quarta-feira, outubro 31, 2007

"Centro de Estudos da Universidade Católica"

Têm circulado muitas notícias sobre um trabalho realizado por um" Centro de Estudos da Universidade Católica" para o Instituto Nacional de Administração, que analisa percepções e opiniões de cidadãos com idades entre os 30 e os 39 anos residentes em Lisboa e no Porto e de dirigentes da administração pública sobre o serviço público. Para que não haja confusões, que fique claro que o Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica (CESOP), que dirijo, e de que normalmente se fala quando se trata de sondagens de opinião, não esteve envolvido neste trabalho. O "Centro de Estudos" mencionado pela comunicação social neste caso é outro, e o trabalho de recolha e análise de dados foi conduzido por um empresa chamada APEME (que por acaso conheço bastante bem).

terça-feira, outubro 30, 2007

"Why beautiful people have more daughters"

A propósito deste livro - mencionado no Blasfémias - onde se defende, entre outras coisas, "que a biologia humana teria evoluído no sentido de as pessoas mais atraentes gerarem mais filhas do que filhos" (ou que os homens com maiores níveis de rendimento têm mais sexo, ou que os engenheiros têm mais filhos que filhas), vale a pena vale a pena ler este post (e este artigo ou este). Há ideias tão irresistivelmente intrigantes que mesmo a sua falta de sustentação empírica não constitui obstáculo à sua propagação.

segunda-feira, outubro 29, 2007

O referendo europeu

O que eu acho sobre este assunto está hoje no Público e estará amanhã aqui. Mas não queria deixar de assinalar duas coisas:

1. A citação que mais circula do PM sobre este assunto é a seguinte: "a ratificação pelo Parlamento é tão válida quanto a ratificação por referendo". Mas queria chamar a atenção para o resto:

"Também compreendo todos os que acham que foi feita uma promessa por dois partidos de que haveria referendo, embora as condições sejam muito diferentes"

Ou seja:
a. Para o PM, ter havido ou não promessa é uma questão subjectiva ("os que acham que foi feita uma promessa");
b. O PM tem compreensão por essas pobres almas iludidas;
c. "As condições são muito diferentes".


2. Um quadro de um artigo de Russell Dalton e outros publicado no Journal of Democracy:



É muito curioso - e em rigor pouco surpreendente - que o apoio tenda a ser maior nos países que têm menos referendos do que nos países que os mais têm...

sexta-feira, outubro 26, 2007

Marktest, 16-19 Outubro

Comparar resultados de diferentes institutos de sondagens entre si é perigoso, tendo em conta todas as diferenças metodológicas, desde a amostragem, à formulação das perguntas e respostas possíveis, ao modo de inquirição, métodos diferentes de redistribuição de indecisos, etc. Mas há apesar de tudo boas notícias para quem gosta de ver resultados relativamente congruentes entre diferentes sondagens:

1. A descida no PS detectada desde Maio pela Católica é congruente com os resultados da Marktest. Desde Maio, a estimativa de resultados eleitorais para o PS na Marktest desceu de 47% para 37% (de 46% para 41% na Católica);

2. Igualmente congruente é o facto de Sócrates aparecer com um saldo negativo de 21 pontos no barómetro Marktest: 54% avaliam negativamente a sua actuação, enquanto 33% fazem-no positivamente. Este é o pior resultado de sempre para o PM no barómetro Marktest, rivalizando apenas com os resultados de Setembro de 2005. Para a Católica, a avaliação média de 0-20 pontos feita pelos eleitores de Sócrates (8,9 valores) na sondagem mais recente é também a pior de sempre.

3. Menezes aparece comparativamente bem colocado na sondagem da Católica, com uma avaliação média de 9,9 pontos em 20. Na sondagem Marktest, aparece com um saldo de 2% (quase tantas pessoas a fazerem uma avaliação negativa como as que fazem uma avaliação positiva). Mais parecido, apesar do uso de perguntas e escalas distintas, seria difícil.

