Mas, provavelmente, não é. Ora aqui vai uma citaçãozinha para terminar em beleza (mas o assunto é sério):

"[Discursive institutionalism] provides insight into an area of political action that political scientists have long neglected, largely because they could not account for it within the limits of their own methodological approaches. The result is that they have ignored some of the biggest questions in politics, the questions that political philosophers through the ages have puzzled over, such as the role of ideas in constituting political action, the power of persuasion in political debate, the centrality of deliberation for democratic legitimation, the construction and reconstruction of political interests and values, and the dynamics of change in history and culture. (...) To policy makers and politicians in particular, the very notion that one would need to make a plea for taking ideas and discourse seriously would appear ludicrous, because the very essence of what they do is to generate ideas about what should be done and then communicate them to the general public for discussion and deliberation."

Mas tenho, como disse, poucas certezas sobre isto.

A responsabilidade do governo perante o Presidente (3)

Julgo que o escrevi até agora sobre o tema tem algumas hipóteses de ser relativamente consensual, porque predominantemente factual. O que se segue será, certamente, menos. Cada um terá as suas ideias sobre o que constitui um funcionamento desejável das instituições políticas. E algumas das alegadas consequências de diferentes arranjos institucionais não se encontram provadas para além de qualquer dúvida. Mas o que acho é o que se segue:

1. Um dos principais problemas em conceder ao Presidente a capacidade de demitir livremente um governo é o de criar confusão sobre a atribuição do poder executivo. Se um Presidente demite um governo e promove uma solução alternativa - empossando um novo PM e um novo governo que sabem que poderão ser demitidos a qualquer momento - instala-se a pergunta óbvia. Quem manda? O novo PM ou, na verdade, o PR? E se entrarem em conflito, como se resolve? Nova demissão e novo PM? E quando é que isto acaba? Na dissolução, o end game é simples: os eleitores falam. Na demissão, o que se gera é ambiguidade sobre quem governa e um potencial de conflito que, como sugerem muitos exemplos, acaba muitas vezes em crises constitucionais, onde governos e presidentes recusam reconhecer a legitimidade de uns e outros.

2. Poder-se-ia dizer que, quando existe uma relação de responsabilidade política do PM em relação ao PR, a possibilidade de conflito será baixa. Mas os exemplos mostram, mais uma vez, que não é assim. Nos sistemas president-parliamentary, a enorme importância e poder do presidente, concedidos por este poder de demissão do governo, tornam o cargo especialmente apetecível para...um Primeiro Ministro em funções. Em países como a Ucrânia ou a Arménia, o cargo de PM foi muitas vezes  ser visto como um mero passo em direcção àquele onde poderá estar o verdadeiro poder de governar, a Presidência. O resultado? Mesmo entre Presidentes e PM's da mesma família política, a instalação de um conflito foi apenas uma questão de tempo. Oleh Protsyk explica isso muito bem numa série de artigos sobre o semipresidencialismo na Europa de Leste. Ver este, por exemplo.

3. Mesmo que não haja conflitos constitucionais graves, a confusão sobre onde está localizado o poder executivo é perniciosa do ponto de vista da responsabilização eleitoral. O nosso sistema já tem perversidades suficientes deste ponto de vista, permitindo a governos que - subtilmente ou não - coloquem as culpas dos seus fracassos na actuação dos presidentes. Mais ambiguidades sobre "quem manda" só pioram a situação. Quem governa mesmo? Quem deve ser punido ou recompensado pelo quê? Em situações de conflito, quem é o líder da oposição: o líder do maior partido da oposição parlamentar ou o Presidente? Estas confusões são más para a qualidade da responsabilização política, pelas oportunidades de blame-shifting que abrem.

