terça-feira, janeiro 11, 2005

Aximage, 10 Janeiro

Não há fome que não dê em fartura. Dois dias depois da sondagem do Expresso, saiu ontem (2ª feira) uma nova sondagem eleitoral no Correio da Manhã, pela Aximage, que até já mereceu comentário no Causa Nossa. Resultados apresentados:

PS: 45,6%
PSD:27,5%
CDU:6,6%
CDS: 6,6%
BE: 3,4%

Alguns comentários técnicos:

1. Escuso de me alongar muito sobre o que significa usar uma amostra de 600 inquiridos e apresentar resultados com casas decimais (ver post sobre sondagem anterior).

2. Qual é a margem de erro desta sondagem? Há duas respostas para esta pergunta:

a. A primeira resulta da ficha técnica: "desvio padrão máximo de 0,020". Entenderam? Não? Eu também não. Há anos que a Aximage apresenta esta informação na sua ficha técnica, e estou convencido que isto há-de querer dizer qualquer coisa de relevante que eu só não compreenderei por desconhecimento. Mas permitam-me que especule imodestamente que, se eu não sei o que isto é, deverá haver muita gente que também não sabe. Uma ficha técnica deve dar informação compreensível por quem quer saber mais sobre a sondagem, e não me parece que isto satisfaça essa condição.

b.Há uma segunda resposta possível, claro, para a questão sobre a margem de erro: não é possível calculá-la. Se não vejamos. A ficha técnica descreve o método de amostragem da seguinte forma: "aleatória estratificada por região, habitat, sexo, idade, actividade, instrução e voto legislativo". O que isto significa é que, na base de informação do INE, a amostra foi seleccionada de forma a que os indivíduos que a compõem se distribuam pelo território e em termos das suas características socio-demográficas e socio-políticas (sexo, idade, instrução, actividade e anterior comportamento eleitoral) de forma semelhante à população eleitoral em geral. Mas se isto foi assim, então a amostra não é aleatória. A partir do momento em que escolhemos quem inquirimos não na base de um método de selecção aleatório (por exemplo, a próxima pessoa fazer anos) mas sim na base de características individuais que se querem ver representadas na amostra numa determinada proporção, a amostra passa a ser por quotas. E a amostragem por quotas não tem margem de erro, ou melhor, tem uma margem de erro indeterminada, pelo simples facto de que o cálculo da margem de erro pressupõe aleatoriedade na selecção.

Não quero com isto criticar a amostragem por quotas, tema complicado e que merece grande debate. Nem estou a dizer que a margem de erro se pode calcular para todas as amostras que se dizem "aleatórias". Mas se a Aximage não quer dizer - com razão - a margem de erro, por que razão vem com a conversa do "desvio padrão"? E por que designa a sua amostra como "aleatória"? Admito, repito, que seja ignorância minha, mas por isso mesmo gostava um dia que me ajudassem a decifrar este mistério.

3. A soma dos resultados apresentados é 89,7%. O que são os 10,3% que faltam? Outros partidos? Votos brancos ou nulos? Inquiridos que dizem não saber em que partido votariam? Inquiridos que recusam responder à pergunta?

O Correio da Manhã escusa-se a fornecer-nos essa interessante informação. Depois de ter visto ontem os resultados na net, fui hoje de manhã comprar a edição de ontem do jornal só para me certificar. E confirma-se: não ficamos a saber como se distribuem os tais 10,3%.

Os efeitos disto do ponto de vista da interpretação substantiva dos resultados não são propriamente dramáticos. Se esse 10,3% fossem todos "outros, brancos ou nulos", o PS apareceria com 18% de vantagem sobre o PSD. Se fossem todos"indecisos", a sua redistribuição proporcional pelas restantes opções válidas de voto passaria essa vantagem para 21%. E devo dizer também que sei bem, por experiência própria, que entre a informação que os institutos de sondagens enviam aos jornais e aquilo que acaba por ser publicado há, por vezes, algumas falhas.
Mas espero que se começe a perceber uma das coisas mais preocupantes no panorama das sondagens em Portugal: os standards adoptados para a divulgação dos resultados são, em geral, pura e simplesmente miseráveis. Se não acreditam, vejam como deveria ser.

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