E se foram verificar a hierarquia dos ministros verão que, apesar dos instrumentos de medida serem diferentes, as semelhanças são muito claras.

Nunca se sabe se até que ponto os resultados de uma sondagem concreta podem ser fruto do acaso, mas isto deixa-me muito mais descansado. E outra coisa que me descansa, no que respeita à popularidade do Primeiro Ministro, é que, pelos vistos, o mundo não é completamente imprevisível.

CESOP, 20-21 de Outubro

Os dados fundamentais da sondagem da Católica estão no JN. Destacaria dois resultados. O primeiro é uma má notícia para o governo; o segundo é uma má notícia para o PSD.

1. O declínio da popularidade do governo e do Primeiro Ministro e a descida do PS nas intenções de voto. Pela primeira vez nos estudos da Católica, Sócrates não é o líder partidário com melhor avaliação por parte dos eleitores. Piora a avaliação de todos os membros do governo desde o último estudo (Maio de 2007) - com a excepção de Luís Amado- e não há ministros que mereçam, na média dos eleitores que os dizem conhecer, uma avaliação positiva. Finalmente, o PS desce nas intenções de voto.

A minha interpretação do fenómeno é ligeiramente diferente daquela que é feita nas páginas do JN, onde se sugere que é a descida do PS que "arrastou José Sócrates na queda". É muito mais provável que estejamos a observar o fenómeno inverso. As intenções de voto são influenciadas por muitos factores de curto prazo, mas também por coisas que mudam pouco e devagar : simpatia partidária e posicionamento ideológico, por exemplo. Logo, sendo muito difícil estabelecer relações de causa e efeito e fenómenos como este e com este tipo de dados, é muito mais plausível que seja a degradação da imagem do governo e do Primeiro-Ministro que esteja a "arrastar o PS na queda" do que o inverso. De resto, a queda do PS, sendo real, é também mitigada, não só porque é sustida por predisposições de longo-prazo dos eleitores mas também pela percepção de que a oposição não se constitui (ainda?) como real alternativa.

2. Uma clara maioria deseja um referendo ao Tratado. Como imaginam, a minha surpresa é nula. O que não imaginava é que a diferença entre os núcleos duros dos eleitorados do PS e do PSD fosse tão clara. Enquanto que os simpatizantes do PSD se repartem da mesma forma que o eleitorado em geral, os simpatizantes do PS estão divididos.

Notem-se as implicações disto. Por um lado, se Sócrates optar contra o referendo, vai ter menos trabalho que Menezes a convencer o seu eleitorado da inconveniência da coisa. Por outro lado, se Sócrates decidir, afinal, ir para a frente com o referendo*, o PSD entra em curto-circuito: em vez de concordar com a posição do líder do partido, a maioria dos eleitores do PSD fica de acordo com a liderança do partido adversário. O que confirma, claro, a validade de uma das regras básicas na política e na vida: é sempre melhor ficar calado do que falar cedo demais.

*Mas note-se que, claro, quem "decide" não é Sócrates...

quarta-feira, outubro 24, 2007

Outlier: o essencial e o acessório

Verifico que há quem esteja disponível para defender James Watson, apesar do seu racismo, porque isso pelos vistos serve para atacar os perigosos excessos do "politicamente correcto". Verifico também que há quem tenha desenvolvido um inesperado apreço pelos gémeos Kaczynski, apesar de terem sido responsáveis por regulares atropelos a algumas regras bastante elementares da democracia no seu país, simplesmente porque isso dá jeito para atacar o défice democrático da União Europeia, os excessos do tratado, a eurocracia e mais não sei o quê. E estes são os casos mais recentes, mas não muito diferentes, por exemplo, dos admiradores do actual presidente da Venezuela cuja principal (para não dizer única) explicação para a sua condição de fãs é o facto do homem "mandar vir com o Bush" (para citar um taxista que me transportou há umas semanas atrás, que isto dos taxistas, afinal, é um bocado mais complicado do que eu imaginava).

