quinta-feira, maio 13, 2010

O eleitorado português: ideologia

Onde se posicionam ideologicamente os eleitores portugueses? E onde posicionam os partidos? Uma das maneiras como se costuma responder a essa pergunta é pedindo aos eleitores que usem uma escala, de 0 a 10, em que 0 significa "esquerda" e 10 "direita", seja para se posicionarem a si próprios seja para posicionarem os partidos. Como é óbvio, estamos perante uma simplificação enorme, e é possível imaginar imensas razões que poderiam fazer com que esta medida fosse pouco fiável e válida. Mas há muitos estudos que sugerem que as respostas a estas perguntas, seja a nível individual seja a nível agregado, parecem captar fenómenos relevantes - voto, posições sobre temas, factores históricos, sociais e culturais - com os quais esse posicionamente deveria estar teoricamente relacionado. Em Portugal, André Freire tem estudado muito esta questão.

Uma das maneiras de resumir as posições dos eleitores é mapear o "eleitor mediano", ou seja, a posição na escala que divide a amostra em duas partes. O gráfico seguinte mostra essa informação para 2002, 2005, e 2009, seja para o auto-posicionamento dos eleitores seja para a posição que atribuem aos partidos.















Várias coisas:

1. A posição do eleitor mediano tem-se mantido muito estável, como uma ligeira deslocação para a esquerda.
2. A percepção do posicionamento do PS mudou: da esquerda do eleitor mediano para a direita do eleitor mediano. Sem surpresas.
3. A percepção do posicionamento do PSD mudou de 2005 para 2009, para a direita, tornando-o indistinguível do CDS-PP. Sem surpresas, também, tendo em conta o discurso de Manuela Ferreira Leite, seja na economia seja nos "costumes".
4. A percepção do posicionamento da CDU e do BE mudou, de 2005 para 2009, aproximando-se do eleitor mediano. Aqui, surpreende-me mais, mas talvez o contexto seja tal que as posições da esquerda do PS pareçam hoje menos à esquerda que no passado.

Vejamos agora a mesma coisa, mas desta vez apenas para o eleitorado do "centro", ou seja, os eleitores que se posicionam nas posições 4, 5 e 6:















Não há grandes diferenças. O PS continua a ser o único partido que se encontra, para os eleitores centristas, dentro do seu "espaço ideológico". Acho que isto explica muito sobre a hegemonia do PS na política portuguesa nos últimos anos. Mas há outro aspecto interessante: para o eleitor centrista, PSD e CDS-PP tornaram-se indistinguíveis, estando este último mais próximo do centro do que no passado. E à esquerda há também uma aproximação.

Se calcularmos a distância absoluta média entre o auto-posicionamento dos eleitores e a forma como posicionam os partidos desde 2002, observamos o mesmo fenómeno de outra forma:





















O "eleitor médio" continua mais próximo do PSD e (especialmente) do PS do que de qualquer outro partido. Mas é impossível não ver a convergência: cada vez menos longe dos pequenos partidos, cada vez menos perto do PS e do PSD. O que observamos aqui pode ter relevância para uma tendência recente óbvia: quer em 2005 quer (especialmente) 2009, a soma das percentagens de votos de PS e PSD desceu em relação às eleições anteriores e foi, em 2009, a menor desde 1985.

E pode ter relevância também para os acontecimentos dos últimos dias. Daqui a meses ou anos, Pedro Passos Coelho pode vir a ser recordado pelo seu "sentido de estado". Mas também pode vir a ser reconhecido como aquele que comprometeu o PSD com as medidas de austeridade mais duras desde 1983, desperdiçando uma oportunidade de ouro para inverter de forma decisiva a hegemonia de um PS hoje totalmente desgastado, para se afastar da direita e para descolar do CDS-PP. Não discuto se teve alternativa ou se fez bem ou mal. Mas se vingar a segunda hipótese, os eleitores, incluindo os que se posicionam ao centro, parecem ter cada vez menos inibições ideológicas para abandonarem PS e PSD e prolongarem a tendência que vem desde 2002, reforçando ainda mais os pequenos partidos e a fragmentação do sistema partidário português.

1 comentário:

Anónimo disse...

A «fragmentação» é claramente positiva: imagine-se o PS com maioria.

As perguição fiscal a quem se levanta todos os dias para trabalhar, pôs a nu a faceta de Passos Coelho: um esquerdista, que prefere roubar os trabalhadores a tirar privilégios à função pública.