Por cá, há quem se entretenha a apontar a calamidade que se seguiu ao furacão Katrina como uma espécie de castigo divino à "soberba imperial" da América e do seu presidente, ao passo que aqueles que a propósito da catástrofe criticam o modelo americano de organização política e social são invariavelmente acusados do pecado capital dos nossos tempos ("anti-americanismo", parece que é assim que se chama), entre outras igualmente sérias e incrivelmente acutilantes observações. Tudo isto está muito bem, apesar de raras vezes ter alguma espécie de interesse.
Seria bom, no entanto, que todo este frenesim intelectual não nos desviasse a atenção, como é costume, do óbvio. Por um lado, como os dados das várias sondagens revelam, os americanos não culpam Bush pela catástrofe (o que seria pura e simplesmente imbecil) e mesmo a avaliação que fazem da sua actuação durante a crise é previsivelmente colorida pelas suas predisposições iniciais. Ou seja: simpatizantes Democratas avaliam mal a sua actuação, enquanto os Republicanos a avaliam bem, o que resulta em algo que não se distancia muito de um fifty-fifty ("rating of Bush on 'the situation caused by Hurricane Katrina:" 44% approve, 54% disapprove). Mais importante: o impacto directo que a crise Katrina teve na avaliação que os americanos fazem de Bush parece ser praticamente nulo, como assinala Franklin: não mais do que -1%.
Contudo, isso não impede que Bush tenha vindo a perder apoio independentemente do Katrina, uma perda linear de 0,03% por dia desde Janeiro de 2005. Uma perda fundada na avaliação maioritariamente negativa (por vezes de forma esmagadora) que os americanos fazem da sua actuação no que respeita ao Iraque, à política energética e ambiental e à segurança social, assim como na manifesta contradição entre as posições que o seu governo defende em vários aspectos ético-morais e aqueles que predominam na sociedade americana. Ou seja, uma avaliação negativa em quase tudo aquilo que realmente conta.
Logo, o verdadeiro contributo destes posts é o de fazer com que não desviemos a atenção do essencial: independentemente do Katrina, Bush é hoje visto por uma clara maioria dos americanos como um mau presidente, incapaz de resolver quer os problemas que existiam quer aqueles que ele próprio se encarregou de criar. Um presidente below average. É simples, é claro e não é, creio, "anti-americano". E se querem uma discussão interessante, que tal a de saber por que razão terá demorado tanto tempo para que todos percebessem o óbvio? Com esta discussão, sim, já me parece útil perder bastante tempo.
quinta-feira, setembro 15, 2005
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