Na maior parte dos casos, estas parvoíces são completamente inofensivas. Mas quando acontecem em grande escala podem ser verdadeiramente deprimentes. Julgo que a última vez que isso sucedeu foi quando muitas pessoas que eu pensava serem bastante decentes defenderam a administração Bush e a invasão do Iraque, muito para além do que a simples racionalidade ainda admitia, porque isso lhes era conveniente para atacar a "complacência com o terrorismo" e o "anti-americanismo primário" de meia-dúzia de esquerdistas avulsos. Subordinando assim o essencial - aquilo que nos une como pessoas decentes- ao acessório - a possibilidade de ganhar uns feijões na luta contra adversários políticos domésticos, muitos deles politica e socialmente irrelevantes e alguns deles pura e simplesmente imaginários. Mas eu quero crer que tudo não passa de uma espécie de tique. Eles sabem que é estúpido e até queriam parar, mas é mais forte que eles. Haja paciência.

terça-feira, outubro 23, 2007

Truthiness


Os números de Stephen Colbert, na primeira sondagem: menos de 1% nas primárias do Partido Republicano, mas 2,3% nas primárias do Partido Democrata, à frente de Bill Richardson, Dennis Kucinich e Mike Gravel. A brincar, a brincar...

segunda-feira, outubro 22, 2007

Polónia

Três boas notícias da Polónia, para o meu gosto, pelo menos:

1. A derrota do PiS, dos gémeos Kaczynski.

2. O aumento da participação eleitoral, de 40 para 55 por cento, o que terá ajudado à precisão das sondagens pré-eleitorais.

3. A exclusão do parlamento, através de uma cláusula-barreira de 5%, da "Liga das Famílias Polacas" (ultraconservador e nacionalista) e da "Auto-Defesa da República da Polónia" (proteccionista e isolacionista).

Não se sabe ainda se a Plataforma Cívica terá maioria absoluta ou se precisará de fazer uma coligação com o Partido Popular Polaco. E importa não esquecer que um dos Kaczynski continua a ser o Presidente da República. Vai ser um teste interessante para o semipresidencialismo polaco.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Contaminações

Antes de mais, para não fazermos de conta que há discussões bacteriologicamente puras:

1. Pessoalmente, gostaria que o tratado ontem acordado fosse referendado, como penso que já se depreendia do último parágrafo disto;
2. Se houver referendo, a minha inclinação (não definitiva) seria a de votar a favor da sua ratificação.

Agora a discussão: Pacheco Pereira (JPP) preferia que as sondagens sobre se o tratado ontem acordado deveria ou não ser submetido a referendo tivessem tido lugar antes do acordo de ontem. Segundo JPP - espero estar a interpretar correctamente - o facto do acordo ter sido obtido (e todo o folclore patrioteiro que temos visto) "inquina" os resultados, impedindo que possamos obter uma medida mais "limpa" das atitudes dos eleitores. Também segundo JPP, dizer-se que é preferível fazer a sondagem depois do tratado "existir" é um argumento falacioso, porque o tratado já "existe" há muito tempo nos seus aspectos fundamentais.

Ora bem:

1. Não duvido que o "facto consumado" venha a afectar os resultados. Mas o que queremos realmente saber da opinião pública portuguesa: aquilo que os portugueses desejavam antes do acordo ter sido conseguido, ou aquilo que desejam depois do acordo? Em rigor, quereríamos saber ambas as coisas, até para podermos medir o efeito da obtenção do acordo (e de todo o folclore, etc.). Mas não tendo sido possível mobilizar recursos financeiros para fazer duas vagas da sondagem (ou mesmo um painel, que teria sido o ideal), então acho que, se tivesse de escolher (e tive), é preferível depois. "Depois" é, afinal, a "realidade". É aquilo que se passou. É aquilo com que todos, oponentes e apoiantes do referendo, oponentes e apoiantes do tratado, temos de lidar daqui para frente.