 4. Um ponto adicional, relacionado com o anterior mas mais subtil - não é meu, deve ser por isso - que Joaquim Aguiar explicou muito bem neste livro. Um Presidente que pode demitir um governo tem, no sentido que temos vindo a analisar, mais poder. Mas noutro sentido tem menos. A citação é longa mas acho que vale a pena:

"Ao fazer desaparecer o poder constitucional que atribuía ao Presidente a obrigação (um poder-dever) de avaliar a sua confiança em relação ao primeiro-ministro, a revisão constitucional de 1982 libertou o Presidente da República para exercer sem restrições a sua função superior de regulador em última instância do poder político. Continuando a ser eleito por sufrágio directo, o que lhe assegura uma legitimidade própria, continuando a ter o poder de dissolução do Parlamento, o que lhe assegura a capacidade para determinar a periodização da agenda política, o Presidente da República ficou com a possibilidade de estabelecer uma diarquia estratégica efectiva, passou a dispor de um poder realmente separado, deixou de estar comprometido pelo apoio ao primeiro-ministro - e é isso que lhe oferece a potência superior da regulação em última instância. (...) O Presidente da República pode exercer esse poder de regulação ou não, mas qualquer que seja a sua escolha, essa é uma opção livre, não está condicionada pelo constrangimento da anterior relação de confiança que tinha de estabelecer com o primeiro-ministro. Por sua vez, o primeiro-ministro deixou de poder invocar, em sua defesa, a confiança do Presidente da República, o que lhe permitia apropriar a legitimidade presidencial para justificar as suas opções no exercício do poder executivo" (p. 170).

Dito de outra forma, um Presidente que pode efectivar a responsabilização política do governo transforma-se num líder de facção: da facção dos partidos da oposição ou da facção do partido do governo. Um líder de facção não tem legitimidade para regular seja o que for. É um actor político como os outros. Isto parte do princípio que, se queremos um presidente eleito em Belém, preferimos que esse presidente seja um "regulador". Eu prefiro, mas admito que haja outras preferências.

5. Finalmente, em sistemas onde o PR pode demitir o PM, os segundos não são escolhidos da mesma forma do que nos sistemas onde isso é impossível. Quando ao PR cabe apenas escolher o PM mas não o pode demitir, cabendo esse poder exclusivamente ao parlamento, é natural que a escolha reflicta mais as preferências do parlamento eleito. Quando pode nomear e demitir, o PR tem mais condições para se afastar das preferências do parlamento. Discutido, explicado e provado aqui.

Imagino que haja outros argumentos contra a ideia proposta pelo PSD, mas estes são os que mais me interessam. Imagino também que haja argumentos contra os meus, e gostava de os conhecer. O que certamente não serve é a argumentação de Pedro Passos Coelho ou Paulo Teixeira Pinto. Inicialmente, veio a ideia de que, se se pode dissolver livremente a Assembleia, então o "equilíbrio" exige que se possa também demitir livremente o governo (ver aqui e aqui), como se estivéssemos a falar de engenharia hidráulica. Espero que tenha ficado óbvio que os dois poderes não são equivalentes, e que não há razão nenhuma para que estejam "equilibrados". E agora, para maior espanto, transparece numa notícia do jornal i que a ideia é "a Assembleia só pode ser dissolvida se estiver 'em causa o regular funcionamento das instituições'. Eu espero que isto não seja verdade. Primeiro, lá se vai a metáfora do equilíbrio. Segundo, limita-se o "bom" poder presidencial (aquele em que ele está politicamente constrangido pelas preferências dos eleitores) e amplia-se o "mau" (aquele em que não está). Que grande confusão. E tão desnecessário, tudo isto.

Interlúdio

Um interlúdio nesta discussão sobre a responsabilidade do governo perante o Presidente para saudar uma das ideias contidas no projecto de revisão constitucional do PSD. Segundo o jornal i, o projecto prevê que deixe de haver um número mínimo de votantes para que um referendo seja vinculativo, o que, suponho, significará a eliminação do nº 11 do artigo 115º.

A confirmar-se, é uma óptima proposta. Acolhe as recomendações da Comissão de Veneza a este respeito e os resultados da investigação internacional sobre o tema, para a qual - não vale a pena ser demasiado modesto - a academia portuguesa deu contribuição não irrelevante (aqui, aqui e aqui). Ao contrário do que sucede com outras ideias no projecto do PSD, não há razão para que esta não consiga suscitar algum consenso. No caso dos poderes do Presidente, é fácil atribuir ao PSD - justamente ou não - motivações muito "egoístas", ditadas pelo facto de o actual Presidente ser da sua área política. Mas neste caso, todos os referendos realizados falharam o quórum de participação, e em todos eles o PSD estava do lado do statu quo. Chapeau!

