Recebi de um leitor o seguinte e-mail (excerto):
Não vivo em Portugal, em Lisboa, há cerca de quatro anos, e os dados que lhe poderei dar serão sempre pouco exactos. Deste modo, se não vai contra a política do seu blog (ou se a questão, pura e simplesmente, não lhe interessa), gostaria muito de ver esclarecida (no seu blog ou através deste mail) uma questão a propósito de uma sondagem que foi realizada pelo jornal PUBLICO aquando da greve geral, durante o governo de Durão Barroso (ministro Bagão Félix), ou seja, julgo eu, nos finais de 2003.
Tentei procurar na net e nada encontrei a propósito desta sondagem ou mesmo da dita greve (apenas no site pt.indymedia.org, uma nota e uma discussão). A questão importante neste caso é que a sondagem falava de 5% de adesão à greve, no máximo 10%, e todas as organizações falaram a partir destes números. O ministro Bagão Félix (que tinha aliás falado ameaçadoramente de um acto de greve anti-patriótico, contra o desenvolvimento do país) sentiu-se vitorioso e os sindicatos pouco puderam dizer, apesar de os seus números serem muito diferentes (adesão baixa, mas não tanto).
A ideia com que eu fiquei - e daqui o pedido de possível esclarecimento sobre uma enorme e estranhamente clara fraude - foi que a dita sondagem tinha como universo cerca de 85% de trabalhadores por conta própria (que, obviamente, nunca fariam greve).Gostaria muito de ver esta minha questãos olucionada, nem que seja porque a sua memória seja melhor que a minha.
Ora bem. Não tenho, neste posto de trabalho onde estou agora os dados sobre essa sondagem de, salvo erro, Dezembro de 2002. Mas recordo-me de várias coisas:
1. A percentagem de adesão declarada na sondagem em relação ao total da população empregada foi de, salvo erro, 10%;
2. A sondagem não media "falta de comparência ao local de trabalho" (os dados dos sindicatos) mas sim "adesão à greve", o que torna as percentagens não comparáveis. Como é óbvio, eu posso não ir trabalhar se achar que não tenho transportes, mas isso não quer dizer que "adira à greve". O que é mais importante e significativo? Não sei. Sei é que a sondagem media o que lá estava escrito que procurava medir, e não outra coisa qualquer.
3. Mais importante, a sondagem apresentava várias percentagens de adesão em relação a várias bases: a população empregada, a população empregada por conta de outrem, a população empregada por conta de outrem no sector público, em função do vínculo contratual, etc. Como é óbvio, a percentagem subia à medida que íamos restringíamos o universo desta forma. Salvo erro, chegava aos 30%, na melhor das hipóteses.
4. O grande problema, segundo me lembro, foi outro: o facto de o Público ter destacado "Greve Geral teve adesão de 10%", sem distingir sectores, trabalhadores por conta de outrém e por conta própria, etc. Tudo o resto, que lá estava escrito e relatado no corpo da notícia, se perdeu à volta deste número mágico: 10%.
5. Mas se se perdeu, a responsabilidade foi também, em parte, dos dirigentes sindicais. Para o leitor, a impressão que lhe ficou foi de "enorme e estranhamente clara fraude". Bem, fui responsável pela sondagem, e não participo em "fraudes". Mas recordo-me claramente que a impressão que me ficou foi de enorme e estranhamente clara falta de sofisticação política dos dirigentes sindicais, que em vez de destacarem a percentagem de adesão entre os trabalhadores contratados por conta de outrem, com contrato e no sector público (que foi publicada e divulgada no Público, na RTP e na RDP), fixaram-se também eles nestes "10%", entretendo-se com acusações de "fraude" e queixas à AACS e, logo, contribuindo assim para aumentar a visibilidade do valor geral calculado em relação à totalidade da população empregada, para satisfação evidente do ex-ministro Bagão Félix.
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