2. Faço assim notar que a minha preferência pelo "depois" nada tem a ver com o conteúdo do tratado, desconhecido, antes e depois (pelo menos a curto prazo, e provavelmente a longo), da esmagadora maioria dos europeus. Defender o contrário seria, concordo, uma falácia, mas não é o conteúdo do tratado que interessa a este nível: é o seu significado político, do qual, para o bem e para o mal, faz parte o acordo obtido ontem em Lisboa.

3. Dito isto, estaremos cá para ver, mas não creio que vá fazer grande diferença fazer a sondagem antes ou imediatamente depois. Como quis fazer notar na primeira parte deste post, o apoio aos referendos é generalizado, certamente antes e provavelmente nos próximos dias. Mais interessante será saber como irão os eleitores reagir à discussão que se seguirá, e em particular às mensagens que vão receber dos líderes partidários sobre a conveniência ou inconveniência do referendo. Vai ser, aliás, um teste interessante à capacidade dos partidos para persuadirem os eleitores, caso se verifique que, na comparação entre as opiniões dos próximos dias e as opiniões das próximas semanas, existem diferenças significativas, e que esses diferenças estejam correlacionadas com coisas como a identificação partidária, por exemplo.

Ainda sobre referendos

1. Vale a pena ler, para quem tiver acesso à B-On, este artigo saído no mês passado, de Shawn Bowler, Todd Donovan e Jeffrey Karp, onde se mostra, entre outras coisas, como o apoio à democracia directa como forma de tomar decisões políticas é esmagador nas democracias industrializadas.


Mostra-se também no artigo como esse apoio não vem apenas das pessoas mais desencantadas com o funcionamento da democracia representativa. Ele vem ainda mais, simplesmente, da parte das pessoas que se interessam mais pela política e desejam mais oportunidades de participação, sem necessariamente exibirem maiores níveis de desconfiança em relação ao sistema político.
Logo, há determinadas interpretações que convém não fazer dos resultados desta sondagem. Não creio que haja uma predisposição especial para referendar o tratado hoje aprovado. O que há é um apoio generalizado ao instituto do referendo, para este tratado e tudo o resto. E não parece que haja um apoio ao referendo baseado na desconfiança em relação às elites políticas. O que há, pelo menos tanto como essa desconfiança, é vontade e interesse em participar. O problema é se as elites começam a dar a ideia de que "conspiram" para impedir essa participação....

2. Para fazer a vontade a Pacheco Pereira, a sondagem da Católica que vai para o campo neste fim de semana coloca a questão. Estou a brincar: o questionário estava preparado desde a semana passada. Quanto ao "inquinado", é relativo. O que é mais realista e com consequências para o futuro: saber se se deseja o referendo a um tratado antes ou depois dele existir?

quinta-feira, outubro 18, 2007

Referendo

Salvaguardando o facto de, quando questionados em sondagens, os eleitores de todos as democracias desejarem maioritariamente submeter todos os assuntos a referendos, isto não é, apesar de tudo, propriamente irrelevante:

Voters in five EU countries want treaty referendum - poll
LONDON (Thomson Financial) - A substantial majority of voters in five large European Union countries want a referendum on the bloc's new reform treaty, according to a poll published Thursday. The Financial Times/Harris survey showed that 70 pct of respondents in Britain, France, Germany, Italy and Spain wanted a vote on the new treaty, with 20 pct saying one was not necessary, with 10 pct unsure. It comes as EU leaders are set to kick off a two-day summit in Lisbon today, where they hope to reach agreement on a final draft of the treaty, which critics allege is essentially the same as the moribund constitution, which was torpedoed in 2005 by 'no' votes in France and the Netherlands. According to the poll, 76 pct of Germans, 75 pct of Britons, 72 pct of Italians, 65 pct of Spaniards and 63 pct of French wanted a referendum on the treaty.

