Por que razão tendem as estimativas de resultados publicadas antes das eleições pelas diferentes empresas de sondagens a subestimar aquela que acaba por ser a votação do CDS-PP? A primeira e única resposta categórica a esta pergunta é simples: não sei. Mas tenho alguns palpites.
1. Manipulação propositada? Não me parece. Tudo é possível, claro. Mas reparem no seguinte: 1999 foi o ano a partir do qual o CDS começou a ser sistematicamente subestimado nas sondagens. Teve 8,2% dos votos na Europeias, mas todas as sondagens lhe deram menos. A sondagem que lhe deu menos foi feita pelo IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing, creio), que lhe deu 3,9%, numa sondagem publicada pelo Diário Económico. A que lhe deu mais foi a Eurosondagem (7,3%), numa sondagem publicada pelo Semanário. Nas legislativas de 1999, o CDS-PP voltou a ser subestimado por todos. Quem lhe deu mais foi (outra vez) a Eurosondagem (muito próximo da realidade, com 8,2%), outra vez para o Semanário. Mas quem mais "prejudicou" o CDS-PP nas legislativas de 1999 foi, desta vez, a Aximage, numa sondagem para a SIC/Visão. Nas legislativas de 2002, a Eurequipa, trabalhando para o Independente, deu-lhe 9,1%. Todos os outros subestimaram os votos do CDS-PP, especialmente a Intercampus, numa sondagem para o Jornal de Notícias.
Detectam algum padrão que sugira manipulação? A acreditar nisso - e eu, friso, não acredito - pode haver quem queira sugerir que ela está presente nos resultados menos desfavoráveis dados por jornais "de direita" (Semanário; Independente). Mas notem que, nas legislativas de 1999, o Independente publicou uma sondagem da Metris que também "prejudicava" o CDS-PP (7%, contra os 8,2% que realmente teve). Em resumo, não me parece que a teoria da manipulação tenha pernas para andar.
2. Amostragem. Como descrito em post anterior, há quem use amostragens aleatórias, há quem use quotas e há quem use combinações das duas. E o próprio modo de inquirição pode ter consequências indirectas na amostragem: sondagens telefónicas tendem a gerar amostras, obviamente, representativas da população residente em domicílios com telefone fixo, o que por sua vez tende a sub-representar populações rurais e mais isoladas (sendo por isso mesmo mais frequente encontrar a utilização de quotas nas telefónicas...).
E aqui as coisas começam a fazer algum sentido. (Quem não tiver paciência para a estatística pode agora saltar três linhas): corri uma regressão linear muito simples com a inquirição (telefónica vs. presencial) e a amostragem (aleatória vs. quotas) como variáveis independentes, e os desvios cometido pelas 34 sondagens pré-eleitorais feitas desde 1991 que apresentaram estimativas para o CDS (últimas sondagens publicadas antes das eleições) como variável dependente. Resultado: se é verdade que a amostragem não faz diferença, as telefónicas tendem a apresentar um desvio sistemático e estatisticamente significativo contra o CDS (nada disto sucede com as estimativas dos restantes partidos).
3. Mas porquê? A razão pode não ter a ver apenas com a redução da população representada àquela que reside em domicílios com telefone fixo. Uma das coisas que uma sondagem face-a-face permite fazer é uma simulação de voto em urna, através da qual o inquirido não tem de revelar a sua opção de voto ao inquiridor. Infelizmente, não é possível estimar por que razão as sondagens face-a-face são menos desfavoráveis ao CDS. E isto sucede porque quase todas as últimas sondagens publicadas antes das eleições e realizadas face-a-face são, também elas, simulações. Por outras palavras: não sabemos se as sondagens presenciais subestimam menos o CDS por não serem telefónicas ou por serem simulações.
4. Mas ambas as coisas podem contar. O meu palpite é que o eleitorado do CDS tende a ocultar o seu sentido de voto, mais do que o eleitorado dos restantes partidos. Reparem: nas eleições de 2002, o CDS foi subestimado pelas sondagens pré-eleitorais, em média, em 2,4%. Curiosamente, no inquérito pós-eleitoral realizado pelo ICS em 2002, a recordação de voto no CDS (2 semanas depois das eleições) foi subestimada em..2,1%. Eu sei que são muito poucas observações para podermos tirar grandes conclusões, e é por isso que comecei o post dizendo que, em rigor, "não sei" por que razão o CDS é subestimado. Mas um palpite plausível é que, antes ou depois das eleições, há uma parte do eleitorado do CDS-PP "que nem às paredes confessa"...
Pode haver renitência em assumir que se é "de direita" num contexto ideológico e cultural no qual, devido ao passado autoritário, a direita saiu deslegitimada. E alguma razão haverá para que, antes dos anos 90 (antes de Manuel Monteiro e Paulo Portas), nunca tenha havido qualquer problema de "subestimação" do CDS . Se havia partido que era subestimado nos anos 80 e até meados dos dos anos 90, esse partido era o PCP (a "cultura da clandestinidade").
5. Há outra hipótese interessante, mencionada (indirectamente) aqui. Segundo este estudo, os eleitores do CDS são aqueles que mais afirmam "mudar de partido conforme a sua opinião em cada acto eleitoral". A Marktest sugere que "o CDS vai voltar a surpreender nas próximas eleições e, seguramente, pelas mesmas razões". Mas a minha sugestão é que, se é verdade que o CDS-PP pode surpreender, também é verdade que o pode fazer num ou noutro sentido. Sabe-se que a distância ideológica entre os eleitores do PSD e do CDS é reduzida, e que a sua decisão de voto tem muito a ver com a imagem dos líderes e outros factores conjunturais (em vários capítulos, aqui). Mas isso indica, então, que o destino do CDS como partido "subestimado" nas sondagens não está fechado. O CDS pode ter um late surge. Mas também pode ser especialmente vulnerável ao voto útil, ou seja, tendo um late decline. Tudo depende de como as coisas correrem no desfecho da campanha.
6. Não acredito muito que esta "volatilidade" de curto prazo no voto CDS seja a principal razão da sua subestimação nas sondagens. O ponto 4. anterior, se verdadeiro, ajuda a apoiar esta ideia. Não nego a hipótese de que, em 2002, tenha havido um late surge a favor do CDS-PP. Mas se ele fosse muito significativo para este efeito, não se perceberia por que razão uma sondagem pós-eleitoral tenderia a subestimar o CDS tanto como as sondagens pré-eleitorais. E certamente verificaríamos uma tendência para que sondagens feitas mais perto das eleições subestimassem menos o CDS, ou fossem, em absoluto, mais precisas na estimação do voto no partido. Essas tendências não existem.
E pronto, é tudo o que me ocorre. Em resumo, o meu palpite é que a subestimação do CDS se deve a:
- subrepresentação (ou deficiente representação) do eleitorado rural nas sondagens telefónicas;
- ocultação diferencial por parte dos inquiridos da sua intenção de voto no CDS-PP.
Agora façam o favor de não presumir que o voto no CDS-PP em 2005 será aquilo que as sondagens dizem "mais uns dois e tal por cento". Há duas razões para não cometer esse erro, entre muitas: os institutos de sondagens sabem onde erram, têm palpites sobre as fontes desses erros e tomam medidas correctivas; e se o ponto 5. servir para alguma coisa, ele sugere que o CDS pode rapidamente passar de "subestimado" a "sobrestimado". Estou só a avisar...
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