segunda-feira, julho 19, 2010

A responsabilidade do governo perante o Presidente (2)

Vamos então supor que estamos perante um sistema de governo semipresidencial, onde há um chefe de estado eleito popularmente que coexiste com um chefe de governo responsável perante um parlamento (a definição é de Elgie, aqui, onde problematiza outras definições). E vamos também supor que não estamos a falar de situações especiais em que o chefe de estado, pelo facto de chefiar o partido com maioria no parlamento, se torna de facto no chefe de governo, situação essa que, como Duverger explicou há muito tempo, transforma o França num caso peculiar de semipresidencialismo. Partindo daqui, por que razão é o poder de demitir o Primeiro-Ministro tão importante, pelo menos suficientemente importante para ajudar a distinguir entre dois sub-tipos diferentes de semipresidencialismo? Alguns argumentos:

1. Quando um Presidente não pode demitir um Primeiro-Ministro, a única forma que tem de pôr directamente fim a um governo, de forma inapelável, é dissolvendo o parlamento. Note-se que nem todos os regimes semipresidenciais permitem ao Presidente que dissolva o parlamento: há regimes semipresidenciais em que o chefe de estado não pode nem demitir o governo nem dissolver o parlamento. Mas há muitos que o permitem. Note-se, contudo, que quando isso sucede, o resultado imediato é a realização de eleições. Pelo contrário, um chefe de estado que tem o poder de demitir o governo não está obrigado a convocar eleições: pode nomear o novo Primeiro-Ministro e apurar se esse PM pode formar um governo sem ter de recorrer a eleições. No nosso caso, nem seria preciso investidura, ou seja, nem seria preciso que o novo PM tivesse apoio explícito de uma maioria. Bastaria que o seu programa não fosse rejeitado por uma maioria.

2. Isto tem uma implicação fundamental: num sistema premier-presidential, o uso da dissolução por parte de um Presidente para pôr fim a uma solução de governo que rejeita está politicamente condicionado (para além de outros condicionamentos jurídicos que envolvem prazos, etc). É simples perceber porquê: um presidente que rejeite uma solução de governo e que depois é reconfirmada nas urnas é um presidente desautorizado, deslegitimado, enfraquecido e colocado numa situação extremamente difícil. Em Portugal, os presidentes, a partir de 1982, evitaram sempre colocar-se nessa situação. Quando Eanes dissolveu a Assembleia em 1983, as eleições não lhe devolveram uma maioria de direita, mas sim o PS como partido mais votado. Quando Soares dissolveu o parlamento, as urnas não lhe devolveram o governo PS/PRD que parte do PS ambicionava e Soares rejeitava, mas sim uma maioria absoluta do PSD. E quando Sampaio dissolveu a Assembleia perante o governo PSD/CDS, as eleições devolveram-lhe uma maioria absoluta do PS. Isto não significa que não possa haver erros de cálculo, mas os incentivos estão lá todos para que o Presidente, ao usar a dissolução para impedir uma solução de governo com a qual discorda, tenha sempre de considerar a vontade popular e evite colocar-se contra essa vontade. E significa também que a ameaça da dissolução, apesar de servir como forma de um presidente constranger um governo, não é uma ameaça que possa ser usada levianamente: a maioria sabe que o Presidente vai tentar evitar que, através da dissolução, uma solução de governo que rejeita lhe seja devolvida de seguida após eleições. E os eleitores permanecem os últimos árbitros dos conflitos quando eles são levados até este ponto.

3. Um Presidente que possa demitir um governo sem recorrer a eleições não tem este tipo de constrangimento. Se rejeita um governo e/ou um primeiro-ministro, pode derrubá-lo e nomear outro sem eleições. A única coisa com que se tem de preocupar é com a possibilidade de obter apoio parlamentar e partidário para esse novo PM. Se o governo for maioritário, pode tentar substituir um PM de que não goste por outro PM do partido da maioria. Se o governo for minoritário ou de coligação, pode tentar substituir um PM de um partido ou de uma coligação por um PM de outro partido ou outra coligação. Em Portugal, poderia entreter-se a fazer tudo isto sem necessidade de uma investidura parlamentar. E sem eleições como consequência inevitável de derrubar um governo.

