Como interpretar?
1. Em primeiro lugar, uma sondagem é uma sondagem. Há mil e uma razões para que esta sondagem em concreto possa não estar a captar mudanças reais.
2. Mesmo que estejamos perante uma mudança real (e saberemos melhor se assim é com futuros resultados), a verdade é que o que era anormal era a elevada popularidade de Sócrates desde as autárquicas. Os ciclos políticos não costumam ser assim.*
3. Dito isto, a confirmar-se, uma descida é uma descida, e parece grande. A que se deverá? Não há nenhuma mudança fundamental no "pano de fundo" de "médio-prazo" que costuma afectar estas coisas, ou seja, a situação económica. De resto, mesmo que houvesse, ela costuma ter um efeito diferido nas atitudes dos eleitores, que demoram algum tempo a interiorizar essas mudanças. E mesmo que tivesse efeito imediato, teria sido para cima, e não para baixo.
4. Pelo que a coisa deve estar ligada a factores de muito curto prazo. Não se pode ter a certeza, claro, mas parece-me que o "fim da crise" decretado pelo Ministro da Economia (e logo retirado) e a questão da electricidade não podem ser irrelevantes. Primeiro, tiveram muito maior amplificação mediática do que anteriores episódios que alguns anunciaram ditar o "fim do estado de graça" (o que nunca aconteceu, até agora). Segundo, porque aquilo que os torna importantes é o facto de eles entrarem em contradição directa com o princípio genérico que visa legitimar a actuação do governo desde o início: a "resolução" da crise pelo ataque aos "privilégios" e aos "privilegiados" e a noção de que os sacrifícios serão distribuídos de forma equitativa ou mesmo progressiva. Sem crise, então para que servem os sacrifícios? E são os consumidores (os eleitores em geral) que têm a culpa dos aumentos da electricidade? Não tenho informação nem competência para avaliar a actuação do Ministério da Economia e da Inovação em todas as suas dimensões. Mas do ponto de vista político e comunicacional, é um tumor maligno.
5. Gostava muito de saber em que estratos sociais é que a descida de Sócrates na sondagem da Markest foi mais acentuada. Era capaz de apostar que foi nos mais baixos.
6. Também me cheira (só isso) que os meios de comunicação social começam a ficar menos dóceis com o governo. Não faço ideia se os noticiários da RTP são "governamentalizados" - há anos não vejo televisão a essas horas - e não me parece sensato, com todo o respeito (a sério), usar o Abrupto como fonte de análise imparcial sobre o tema. Mas o que a multiplicação de críticas à RTP quer provavelmente dizer é que, pelo menos, o contraste entre a cobertura da RTP e dos restantes meios de comunicação começa a tornar-se evidente.
7. E atenção, que vem aí a saúde, tema "popular" por excelência. Se a coisa correr como no caso da electricidade - em que a explicação cabal do "porquê" dos aumentos chegou depois do anúncio dos próprios - é melhor Sócrates apertar o cinto de segurança. Correia de Campos é já, na sondagem da Marktest, o ministro cuja popularidade mais desceu em Outubro.
*A propósito disto, uma nota. Numa conferência recente em que apresentei um estudo sobre o comportamento eleitoral nas presidenciais, um dos membros do público chamou a atenção para um factor muito importante: as eleições locais. O PS foi severamente castigado nas autárquicas, o que pode ter "descomprimido o ambiente" para o período seguinte, levando à recuperação da popularidade de Sócrates (que temos mostrado neste blogue e é visível no post anterior) e, de resto, ao facto de, quando analisamos dados individuais sobre decisão de voto nas presidenciais, a avaliação do governo não ter tido qualquer impacto. A hipótese é muito interessante.
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