Numa entrevista ao Correio da Manhã, a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, faz as seguintes declarações:
"Se eu fosse directora de uma agência de sondagens nunca publicaria uma sondagem a oito dias de eleições dizendo que tinha 30 por cento de indecisos. Diria que não tinha reunido as condições para a publicar. Porque evidentemente uma sondagem com 30 por cento de indecisos significa que qualquer partido, mesmo aquele que na sondagem aparece de todos os outros, pode ganhar as eleições. Não tem nenhum significado uma sondagem dessas. Independentemente disso, na mesma posição relativa que estamos hoje e nas eleições europeias os resultados dariam exactamente o contrário. Eu espero que aconteça o mesmo nas legislativas."
Curiosamente, estas declarações ecoam um artigo de opinião escrito há dias por António Ribeiro Ferreira, precisamente um dos entrevistadores de MFL:
"E lembrar também que há quem não tenha qualquer pejo em publicar sondagens com uma margem de indecisos de 30 %."
A primeira curiosidade que isto me despertou foi a de saber qual a sondagem que tinha sido publicada recentemente e em cuja amostra 30% dos inquiridos tinham declarado não saber em quem iriam votar. Não é esta (15%), nem esta (8,9%), nem esta (4,3%), nem esta (17%). Será então porventura esta, onde cerca de 32% dos inquiridos respondeu "não sabe" ou recusou responder à pergunta sobre em que partido tenciona votar nas próximas eleições. A sondagem foi realizada a 20 dias das eleições, não a oito. E os 32% representam aqueles que se declararam indecisos e aqueles que recusaram responder à pergunta.
Mas deixemos de lado a questão de saber se recusar responder à pergunta deve ser lido como representando "indecisão" (muito duvidoso). Vamos supor que, de facto, perto de uma eleição, há 30% do eleitorado que diz estar indeciso numa sondagem. Significa isto que não estão reunidas as condições para a publicar?
Há três coisas que queria lembrar:
1. A percentagem de "indecisos" varia muito de sondagem para sondagem, e por boas razões. Ela depende muito do universo sobre o qual estamos fazer inferências e do próprio questionário. Por exemplo, se a minha amostra é composta apenas por pessoas que dizem à partida que irão votar (e, logo, o universo sobre o qual se está a fazer uma inferência não é o da totalidade dos eleitores mas apenas dos "votantes prováveis"), é muito natural que a percentagem de indecisos seja mais baixa. Aqui, trata-se apenas de indecisão em torno da opção de voto, não da opção de votar. Pelo contrário, quando a amostra é uma amostra do eleitorado em geral, a percentagem dos que que "não sabem" pode reunir facilmente o que não sabem se irão votar e os que não sabem em quem. O "não sabe", aqui, será sempre mais elevado.
2. Mesmo entre sondagens cujas amostras são extraídas para fazer inferências sobre a generalidade do eleitorado, o questionário fará, muito provavelmente, grande diferença a este nível. Se eu tiver uma "pergunta filtro" onde pergunto às pessoas se vão votar, e se só colocar a pergunta de intenção de voto a quem diz tencionar votar (ou pelo menos a quem não exclui imediatamente esse possibilidade), é muito provável que alguns daqueles que não sabem se irão votar sejam filtrados à partida por essa primeira pergunta. Em princípio, os "indecisos" hão-de ser menos. Pelo contrário, se fizer uma única pergunta sobre intenção de voto, essa pergunta junta nos "não sabe" quer aqueles que estão indecisos sobre a opção de voto quer aqueles que estão indecisos sobre se irão votar.
3. E dito isto, 30% de indecisos seria assim tão "anormal"? Num inquérito pós-eleitoral realizado após as eleições de 2005, coordenado por António Barreto no ICS, cerca de 34% daqueles que afirmaram ter votado nessas eleições disseram que tomaram a sua decisão no último mês antes da eleição. Nos Estados Unidos, a percentagem daqueles que afirmam ter decidido em quem votar na última semana oscilou, nas eleições presidenciais mais recentes, entre 11% (em 2004) e 30,7% (em 1996). Nas eleições americanas mais recentes, as de 2008, as sondagens à boca das urnas mostram que 25% dos votantes decidiram no último mês, e que 10% decidiram na última semana. Uma sondagem em Portugal que indicasse 30% de indecisos a 20 dias das eleições seria uma coisa assim tão exótica e ilegítima? Não creio.