Logo, a diferença é importante. Um presidente que possa demitir livremente o PM pode prolongar a busca de soluções alternativas de governo sem recorrer a eleições e independentemente das preferências do eleitorado. E tem, claro, um poder maior no sistema, colocando qualquer governo sob a sombra do seu poder de demissão. Esta é a consequência mais imediata e mais central da diferença entre os dois sub-tipos de semipresidencialismo, parece-me. Podemos gostar ou não. Mas há "consequências das consequências". Vamos olhar para elas de seguida.

domingo, julho 18, 2010

A responsabilidade do governo perante o Presidente (1)

O debate lançado por esta entrevista de Pedro Passos Coelho é para mim, receio, completamente irresistível. Escrevo "receio" porque é absolutamente evidente que isto não vai dar em nada e que esta sequência de "ideias para o país" que vem emanando há semanas do projecto de revisão constitucional do PSD se arrisca a resultar num festival pirotécnico de discussões completamente inúteis (até da Monarquia já se falou, minha nossa, e sobre a anterior "grande ideia" já escrevi aqui). Ainda por cima - e agora vou escrever uma banalidade atroz - parece-me que andamos a milhas daquilo que valeria a pena discutir na nossa situação económica, social e política, enfim, o costume. Gostaria muito que tudo isto fosse diferente mas a verdade é que também gostaria muito ter uma casa de férias em Ravello e não é por isso que a coisa acontece.

Mas não resisto porque o tema dos poderes do presidente e do semi-presidencialismo sempre me interessou muito, e apesar de não estar no "núcleo duro" das minhas preocupações como investigador, já escrevi sobre ele uma ou outra coisa, na maioria dos casos tentando relacionar esse tema com esse tal core business (eleições e atitudes políticas).* Tenho tanta dificuldade em resistir ao tema que até já escrevi uns tweets sobre o assunto. Mas como foram citados aqui e ali, e como uns tweets nunca podem passar de meia-dúzida de "bocas" que, pela natureza da coisa, não se podem fundamentar devidamente, vou perder um pouco mais de tempo com o tema aqui no blogue.

A primeira coisa que queria dizer é que é mais ou menos consensual que o poder de demitir livremente o governo por parte do Presidente é um aspecto absolutamente central no semipresidencialismo (sistema de governo esse que se define, recorde-se, por ter um presidente eleito que coexiste com um primeiro ministro responsável perante o parlamento). Central neste sentido: é tão importante, mas tão importante, que ajuda a distinguir dois tipos diferentes de semipresidencialismo.  São aqueles a que Shugart e Carey chamaram, num livro já clássico de 1992, os sub-tipos premier-presidential e president-parliamentary. No primeiro, o presidente até pode ter poderes muito consideráveis no sistema, mas o governo é exclusivamente responsável perante o parlamento. No segundo, o governo é duplamente responsável, perante presidente e parlamento.

Se pesquisarem as duas expressões no Google Scholar, vão verificar que, desde o livro de Shugart e Carey, o termo "premier-presidential" já foi referenciado 352 vezes e o termo "president-parliamentary" 356. Por outras palavras, trata-se uma distinção perfeitamente consolidada e usada na literatura. Isto não quer dizer que seja consensual, e muito menos que esse consenso se alargue às as suas consequências. Mas sugere que a noção de que a dupla responsabilidade do governo perante presidente e parlamento é um aspecto crucial que ajuda a distinguir diferentes "semipresidencialismos" merece ser levada a sério.

Se o fizermos, ficamos a saber desde logo uma coisa: a maioria dos semipresidencialismos são "premier-presidential", como explica Shugart neste artigo. E antes de avançar muito mais, importa esclarecer desde já uma grande confusão. Há quem tenha falado, a propósito da proposta de Pedro Passos Coelho, do exemplo francês. Contudo, França não é um bom exemplo de um país onde o chefe de estado possa demitir o chefe de governo. Por duas razões:

