António José Seguro fala de uma "crise de regime". Do ponto de vista de quem estuda a política através das opiniões e percepções dos eleitores (que certamente não é o único ponto de vista possível), este tipo de coisas é mensurável. Um primeiro indicador utilizado mede o "grau de satisfação" dos portugueses com o funcionamento do regime. A fonte com mais observações é o Eurobarómetro, que pergunta desde 1985 a amostras representativas da população se "De uma maneira geral, está muito satisfeito,
bastante satisfeito, não muito satisfeito ou nada satisfeito com o
funcionamento da democracia?" As opções de resposta vão de "nada satisfeito" (1) a "muito satisfeito" (4). Eis os valores médios amostrais para Portugal:
Os portugueses estão mais insatisfeitos que satisfeitos, situando-se, em média, no ponto 2 ("não muito satisfeito"). Do ponto de vista comparativo, os nossos valores são baixos, como podemos ver no gráfico abaixo. Abaixo de nós, em Novembro de 2012, apenas a Grécia, a Roménia, a Eslovénia e a Bulgária.
Todavia, a investigação sobre estes temas mostra que a "satisfação" é apenas uma das dimensões da relação das pessoas com o regime democrático. É uma dimensão "instrumental", muito dependente da relação das pessoas com os governos, do desempenho da economia e da própria situação financeira dos inquiridos. O verdadeiro teste da "consolidação" de um regime democrático é não tanto se os cidadãos estão satisfeitos mas sim se, independentemente dessa satisfação, consideram a democracia o "only game in town", se recusam formas alternativas, ditatoriais ou autocráticas, para a organização política. O European Values Survey coloca várias perguntas destinadas a medir essa rejeição da autocracia. Uma delas é se o inquirido considera que "um líder forte que não tivesse de se preocupar com o parlamento ou eleições" seria uma maneira "muito boa, boa, má ou muito má" de governar o país. O gráfico abaixo mostra a % de inquiridos em cada país que respondeu "má" ou "muito má" em 2008 (clicar no gráfico para ver melhor):
Apenas 41% dos portugueses vêem esta solução autocrática como "má" ou "muito má", com valores próximos dos encontrados nos países da Europa de Leste (e mesmo assim bastante abaixo da alguns deles, como a Eslováquia, a Hungria, ou a República Checa). Para além disso, em 1999, esta percentagem era de 50%, o que significa que a rejeição desta solução autocrática diminuiu. Por falta de tempo, não vos apresento os resultados de questões semelhantes sobre "ditaduras militares", ou de questões sobre a incompatibilidade entre a democracia e a prosperidade económica, a manutenção da ordem ou o bom governo. Mas a mensagem geral é a mesma: Portugal está entre os países europeus onde a defesa da democracia enquanto regime é mais baixa, e é um dos países europeus onde essa propensão para defender a democracia baixou nos últimos anos. Se isto é uma "crise de regime", vocês dirão.
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