Subjacente a tudo isto está, claro, uma concepção do que é uma "sondagem" que nada tem a ver com aquilo que uma sondagem realmente é, e que ignora que uma sondagem é uma medição, junto de uma amostra de uma população, de atitudes e intenções (e não uma previsão de um resultado eleitoral ou um oráculo que tem de dizer "quem vai ganhar"). E se gastei aqui algum tempo a escrever este post não foi, acreditem, para benefício de António Ribeiro Ferreira. Mas Manuela Ferreira Leite merece que isto lhe seja explicado. E tenho a certeza absoluta que, se isto lhe for explicado, compreenderá.
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9 comentários:
Descontando a política, encontro o mesmo problema todos os dias nas empresas e nos jornais.
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As pessoas olham para os números como verdades absolutas e não como uma hipótese.
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E quando os comentadores passam 50 minutos na rádio a falar sobre a evolução num barómetro, ou sobre a subida ou descida de um indicador do INE... fazemos as contas e, estatisticamente, não houve evolução.
Então a "sondagem das sondagens", hoje, a seis dias das eleições seria:
PS 36
PSD 31
BLOCO 11
CDU 8
CDS 8
O/B/N 6
E haveria
11% de indecisos, não?
Ab, obrigado
30% de indecisos, ainda para mais a 20 dias das eleições, parece-me perfeitamente natural. Muitos eleitores tomam a sua decisão nos dias que antecedem o acto eleitoral. Do mesmo modo que muitos se 'decidem' na altura em que lhes é feita a questão durante o inquérito.
Pelas minhas contas, ponderando a dimensão da amostra, temos para as últimas quatro sondagens:
PS: 35,3
PSD: 31,2
BE: 10,7
CDU: 8,3
CDS-PP: 7,8
OBN: 6,9
A margem de erro para a diferença entre duas proporções multinomiais é, para os resultados PS e PSD e uma amostra de 3682, 2,6 pontos. A diferença nesta "poll of polls" (4,1) é superior à margem de erro. Para a diferença BE/CDU, os mesmos valores são, respectivamente, 1,4 e 2,4 pontos. Para a diferença CDU/CDS,1,3 e 0,5.
Por mera curiosidade, as cotações no Trocas, no momento em que escrevo:
PS: 35
PSD: 32,05
BE: 12,25
CDS-PP: 9,65
CDU: 9,6
Obg,
já tinha reparado que o trocas não andava nada longe desta "poll of polls", eu é que não estou a ganhar trocos nenhuns...
Ainda não devo ter percebido bem a mecânica da coisa da coisa e não sei se as minha "preferências clubisticas" não me tramam o instinto capitalista...
caros
o clubismo ou algo mais de facto deve estar a ter algum impacto (marginal mas tem) no trocas
é que na maioria das vezes a soma das cotacoes no trocas dos partidos grandes deixa a OBN algo como 1,5%... o que é impossível, penso que todos concordam.
sugestao: Nao se pode acrescentar essa informacao em cada momento, nem que seja para ficar mais claro a todos os participantes que há arbitragem "boa" para ser feita no mercado, e incentivar liquidez?
obrigado!
já eu, que estou indeciso, tenho ganho uns troquitos. curiosamente onde ganhei mais foi precisamente na que estou mais absolutamente decidido... santana NÃO ganha camara de lisboa :)
outra opção, talvez mais simples. acrescentar um contrato "OBN". e ordenar os contratos todos de forma a que surgam primeiros os que somados têm de dar 100%, e depois os probabilisticos. desta forma todos os participantes iriam perceber sem margem para duvidas que os OBN esta abaixo do que deviam estar. Eu sei que isto tudo já pode ser feito, mas ter "a papa toda feita" ajuda num mercado que está a arrancar. obrigado!
Bom texto, Pedro Magalhães. O conteúdo e a forma.
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