1. Em França, formalmente e na Constituição, o Presidente não está autorizado a demitir o Primeiro Ministro.

2. Claro que, quem saiba algo da poda e tenha lido o ponto anterior pode responder imediatamente que se trata de um mero formalismo e arranjar muitos exemplos de presidentes franceses que tenham corrido com primeiros-ministros. Óbvio. Pompidou forçou a demissão de Chaban-Delmas sem precisar de o demitir (como também o próprio Pompidou já tinha sido corrido por De Gaulle, e tal como Chirac foi trocado por Barre em 1976, por exemplo). Mas importa não perder de vista o fundamental: isto não significa que o chefe de estado possa demitir o chefe de governo em França. Pelo simples facto de que, na história da V República, sempre que o partido da maioria é o partido do Presidente, o Presidente é que é o verdadeiro chefe de governo, não o Primeiro Ministro. Logo, seja formal, seja substantivamente, não é verdade que, em França, o chefe de estado possa demitir o chefe de governo. Nuns casos - coabitação - não pode mesmo. Noutros - confluência - só podia demitir o chefe de governo se se demitisse... a si próprio.

Se se gostaria que em Portugal o governo fosse chefiado de Belém é outro assunto bastante diferente, sobre o qual não me pronucio. Mas convém não confundir as coisas: o que se propõe agora para Portugal é que um chefe de estado eleito mas que não é chefe do governo possa demitir o chefe de governo sem qualquer constrangimento. "O Governo devia depender da confiança do Parlamento e do Presidente da República." Onde é que isto existe? E que consequências poderá ter? É o que veremos nos próximos dias.
 
*Para os mais curiosos, isto, isto e um capítulo aqui

P.S.- O ponto de Vasco Campilho - o de que, afinal, o governo já é responsável perante o Presidente na actual Constituição - é interessante e prometo que lá irei. Notem, contudo, que há uma ironia nisto: se Vasco Campilho tiver razão, e se o Presidente já pode demitir livremente o governo, então não se percebe qual a mudança que o PSD quererá então introduzir na Constituição. Isto, claro, seria suficiente para perceber que o Vasco não tem razão. Mas lá irei.

sexta-feira, julho 09, 2010

Eurosondagem, 1-6 Julho, N=1035, Tel.

Intenção de voto após redistribuição de indecisos:
PSD: 36,2%
PS: 33,7%
CDS-PP: 9,6%
CDU: 8%
BE: 7,7%

Aqui. E 64% declaram concordar com o veto do governo à aquisição da Vivo pela Telefónica, enquanto apenas 20,9% discordam.

quinta-feira, julho 01, 2010

Fraude em sondagens nos Estados Unidos?

Uma empresa americana de sondagens, a Research 2000, vem sendo acusada de ter falseado resultados, no seguimento de uma análise de Nate Silver que classificou as suas sondagens como sendo das menos precisas e, muito mais grave, de um relatório feito por vários especialistas que estranharam várias propriedades dos resultados da empresa. O assunto já está nas mãos de advogados. Um dos clientes - o famoso DailyKos - vai processar a empresa.

Quais os sinais suspeitos identificados pelos analistas? Dois deles são muito curiosos. Um é a ausência de "ruído" nos dados. Ou seja, em muitas sondagens consecutivas, em sub-amostras relativamente pequenas (em que a margem de erro amostral é alta), as distribuições exibiam insuficiente variância em relação àquilo que seria de esperar. Outro é o pequeno número de casos em que a mudança na taxa de aprovação de Obama, para a totalidade da amostra e em sondagens feitas de uma semana para a outra, foi zero. Há insuficientes casos de estabilidade em relação ao que seria de esperar como consequência do erro amostral.

O que torna isto curioso é o facto destes "defeitos" dos resultados poderem parecer, numa visão mais superficial, virtudes. Afinal, quem acredita numa empresa de sondagens que, num mês, diz que há 25% de jovens entre os 18 e os 25 anos que votariam num partido, e no mês seguinte diz que há 50%? E de certeza que é impossível que o mesmo partido apareça com 36% dos votos em dois meses seguidos, com tantas coisas interessantíssimas que apareceram nos jornais entretanto, não é? Mas é precisamente a ocorrência de "defeitos" como estes que permitem dizer que há um processo genuíno de geração dos dados. Ao invés, dados excessivamente "bem comportados" - sugerindo mudanças quando elas são "supostas" aparecer ou, pelo contrário, exibindo excessiva estabilidade - sugerem fraude.