As eleições na Polónia

As indicações existentes sobre o que pode vir a acontecer no próximo Domingo são muito contraditórias. Na sondagem PBS DGA conduzida no dia 11, o PiS dominava nas intenções de voto, com uma vantagem de 5 pontos. Mas cinco dias depois (dia 16), a Plataforma Cívica aparece com uma vantagem de 5 pontos sobre o PiS. Há quem ache que isto reflecte uma mudança real, devida a vitória de Donald Tusk no debate televisivo com Jaroslaw Kaczynski. Mas o problema, claro, é que, com uma abstenção que não deverá ser muito inferior aos 60%, a tradicional dificuldade das sondagens em distinguir votantes provaveis de votantes improváveis e abstencionistas produz grande volatilidade nas intenções de voto.

As consequências disto, contudo, já são visíveis. Kaczynski, que sexta-feira passada achava que a cimeira informal de Lisboa ia ser "um sucesso", já disse ontem que "não quer nada mais do que aquilo que são os direitos da Polónia" e que se as "exigências da Polónia" não forem satisfeitas o melhor será "adiar a discussão".

P.S. - Só agora é que reparei que os gémeos têm o mesmo apelido que este.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Ainda sobre a "nova Constituição" (2)

Subscrevendo isto, um ponto adicional. Há qualquer coisa de errado - não sei se comigo se com a agenda política portuguesa - quando os assuntos do dia se podem comentar todos com auto-citações de coisas antigas. Aqui vai mais uma, pedindo as vossas desculpas:

"Questions of institutional design have the extraordinary benefit — from the point of view of political elites — of dramatically increasing the asymmetry of information between voters and elites. They involve highly complex technical issues, thus reducing the size of the audience capable of understanding the implications of extant rules and proposed changes. The vagaries of the German and other mixed electoral systems, the implications of comparative semipresidentialism, the internal organization of parliament, the judiciary or the public prosecution, the modalities of judicial review of legislation – all these are all highly complex technical matters that promptly produce an irresistible urge on the part of common citizens to change to a different TV channel or — for those very few who do read political news in newspapers— skip to a different newspaper article. On the other hand, changing any of these institutional features requires the agreement of, at least, the two main political parties in parliament, since most of these rules are protected by supermajority procedures. This allows parties to easily shift blame for the inability to produce the proposed institutional reforms, pointing out the opponent’s devious (but publicly unverifiable) purposes behind advancing or refusing changes whose implications are understood, in reality, by virtually nobody.

Thus, by framing the (in)ability to achieve substantive political outcomes in terms of the (in)ability to change institutional variables, parties are able to reap important electoral advantages: citizens’ doubly lack the necessary knowledge to hold parties accountable, both because the fail to understand the implications of extant rules and their proposed changes and because they have enormous difficulties in assigning responsibility for those changes or the lack of them. All this, in my view, endangers neither the stability of democracy in Portugal nor its fundamental public legitimacy. However, it allows parties and governments to deviate attention from their policy failures, shifting it to domains where electoral accountability is made more difficult for citizens. It creates false and recurrently frustrated public expectations about the power of institutional changes to produce substantive political outcomes. And it contributes to reinforce the already large divide between the political agenda and the actual concerns of common citizens in Portugal. In other words, the permanent contestation around most aspects of the institutional framework of Portuguese democracy may constitute a threat to the quality of democratic rule. "


In: "The institutional framework of the transition to democracy in Portugal", in Marietta Minotos (org.), The transition to democracy in Spain, Portugal and Greece, thirty years after. Athens: Karamanlis Foundation, 2006.

terça-feira, outubro 16, 2007

Ainda sobre a "nova Constituição"

José Manuel Fernandes (de quem me considero amigo, para se perceber já que não há aqui maus fígados), no editorial de hoje no Público, acha que, apesar das sucessivas revisões, "muitos dos pontos da nossa Constituição são programáticos", dando como exemplo o facto de nela se estabelecer um"serviço nacional de saúde universal e geral (...) tendencialmente gratuito" ou "progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino", ou ainda que é direito das comissões de trabalhadores "exercer o controlo de gestão nas empresas". JMF critica estas disposições, afirmando que "uma Constituição deve estabelecer regras, não fins a atingir; deve "tratar sobretudo dos meios e não dos fins".

