quarta-feira, junho 22, 2011

Programa do PSD: Ensino Superior e Ciência

Sabe-se que são muito poucas as pessoas que lêem os programas eleitorais dos partidos. É normal. Eu, que faço disto profissão, li-os na diagonal e mal. Mas houve uma parte que li com atenção, particularmente no Programa do PSD. Numa escolha puramente pessoal, possivelmente mais enviesada para o que está ligado à Ciência, deixo aqui uma lista de medidas e intenções na área do Ensino Superior e Ciência. Vou tentar deixar de fora objectivos muito genéricos e concentrar-me em coisas que me parece serem susceptíveis de serem traduzidas em medidas concretas a curto ou médio prazo. Podíamos tentar iniciar aqui um debate. O que pensam os leitores destas medidas, ou do seu sentido geral? Se houver outros aspectos do programa que achem merecer discussão, força.

- "Revisão do mapa nacional de universidades e institutos politécnicos"; "Identificação exaustiva e rigorosa dos cursos sem viabilidade na conjuntura actual" e "evitar a duplicação de ofertas [de cursos superiores], dando primazia às instituições com cursos de referência e especializando instituições com menor massa crítica a nível nacional";

-"Segmentar as Instituições de Ensino Superior em Termos de Educação e Investigação. O Governo deve desenvolver uma orientação política clara e incentivos relevantes para a especialização das
instituições em termos de pedagogia e investigação";

-"Flexibilização dos percursos de carreira possíveis, com valorização de outras dimensões que não só o ensino, a investigação e a publicação; Em particular, devem ser valorizadas as iniciativas relacionadas com a inovação empresarial, a criação de empresas e a geração de empregos de elevado valor acrescentado";

-"Criação de um novo modelo de financiamento para o ensino superior mais diversificado em termos de actividade e baseado no desempenho concreto das instituições"; "dotações para investigação básica limitadas a certas instituições, dotações para investigação aplicada limitadas, com «match funding» de empresas e associações sectoriais; prémios para o nível de internacionalização dos alunos e docentes e para presença em listas de referência internacionais; prémios para a empregabilidade dos cursos, a nível nacional e internacional; prémios para a ligação ao tecido empresarial";

-"Apoios [à investigação] passarem a estar entrados em políticas de estímulo à procura (tecido produtivo), em contraponto ao actual sistema, muito centrado na oferta (tecido científico)";

-"A FCT deverá privilegiar a atribuição de bolsas aos programas doutorais e não de forma individual aos candidatos";

-"O Governo deverá definir, com carácter de prioridade, e sem prejuízo de uma investigação fundamental, uma política no sentido de envolver os seus Laboratórios e Centros de Investigação Tecnológica, incluindo os universitários, a estabelecer e dinamizar parcerias com as empresas, com vista a desenvolver programas de investigação aplicada";

-"Os estabelecimentos de Ensino Superior devem ser incentivados a orientar os doutorandos nas áreas tecnológicas para temas de desenvolvimento de novos produtos, promovendo programas doutorais em estreita colaboração com as empresas";

-"Como regra, só em situações muito excepcionais, deve haver repetição de bolsas de pós-doutoramento";

-"Há que avançar de forma clara no espaço europeu de investigação, aumentando a participação de empresas e centros de investigação nos programas quadro, atingindo a curto prazo o objectivo mínimo de captar em financiamento um valor idêntico ao peso económico do País. Entre outros factores, devemos apoiar as grandes linhas de investigação industrial, mediante a colaboração público-privado".

P.S.- Perguntam-me por e-mail se não deveria incluir o programa do CDS-PP. Mas o programa eleitoral do CDS-PP , em 75 páginas, não menciona a palavra "ciência" uma única vez, e das seis vezes que aparece a palavra "investigação", quatro delas é a propósito de investigação criminal...

11 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

"A FCT deverá privilegiar a atribuição de bolsas aos programas doutorais e não de forma individual aos candidatos"

Já foi tentado há uns anos. No papel parece bonito. Na prática dá um péssimo resultado. Entre duas boas escolas um aluno pode ter bolsa se for para a que não lhe interessa e não ter se for para a que lhe interessa.

