José Manuel Fernandes (de quem me considero amigo, para se perceber já que não há aqui maus fígados), no editorial de hoje no Público, acha que, apesar das sucessivas revisões, "muitos dos pontos da nossa Constituição são programáticos", dando como exemplo o facto de nela se estabelecer um"serviço nacional de saúde universal e geral (...) tendencialmente gratuito" ou "progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino", ou ainda que é direito das comissões de trabalhadores "exercer o controlo de gestão nas empresas". JMF critica estas disposições, afirmando que "uma Constituição deve estabelecer regras, não fins a atingir; deve "tratar sobretudo dos meios e não dos fins".
Não quero entrar na discussão - que domino mal - entre "direitos positivos" e "direitos negativos", sobre que normas são realmente "programáticas", ou sobre as vantagens e desvantagens da inclusão de direitos económicos e sociais numa Constituição. Nem espero ter grande sucesso a vender a minha posição, porventura demasiado "pós-moderna" para muitos gostos: a de que a distinção entre aquilo a que JMF chama "regras" (digamos, os direitos políticos liberais básicos, os direitos que servem como pré-condições para uma economia de mercado e as regras que regulam o funcionamento das instituições políticas) e aquilo a que chama "fins" (suponho, tudo o que tenha a ver com direitos económicos e sociais) é muito problemática. É uma distinção a-histórica, ignora que aquilo que é hoje descrito como "regra" foi historicamente (e em rigor continua a ser) um "fim", que nenhum direito é absoluto (incluindo os direitos cívicos) e que todos exigem acção do estado para serem implementados.
Não. Vou só perguntar o seguinte: como é que JMF consegue compatibilizar a sua argumentação com a última frase do editorial?
"Finalmente, por que não assumir que a geração de hoje não pode endividar-se pela geração de amanhã, limitando na lei fundamental os défices públicos a todos os níveis?"
Se estabelecer limites constitucionais ao défice não é "programático" ou um "fim", então já não sei falar português. Por que será assim tão difícil dizer-se que aquilo que se deseja é uma Constituição que favoreça a prossecução de determinados fins em vez de outros, em vez de fazermos de conta que umas regras são neutras e outras não? Assim é que era bonito para nos entendermos todos.
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