Não quero entrar na discussão - que domino mal - entre "direitos positivos" e "direitos negativos", sobre que normas são realmente "programáticas", ou sobre as vantagens e desvantagens da inclusão de direitos económicos e sociais numa Constituição. Nem espero ter grande sucesso a vender a minha posição, porventura demasiado "pós-moderna" para muitos gostos: a de que a distinção entre aquilo a que JMF chama "regras" (digamos, os direitos políticos liberais básicos, os direitos que servem como pré-condições para uma economia de mercado e as regras que regulam o funcionamento das instituições políticas) e aquilo a que chama "fins" (suponho, tudo o que tenha a ver com direitos económicos e sociais) é muito problemática. É uma distinção a-histórica, ignora que aquilo que é hoje descrito como "regra" foi historicamente (e em rigor continua a ser) um "fim", que nenhum direito é absoluto (incluindo os direitos cívicos) e que todos exigem acção do estado para serem implementados.

Não. Vou só perguntar o seguinte: como é que JMF consegue compatibilizar a sua argumentação com a última frase do editorial?

"Finalmente, por que não assumir que a geração de hoje não pode endividar-se pela geração de amanhã, limitando na lei fundamental os défices públicos a todos os níveis?"

Se estabelecer limites constitucionais ao défice não é "programático" ou um "fim", então já não sei falar português. Por que será assim tão difícil dizer-se que aquilo que se deseja é uma Constituição que favoreça a prossecução de determinados fins em vez de outros, em vez de fazermos de conta que umas regras são neutras e outras não? Assim é que era bonito para nos entendermos todos.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Mais outliers

1. Parece que o valor médio pago por In Rainbows, dos Radiohead, é oito dólares. Por esta altura, o total pago já deverá andar pelos 10 milhões de dólares. Um artigo de ontem no NYT comparando isto com a economia das gorjetas.

2. Mais um Nobel da economia para a teoria dos jogos, depois dos de 1994, 1996 e 2005.

3. É "verdade". Uma mania um bocado parva. A ver se me curo.

Outlier: Menezes e o TC

Menezes retoma uma das propostas que a magistratura judicial faz tradicionalmente desde 1982 sobre a jurisdição constitucional em Portugal:

Mais polémica poderá ser a sua proposta de extinguir o Tribunal Constitucional: "Um TC que é conhecido por resultados 7/6 ou 6/7 quando uma dada maioria parlamentar está em funções não prestigia aquilo que é a sua arquitectura".O presidente do PSD defende por isso uma "discussão nacional ampla" e defende que seja o Supremo Tribunal de Justiça "com magistrados profissionais" a "analisar de forma mais isenta a constitucionalidade das leis em Portugal".

O meu comentário, escrito há cinco anos:

"Na verdade, há democracias onde a fiscalização da constitucionalidade das leis, quando existe, é concedida exclusivamente aos tribunais comuns. Contudo, importa notar que esses supremos tribunais se parecem muito pouco com os nossos, sendo, em regra, escolhidos por órgãos políticos (tal como sucede com o Supremo Tribunal nos Estados Unidos). Logo, transferir os actuais poderes do TC para o STJ colocar-nos-ia numa posição absolutamente singular no panorama internacional. Ser-se original não é pecado. Mas cabe aos proponentes dessa ideia explicar por que razão deverá o enorme poder de contrariar a vontade das maiorias parlamentares ser concedido a juízes politicamente irresponsáveis e cujos méritos técnico-jurídicos nestas matérias estão longe de se poderem dar como adquiridos. Afinal, a opacidade do funcionamento interno do poder judicial em Portugal, a negligente aplicação de critérios de mérito na progressão na carreira e o permanente impedimento à entrada de não-juízes nos tribunais superiores são as melhores razões para que, ao contrário de José Marques Vidal, não possamos ver o Tribunal Constitucional como 'um luxo desnecessário'."