Alex Bellos (autor de um livro maravilhoso sobre o futebol no Brasil) escreveu há pouco tempo um livro de divulgação científica sobre Matemática onde está um bom exemplo para percebermos estas coisas. Imaginem que dão uma moeda a uma pessoa e lhe pedem que vá tirando "cara ou coroa" 30 vezes, anotando os resultados que vão saindo. E que pedem a outra pessoa que imagine que está a deitar uma moeda ao ar 30 vezes, anotando também os resultados. Se Cara for representada por H e Coroa representada por T, as duas listas poderiam ser assim:

Lista 1:
H T T H T H T T T H H T H H T H H H H T H T T H T H T T H H

Lista 2:
T T H H T T T T T H H T T T H T T H T H H H H T H H T H T H

Qual delas é a lista que foi gerada atirando uma moeda ao ar, e qual a que foi "imaginada"?

terça-feira, junho 29, 2010

Marktest, 15-20 Jun, N=804, Tel.

Intenções de voto após redistribuição de indecisos (e correcção de brancos e nulos):
PSD: 47,7%
PS: 24,1%
BE: 8,9%
CDS-PP: 6,9%
CDU: 6%

Intenções de voto antes de redistribuição de indecisos:
PSD: 24,5%
PS: 12,4%
BE: 4,6%
CDS-PP: 3,5%
CDU:3,1%
OBN: 6,1%
Não voto: 4%
NS/NR: 41,8%

Tudo daqui.

Como é óbvio, as sondagens recentes têm algumas coisas em comum mas também enormes discrepâncias. Olhando para as últimas sondagens de cada instituto, os resultados das intenções de voto para cada partido oscilam entre valores bastante distantes uns dos outros:

PSD: 33,9% (Aximage) / 47,7% (Marktest) - média: 38,4%
PS: 24,1% (Marktest) / 34,8% (Eurosondagem) - média: 31,4%
CDU: 6% (Marktest) / 10,6% (Aximage) - média: 8,5%
BE: 6% (CESOP) / 10,4% (Aximage) - média: 8,3%
CDS-PP: 6% (CESOP) / 10,1% (Eurosondagem) - média: 7,7%

Se obtivermos a margem de erro (a 95%) para a diferença entre amostras independentes (ver aqui, por exemplo, como fazer), rapidamente concluímos que estas diferenças são superiores ao que seria autorizado por mero erro aleatório amostral.

segunda-feira, junho 28, 2010

CESOP, 19-21 Jun, N=1179, Presencial

Intenções de voto após redistribuição de indecisos:
PSD: 37%
PS: 34%
CDU: 10%
CDS-PP: 6%
BE: 6%
OBN: 7%

Em relação ao total da amostra, a distribuição é a seguinte:

PSD: 17%
PS:16%
CDU:5%
CDS-PP: 2%
BE: 3%
OBN:5%
Não votava:22%
Não sabe: 21%
Recusa responder: 8%

Apesar de a diferença entre PSD e PS não ser estatisticamente significativa a 95% nesta sondagem e com esta sub-amostra, creio que se pode dizer com segurança que a conjunção destes resultados com as sondagens de outros institutos, usando outros métodos, serve como confirmação definitiva de que, neste momento, há mais intenções de voto no PSD do que no PS.

A notícia está aqui. Saiu há dias uma outra sondagem, da Marktest, que reportarei quando estiverem os dados completos aqui.

quarta-feira, junho 16, 2010

Mr. Smoother

O que se segue foi explicado aqui. Basta-me aqui dizer que actualizei os dados incluindo todas as sondagens até à mais recentemente divulgada (esta).



















Resultam daqui várias observações:

1. Não parece que a eleição de Pedro Passos Coelho tenha exclusiva responsabilidade na subida do PSD e na descida do PS. Ambas as tendências precedem essa eleição. Não é especialmente surpreeendente. Em Fevereiro começaram a ser publicadas as escutas da "Face Oculta" no Sol, depois vem o 1º PEC, depois em Março a Fitch corta o rating da dívida,  segue-se o 2º PEC, etc, etc, etc.

2. BE e CDU não parecem capitalizar com a queda do PS.

3. Quem sofre à conta da subida do PSD é o CDS-PP. Mas até aqui se podem misturar outras coisas para além da eleição de Passos Coelho, tais como a velha história dos submarinos, que começou a ganhar novos contornos políticos em Março passado e promete azedar ainda mais.

segunda-feira, junho 14, 2010

Aximage, 7 Jun., N=600, Tel.