No âmbito dos mestrados antigos vi proporem uma bolsa para uma instituição em Novembro quando o candidato estava inscrito noutra desde Setembro.

Aliás vem bastante ao contrário do "cheque-ensino" e da ideia da liberdade de escolha. Quando o aluno é jovem tem liberdade de escolha e quando é adulto e se vai doutorar é o estado que escolhe a escola que paga?

susana durão disse...

Bom, eu começaria já por dois pontos: a empregabilidade em ciências (sociais) e a atração dos fundos europeus para a investigação:

1. A inserção de doutorados e de investigadores em ciênciais sociais no mercado de trabalho tem de ser tomada com máxima seriedade, até porque muita gente investiu largos anos da sua vida a especializar-se em muitas áreas até então muito desconhecidas de todos. As instituições e o país beneficiam desse conhecimento acumulado. Assim, esta é uma responsabilidade coletiva. Mais, ela deve ser tomada como desafio a um injusto limite que, quanto a mim, mais do que refletir a realidade a condiciona: a ideia de que as áreas das ciênciais mais ‘fundamentais’ (e menos obviamente aplicadas) seriam avessas ao capitalismo.

Para tal, a minha proposta concreta seria o estabelecimento de conexões em rede, a partir das universidades e dos institutos em direção aos mais variados setores privados e públicos do mercado, nacionais e internacionais. Penso que chegou ao fim, e isto quando existe, a figura do ‘gabinete de estágios’, organizacionalmente demasiado estático e insuficiente. Parece estar tudo por inventar nesta relação activa e criativa com vista à efetiva empregabilidade de pessoas com formação avançada. Como é possível?

2. Para ‘avançar de forma clara no espaço europeu de investigação’, as instituições têm de ser dotadas de capacidade organizacional, administrativa, celeridade nas respostas a problemas burocráticos, celeridade e transparência da informação, para não ir mais longe... É bom salientar que individualmente muitos investigadores têm já efetivas e produtivas conexões no mundo.

Do que se conclui que sem um imenso e intenso trabalho organizacional não vejo grande futuro nestas políticas.
Susana Durão

MFerrer disse...

Primeiro comentário: Se isto é um programa liberal...o que seria uma intervençao pura e dura do Estado? Isto é Estado e do bom, como dizia o outro!

Frater Caerulus disse...

Contração do sistema, hierarquização das instituições e - por arrasto - dos graduados, diminuição da autonomia relativa dos campos, clientelização da gestão das bolsas.

Este último aspeto parece um tiro no pé em termos ideológicos. Mas em termos de realismo político alinha-se claramente com a construção de redes clientelares em detrimento do estabelecimento de uma relação pessoal com o Estado que caracteriza, nomeadamente, a política de direita na gestão dos apoios sociais. O que se enfatiza é pois o controlo e não a autonomia ou o mérito.

O menos mau é a declaração de intenções de ir sacar mais dinheiro à Europa. A ironia é que o BSS se mostrou particularmente apto a fazê-lo.

Frater Caerulus disse...

Diga-se me abono da verdade que a atribuição das bolsas aos programas doutorais e não aos candidatos muda muito pouco em relação ao regime de avaliação em que a ponderação atribuída ao factor instituição de acolhimento era francamente determinante.

Frater Caerulus disse...

Dentro do paradigma liberal o que calhava bem era porem tudo a funcionar em 'blind'.

Pedro disse...

"Apoios [à investigação] passarem a estar entrados em políticas de estímulo à procura (tecido produtivo), em contraponto ao actual sistema, muito centrado na oferta (tecido científico)".


Em relação a isto, nesta altura de crise, pode ser aumentada a % de investigação orientada a aplicações práticas; mas tem sempre que haver investigação pura de perseguição de algo nunca pensado que servirá só mais a longo prazo.

Manuel Vilar de Macedo disse...

O programa é completamente economicista, o que é um sinal dos tempos. De todo aquele arrazoado, o que mais me intrigou foi o seguinte excerto: «um novo modelo de financiamento para o ensino superior mais diversificado em termos de actividade e baseado no desempenho concreto das instituições». Isto significa que as faculdades exigentes como a de Direito de Coimbra vão ser penalizadas em favor das «fábricas de canudos» onde qualquer calão se licencia com notas altas? Será que o discurso da produtividade se pode transpor para o ensino, em particular o universitário? Deixo à vossa reflexão...

