Quando se olha para os quadros dos posts anteriores, é impossível não se pensar no número reduzido de sondagens eleitorais que se publica em Portugal: apenas 6 passado mais de um mês após o anúncio da dissolução da AR, e a pouco mais de um mês das eleições. Não é preciso que nos comparemos com exemplos estratosféricos para perceber isso (tais como este). Basta ir a Itália.
Porquê? Suponho que há três razões fundamentais:
1. Recursos. Estas coisas são caras, especialmente se não forem feitas pelo telefone, e o tempo para a imprensa é de vacas magras. E mesmo que os media estivessem cheios de dinheiro, os institutos/empresas carecem eles próprios dos recursos necessários para fazerem trabalhos de qualidade com grande frequência. É aliás frequente que as sondagens sejam feitas para consórcios, mesmo formados por jornais ou canais de televisão sem ligação empresarial directa (Expresso/SIC/RR; RTP/RDP/Público), para fins de repartição de custos. E até acontece que um órgão de comunicação anuncie os resultados de sondagens encomendadas por outros, prática que não me parece censurável em si mesma mas é totalmente impensável noutros países.
2. Risco e reputação. Sem ter dados concretos, julgo saber que - em parte pela razão anterior- os estudos eleitorais conduzidos para os jornais e as televisões constituem uma parcela ínfima do volume de negócios da maior parte dos institutos/empresas de sondagens em Portugal. Esse é composto, na sua maioria, por estudos de mercado e de audiências, seguidos provavelmente pelas sondagens feitas para partidos (cujos resultados raramente vêm a público).
Contudo, há uma grande desproporção entre esse (reduzido) peso das sondagens eleitorais na actividade dos centros e a (enorme) exposição pública a que os sujeitam. Isto levanta problemas. Para quem olha para isto de fora, as eleições têm a vantagem singular de constituirem a única ocasião em que as inferências feitas na base de uma amostra podem ser imediatamente confrontadas poucos dias depois com os comportamentos da população. Mas para quem olha para isto de dentro, isto pode ser uma desvantagem: um trabalho que corre mal (e pode correr muito mal, mesmo que se faça tudo "bem" do ponto de vista metodológico) pode ser fatal para a reputação de uma empresa que, na verdade, não vive de sondagens eleitorais, mas sim de outras áreas de trabalho.
Como resultado, com a passagem do tempo, só tende a ficar nesta área quem simultaneamente se sente seguro de dispor dos recursos técnicos e materiais suficientes para fazer consistentemente um bom trabalho e/ou (e este "e/ou" é importante, porque os casos variam) tem um nível de dependência maior da área eleitoral do que de outras áreas de negócio.
3. Regulação. Apesar de todos os problemas que persistem, a mudança na lei das sondagens de 2000 veío contribuir para tornar o mercado menos selvagem. A partir daí, os institutos/empresas passaram a carecer de credenciação especial da Alta Autoridade para a Comunicação Social para trabalharem nesta área, uma credenciação cuja concessão depende da satisfação de um conjunto de exigências técnicas e de continuidade de trabalho. Como resultado, por exemplo, o fenómeno das empresas que de repente apareciam a fazer sondagens antes das eleições para logo de seguida voltarem à obscuridade tem, ele próprio, vindo a desaparecer (uma curiosidade: sabiam que uma empresa chamada Compta já fez sondagens? Na última sondagem que fez antes das eleições legislativas de 1995 - publicada no Semanário no dia 16 de Setembro - dava o PS e o PSD com "empate técnico").
Resultado: poucas sondagens eleitorais. Mas é possível argumentar que a perda de quantidade levou a um aumento geral da qualidade. Quando olhamos para as sondagens feitas antes das eleições de 2002, acho que é impossível não constatar que, afinal, o público não terá sido muito mal servido. E se tiverem (muita) paciência, olhem para aqui: desde o início dos anos 90 até hoje, a precisão das estimativas eleitorais feitas em Portugal melhorou bastante. Quem ficou faz, em geral, bom trabalho, apesar das inúmeras deficiências que persistem na forma como os resultados são divulgados.
(Sei que não terei convencido muita gente sobre este último ponto, mas prometo insistir com dados mais concretos em posts futuros).
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