Intenções de voto (entre parêntesis, resultado após redistribuição proporcional de indecisos):
PSD: 31,6% (33,9%)
PS: 30,5% (32,8%)
CDU: 9,9% (10,6%)
BE: 9,7% (10,4%)
CDS-PP: 7,4% (7,9%)
OBN: 4% (4,3%)
Indecisos: 6,9%

Notícia aqui. Outros resultados:

1. Passos Coelho recebe mais preferências para governar do que José Sócrates;
2. Decisão de PR sobre "casamentos gay"divide eleitorado em duas partes iguais;
3. Cavaco Silva tem mais de 50% de intenções de voto numa primeira volta.

Eurosondagem, 8 Jun., N=1025, Tel.

Intenções de voto após redistribuição de indecisos:
PSD: 34,9%
PS: 34,8%
CDS-PP: 10,1%
BE: 7,7%
CDU: 7,5%

Notícia aqui. Outros dados da sondagem:

1. Paulo Portas é o líder partidário em maior queda de popularidade;
2. Cavaco Silva cresce em popularidade e 67% acham que vai ser o próximo PR;
3. Avaliação da actuação concreta do PR da questão dos "casamentos gay" é maioritariamente positiva;
4. Mais de metade defendem fim da legislatura antes de 2013.

sexta-feira, maio 28, 2010

Hayek era mas é um grande comuna

Li há bocado um post onde se falava da predilecção de Pedro Passos Coelho por Friedrich August von Hayek e ocorreu-me partilhar isto convosco:

"We find it unquestionable that in an advanced society government ought to use its power of raising funds by taxation to provide a number of services which for various reasons cannot be provided, or cannot be provided adequately, by the market."

"(...) protection against violence, epidemics, or such natural forces as floods and avalanches, but also many of the amenities which make life in modern cities tolerable, most roads ... the provision of standards of measure, and of many kinds of information ranging from land registers, maps and statistics to the certification of the quality of some goods or services offered in the market."

"The assurance of a certain minimum income for everyone, or a sort of floor below which nobody need fall even when he is unable to provide for himself, appears not only to be a wholly legitimate protection against a risk common to all, but a necessary part of the Great Society in which the individual no longer has specific claims on the members of the particular small group into which he was born."

"On the other hand, it is merely common sense that government, as the biggest spender and investor whose activities cannot be guided wholly by profitability, and which for finance is in a great measure independent of the state of the capital market, should so far as practicable distribute its expenditure over time in such a manner that it will step in when private investment flags, and thereby employ resources for public investment at the least cost and and with the greatest benefit to society."

"Building regulations, pure food laws, the certification of certain professions, the restrictions on the sale of certain dangerous goods (such as arms, explosives, poisons and drugs), as well as some safety and health regulations for the process of production and the provision of such public institutions as theaters, sports grounds, etc., certainly assists intelligent choice and sometimes be indispensable for it."

"(...) there is some reason to believe that with the increase in general wealth and of the density of population, the share of all needs that can be satisfied only by collective action will continue to grow(...)"

"Such a program as has been described [Social Security] would involve some coercion, but only coercion intended to forestall greater coercion of the individual in the interests of others; and the argument for it rests as much on the desire of individuals to protect themselves against the consequences of the extreme misery of their fellows as on any wish to force individuals to provide more effectively for their own needs."

"(...) the situation is different where the aim is the provision of amenities of or opportunities for recreation, or the preservation of natural beauty or of historical sites or places of scientific interest, etc."

"In other words, it is the character rather than the volume of government activity that is important. A functioning market economy presupposes certain activities on the part of the state."

"Of course, in some respects, the state uses coercion to make us perform particular actions. The most important of these are taxation and the various compulsory services, especially in the armed forces. Though these are not supposed to be avoidable, they are at least predictable and are enforced irrespective of how the individual would otherwise employ his energies; this deprives them largely of the evil nature of coercion. If the known necessity of paying a certain amount in taxes becomes the basis of all my plans, if a period of military service is a foreseeable part of my career, then I can follow a general plan of life of my own making and am as independent of the will of another person as men have learned to be in society. "


I rest my case. Bom fim-de-semana e boas leituras.

P.S.- Muito útil este artiguinho.