Num post que coloquei aqui há algum tempo - "Exercício técnico-científico" - sugeri que a projecção de deputados publicada no Expresso no dia 8 de Janeiro não poderia, dada a dimensão da amostra e o seu método de selecção, estar baseada em sub-amostras representativas dos diversos círculos eleitorais. Mas faltou-me explicar como, afinal, a projecção terá sido feita. Na altura não tinha a certeza absoluta, e precisei de fazer umas experiências para confirmar. Mas posso agora dizer-vos com segurança em que consistiu o tal "exercício técnico-científico" do Expresso: numa regra de três simples.
Qualquer pessoa que tenha tempo, paciência e o Excel pode fazer a experiência:
1. Obtenham os resultados dos diversos partidos (pode ser em percentagem) nas eleições de 2002 a nível nacional.
2. Obtenham os resultados dos diversos partidos nas eleições de 2002 em cada um dos círculos eleitorais.
3. Usem os dados de uma sondagem com uma amostra representativa da população eleitora nacional.
4. E agora repitam comigo:
"O resultado do PSD nas eleições de 2002 a nível nacional está para o resultado do PSD nas eleições de 2002 no círculo x como o resultado do PSD na sondagem para as eleições de 2005 estará para o resultado do PSD nas eleições de 2005 no círculo x".
5. Desta forma, temos:
Resultado PSD no círculo x em 2005=Resultado PSD sondagem 2005*Resultado PSD no círculo x em 2002/Resultado PSD a nível nacional em 2002
6. Agora repitam para todos os partidos e para todos os círculos.
7. Na base dos resultados em cada círculo, apliquem o método de Hondt.
8. Somem os deputados.
E já está: uma projecção de deputados na base de uma sondagem sobre intenção de voto nas eleições de 2005 feita a uma amostra representativa do eleitorado nacional. Com a sondagem publicada no Expresso em 8 de Janeiro, a projecção que daqui resulta (sem contar com os círculos Europa e Fora da Europa) é o seguinte:
PS: 118 deputados
PSD: 84 deputados
CDU:12 deputados
CDS: 7 deputados
BE: 5 deputados
Se forem confrontar com o que apareceu no jornal, verificarão que estes resultados encaixam nos intervalos que foram apresentados. Essa apresentação em intervalos resulta, suponho, do facto de, nalguns casos, pequenas variações nas percentagens estimadas para cada círculo na base desta regra de três simples causarem imediatamente mudanças na distribuição dos deputados, especialmente nos círculos de maior dimensão (que distribuem mais deputados).
Este exercício parte de duas pressuposições. A primeira é a de que os resultados da sondagem de intenções de voto nas eleições de 2005 são um bom retrato das intenções de voto da população no momento em que a sondagem foi feita. Mas se isso é ou não verdade é um problema enfrentado por qualquer sondagem, e não é um problema da projecção propriamente dita. A segunda pressuposição - esta sim, crucial - é a de que as mudanças verificadas no comportamento de voto entre 2002 e 2005 a nível nacional serão proporcionais às mudanças verificadas entre 2002 e 2005 em cada um dos círculos. Por outras palavras: pressupõe-se que há diferenças estáveis, estruturais, entre os diversos círculos eleitorais no que respeita aos padrões de comportamento de voto, e que as mudanças ocorridas entre duas eleições são transversais a todos os círculos, repercutindo-se proporcionalmente em cada um deles.
Uma maneira simples de avaliar a bondade destas pressuposições consiste em fazer um pequeno teste. Imaginem que não sabiam os resultados eleitorais em cada círculo em 2002 mas conheciam:
1. Os resultados nacionais de 1999;
2. Os resultados nacionais em 2002;
3. Os resultados por círculo em 1999.
Agora, podem "prever" os resultados por círculo em 2002 com base na regra de três simples e comparar os resultados desta previsão com aquilo que realmente sucedeu. A "previsão" seria a seguinte:
PSD: 101 deputados
PS: 100 deputados
CDS:15 deputados
CDU:11 deputados
BE: 3 deputados
O que aconteceu na realidade foi isto:
PSD: 105 deputados
PS:96 deputados
CDS:14 deputados
CDU: 12 deputados
BE:3 deputados
O que falhou na "previsão"? Em Viana, o CDS perdeu o deputado que tinha em 1999, ao contrário do que seria previsível. Em Lisboa, o PS foi menos punido (e a CDU mais) do que se poderia esperar na base dos resultados a nível nacional. Em Santarém foi o inverso. Em Setúbal, o PSD foi mais longe do que esperaria, em detrimento do PS. Em Évora, a CDU preservou um deputado, que se esperaria perdido na base dos resultados nacionais. E nos Açores, na Madeira, e no círculo fora da Europa, o PS foi desproporcionalmente castigado.
Há várias conclusões que se podem tirar daqui. A primeira é: nada mau. É claro que as pressuposições do modelo são irrealistas, e que há factores e dinâmicas locais que fazem com que as mudanças de uma eleição para a outra não se repercutam da mesma forma em todo o lado. Mas esse irrealismo, que faz com que as estimativas percentuais "previstas" se desviem daquelas que acabam por acontecer, pode não afectar a projecção de deputados de forma muito grave. Especialmente nos círculos mais pequenos, desvios percentuais que podem parecer importantes acabam por ser irrelevantes do que respeita à distribuição de deputados pelo método de Hondt. E como vimos anteriormente, erros verificados nuns círculos acabam por ser compensados por erros na direcção oposta noutros círculos.
É claro que esta interessante e inocente brincadeira, quando usada, talvez devesse ser explicada com algum detalhe, em vez de apresentada de forma um bocadinho pomposa como sendo um "exercício técnico-científico". E espero que seja também evidente que tudo isto depende crucialmente de uma coisa: as estimativas feitas para a intenção de voto em 2005. Tirem uns pontinhos ali e ponham outros acolá, mesmo que sejam só aqueles que decorrem da margem de erro amostral, e vão ver como a projecção muda completamente. E quando a principal questão consiste em saber se um determinado partido vai ou não ter uma maioria absoluta...
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