José Santos disse...

O programa é demasiado vago, apresenta poucas medidas, e pelo que foi dito acima são controversas.

Sobre o ensino superior:
Enquanto tivermos docentes sem anos de experiência profissional não universitária/científica (mínimo de 2 anos, por exemplo) as faculdades continuarão a formar pessoas com falhas de formação elevadas, sem que tenham consciência disso.

Sobre a invertigação:
Enquanto o ensino superior não for pesquisar o que empresas realmente precisam, não aceitar ser ajudado (financeiramente) pelas empresas o desenvolvimento do país ficará muito limitado.
Grande parte dos académicos não consegue estabelecer ligação ao tecido empresarial e quando visita uma empresa e vê o mundo real fica espantado.

Dizem que é preciso investir no mar. Quantas teses temos a decorrer neste assunto?
A investigação tem de ser dirigida aos objectivos do país, em vez da estatística relativa ao número de doutorados. Quantos estão/ficarão desempregados nos próximos anos?

Outro problema interessante é que a investigação está ainda muito associada apenas ao doutoramento/pós-doc por causa dos financiamentos individuais. Seria muito mais interessante haver mais dinheiro para contratar pessoas multidisciplinares sem terem um objectivo académico obrigatório, formando equipas competentes com um objectivo científico concreto a resolver (útil para o país). Os objectivos têm de partir de cima. é todo o sistema nacional que está errado. No norte da Europa, os docentes é que contratam pessoas (doutorandos) para determinados fins. Não são as pessoas que concorrem a bolsas.

Goffredo disse...

Penso que:

1) É preciso indicar qual é a % do PIB que se quer investir em I&D. Apesar de tudo este é o ponto mais importante.

2) O modelo FCT me parece muito bom, na vanguarda europeia, pois introduz caracteres muito meritocraticos baseados na avaliação do individuo.

3) Evitar a repetição das bolsas pos-doc: sim mas substituido por que?

4) É sempre bom dizer que a universidde deve preparar ciêntistas virados para aplicações praticas. Porem tudo indica que as pessoas bem preparadas nestas materias no mercado do trabalho privado não encontrem lugares e saiem para o extrangeiro. Provavelmente neste sentido seria importante mudar de regras no campo privado aonde prevalecem impresas familiares com empresarios pouco formados e poucos sensiveis á formação.

Pedro Matos disse...

Existem dois pontos que, antes de mais, me parecem que deveriam ser esclarecidos.
O primeiro, o que significa e quais as consequências duma "Identificação exaustiva e rigorosa dos cursos sem viabilidade na conjuntura actual". Julgo que, e não sou o único, que hoje vivemos um grande défice de profissionais de saúde porque, numa "conjuntura" qualquer no tempo se limitou a formação de profissionais nestes "cursos sem viabilidade" (naturalmente que esta ideia justificava outros interesses implícitos).

O segundo aspecto que considero que deveria merecer um melhor esclarecimento é a forma e as condições em que se integram "programas doutorais em estreita colaboração com as empresas". Conhecendo casos em que pessoas tiveram que ocultar habilitações académicas para aspirarem a um emprego, ou com habilitações académicas elevadas obtidas em instituições estrangeiras se viram muito aflitas, após regressarem a Portugal, em entrar no mercado de trabalho (nas área científica, principalmente de investigação), fico muito curioso com as contrapartidas que serão exigidas ou qual o custo a suportar para que as empresas aceitem (agora) esta interacção (há obviamente excepções mas infelizmente, não são a maioria - muitos bons profissionais são "abandonados" findo o tempo de estágio ou a contrapartida financeira pela aceitação desse recurso na qualidade de estagiário).

Acredito que "evitar a duplicação de ofertas [de cursos superiores], dando primazia às instituições com cursos de referência" é meio caminho andado para um regresso ao passado em que o ensino superior estava restrito apenas às "elites" (económicas). Mais do que "evitar a duplicação" dever-se-iam encontrar medidas que visassem maior rigor e maior e melhor avaliação dos estabelecimentos de ensino que, naturalmente, contribuiria para uma maior qualidade do ensino superior.