Há dias, acabei de ler o Saturday do Ian McEwan. Não estou particularmente impressionado. Gosto muito de alguns livros anteriores. Atonement mais que todos, talvez, se bem que The Innocent menos que todos os outros, de certeza. Ponho este algures no meio.
Mas há no livro uma passagem daquelas que se pode pedir para "comentar" num teste de uma qualquer cadeira de "Estudos de Opinião Pública". A personagem principal é Henry Perowne, um neurocirurgião, meia-idade, vagamente progressista, se bem que no alto de uma apoteótica trajectória de ascenção social até à upper middle class, já pouco recordado dos tempos em que era estudante e vivia com a mulher e a filha num apartamento minúsculo e já nada envergonhado do seu Mercedes S500.
O Saturday do título é um dia concreto, o da manifestação em Londres contra a guerra no Iraque. A certa altura, Perowne comenta algo indignado que estranha que na manifestação não haja cartazes contra a tortura e a opressão no Iraque. E diz que nunca poderia juntar-se a esta manifestação. Apesar de não estar certo das razões da guerra, teve um paciente exilado iraquiano que lhe contou como foi torturado (e por isso, só as razões "humanitárias" da guerra o poderiam persuadir, the only case for the war worth making).
Mas num dispositivo típico do livro - que nunca nos deixa interpretá-lo como um panfleto sobre a guerra nem nos alivia incertezas sobre a posição de McEwan ou Perowne - logo após contar isto, Perowne distancia-se imediatamente da sua indignação inicial, e reflecte: se não lhe tivesse calhado aquele paciente iraquiano, se não tivesse conhecido em primeira mão as histórias de tortura, poderia perfeitamente estar ali com eles na manifestação. Da mesma maneira que, alguns deles, estão ali por outras e tão boas razões - "reais", vividas, outros "iraquianos". A vida é feita de acidentes de percurso. A opinião pública é uma coisa completamente aleatória.
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