O blogue não é exactamente para isto, mas não resisto a dizer o que penso sobre os resultados do referendo.
O que tenho a dizer já o tinha dito aqui, e ontem no Público (quando, noto, pensava que a coisa tanto podia pender para o "Não" como para o "Sim"): tenho muitas dúvidas sobre a bondade dos referendos como modo de tomar decisões sobre matérias como esta. Reconheço-lhes virtudes, como, por exemplo, aquela que aqui assinalei: o debate sobre os temas europeus em França foi mais vivo e generalizado do que nunca. E se puxarem muito por mim, até reconheço virtudes ao próprio desfecho substantivo: uma vitória do "Sim" teria sido, em parte, uma vitória de um discurso algo chantagista ("uma Constituição não renegociável", quando nada na política é "não renegociável") e de alguns medos que, eles sim, são o que me metem medo ("a perda de poder da França" e coisas semelhantes).
Contudo, importa não ignorar algumas coisas sobre este resultado. Por um lado, ele é também, em parte, uma vitória de medos, que neste caso encontram a sua expressão no proteccionismo económico (uma Constituição demasiado "liberal"), na intolerância religiosa e no nacionalismo mais primitivo ("não à Turquia"). Lamento imenso, mas a ideia de que a informação que este resultado fornece às elites políticas europeias é a da necessidade de "repensar-se a União de forma diferente da dos últimos anos, mais democrática, mais solidária, menos ambiciosa e mais prudente" parece-me simplesmente cândida. Pacheco Pereira projecta no "Não" as suas próprias motivações, ignorando as motivações reais dos eleitores franceses. Mas as que realmente contam são as deles, e não as dele. A mensagem que o "Não" fornece aos políticos europeus é a de os medos dos franceses terão de ser acomodados de alguma forma no futuro da construção europeia. E eu preferia que (estes) não fossem.
Por outro lado, não se pode ignorar outro aspecto fundamental. O resto da explicação da vitória do "Não" encontra-se em factores como a situação económica e social em França e a percepção por parte de muitos eleitores de que deviam e podiam usar o referendo para sinalizar o seu descontentamento, especialmente quando um governo que defende o "Sim" se encontra na pior fase do ciclo político e quando tantos franceses acham que o resultado não terá grande importância. Sendo assim, percebem-se mal os "pudores democráticos" que fazem com se fique tão chocado quando alguém sugere fazer um novo referendo. Basta que um novo referendo tenha lugar sob um governo socialista no início do seu mandato para que a probabilidade de uma vitória do "Sim" aumente exponencialmente. E então? O que faz com que este "Sim" valha menos ou seja "menos democrático" que o anterior "Não"? Na verdade, ambos são os resultados de uma pura "lotaria eleitoral". É certo que é sempre preciso arranjar uma maneira qualquer de tomar decisões e de lhes dar um verniz de legitimidade democrática, e os referendos servem para o efeito (por enquanto). Mas será a melhor maneira? Duvido.
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