E estou um bocado desapontado: não se arranja uma brincadeira mais original para fazer com a Constituição? Que tal mudar o parlamento para Gaia e o TC para Ílhavo? Isso é que era giro.

terça-feira, outubro 09, 2007

Iowa

Já vimos aqui como tudo se encaminha para que Hillary seja a candidata do Partido Democrata. Mas vimos também como tudo pode mudar de repente: em 2004, Dean era o favorito, mas as vitórias de Kerry nas primárias de Iowa e New Hampshire mudaram tudo.

Como está então Hillary nestes dois estados cruciais? Bem, depende. Em New Hampshire, Clinton tem grande vantagem nas sondagens. Mas em Iowa, a coisa não é exactamente assim. Só desde Agosto começou a aparecer consistentemente em 1º lugar, e mesmo assim com uma vantagem reduzida. Acresce a isto que o "Iowa caucus" é muito diferente das outras primárias propriamente ditas (ver aqui para uma explicação), tornando as sondagens num indicador menos fiável do que pode suceder. Obama e Edwards estão em máxima mobilização no Hawkeye State: é a última oportunidade que têm para impedir o que parece inevitável.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Polónia, 4

Os gémeos descolam? Depois da incerteza e confusão nas sondagens mais recentes, há um primeiro sinal claro de que o PiS ganha vantagem:

Angus Reid Global Monitor - The governing Law and Justice Party (PiS) could remain the top political group in Poland after this month’s ballot, according to a poll by PBS DGA published in Gazeta Wyborcza. 36 per cent of respondents would support the conservative PiS in the election, up six points since mid-September.
The opposition Civic Platform (PO) is second with 31 per cent, followed by the Left and Democracy (LiD) coalition with 16 per cent, the Self-Defence of the Polish Republic (SRP) with six per cent, the Peasant’s Party (PSL) with five per cent, and the League of Polish Families (LPR) with three per cent. Under the country’s proportional representation system, a party must receive at least five per cent of the vote—and a coalition at least eight per cent—to elect members.

Brown e as eleições

Uma das discussões da semana foi a de saber se Gordon Brown iria ou não convocar eleições no Reino Unido, tendo em conta o que parecia ser um conjunto de sondagens vantajosas desde a saída de Blair mas um suposto "big turnaround" em favor dos Conservadores nos últimos dias.

A decisão é conhecida: não haverá eleições. É certo que os dados agregados não autorizam (ainda?) a ideia de um qualquer "big turnaround". Utilizando como fonte o arquivo de sondagens do excelente UK Polling Report, a aplicação de uma regressão local aos resultados sugere que as últimas sondagens estão longe de terem o peso suficiente para, de forma estatisticamente significativa, sugerirem uma inversão da tendência de subida dos Trabalhistas que se iniciou desde o abandono de Blair.

Contudo, eles lá saberão o que estão a fazer. A análise do que sucede nos círculos em concreto é potencialmente mais útil do que os resultados agregados a nível nacional: basta uma medida como a recentemente proposta pelos Conservadores, de eliminação parcial do imposto sucessório (particularmente atraente nos prósperos "shires"), para que as perdas dos Trabalhistas, em vez de se reflectirem uniformemente a nível nacional, se concentrem em círculos mais disputados e os façam perder esses círculos. De facto, parece que foi isso mesmo que sucedeu: a decisão de Brown terá sido influenciada por sondagens conduzida em círculos eleitorais particularmente disputados e vulneráveis. E se assim foi, foi uma jogada de mestre de David Cameron.