quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Tesourinhos perplexizantes da história eleitoral portuguesa

Já agora que começamos a falar na Madeira, e após ter sido chamado a atenção para isto numa conversa hoje com pessoa amiga, haverá alguma alma caridosa que me possa explicar isto?

Eleições para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira:

Eleitores inscritos:
1980: 153.439
1984: 80.349
1988: 185.340

Fonte: CNE.

França: tracking poll

Os gauleses cedem finalmente aos encantos das tracking polls - mais tarde que os portugueses, note-se - chamando-lhes, como não podia deixar de ser, outra coisa: baromètre électoral en continu. É na IPSOS, e começa hoje.

Entretanto, também no site da IPSOS, um óptimo texto do director, Pierre Giacometti, sobre sondagens de intenções de voto. Já aprendi umas coisas hoje.

Madeira

Começam as sondagens na Madeira. Esta foi divulgada ontem:

Eurosondagem, 23 de Fevereiro, N=525
PSD: 59,1%
PS: 25%
CDS: 5,9%
PCP: 4,8%
BE: 3,4%
OBN: 1,8%

Recebi mensagens de leitores que me pedem comentários. Conheço muito mal a vida política na Madeira, mas dá para perceber que a coisa é divertida. Um dos e-mails aponta o facto de, no comunicado do PSD-Madeira em reacção aos resultados, se desvalorizar a sondagem por estar a "inflacionar" os resultados do PSD com vista a desmobilizar os seus eleitores, ao mesmo mesmo tempo se manifesta descrença nos resultados do PS ("o PSD não acredita na subserviência a Lisboa por parte de um quarto dos madeirenses"). Logo, pelos vistos, aquilo em que o PSD Madeira acredita mesmo é que o CDS, o PCP e o BE vão ter melhores resultados do que a sondagem sugere...

Outro e-mail aponta algo que não consegui descortinar das notícias a que tive acesso: que cerca de 100 dos 525 inquiridos não respondeu à pergunta sobre intenção de voto. As implicações disto são simples: por um lado, significa que a dimensão da amostra na base da qual se fizerem inferências sobre os resultados é menor do o total de inquiridos, o que, alías, sucede em todas as sondagens (há sempre pessoas que recusam responder a esta pergunta); por outro lado, lança a questão de saber se haverá um determinado perfil de votante que tende a rejeitar mais responder a este tipo de perguntas pelo telefone. Suponho que é este raciocínio que está subjacente àquilo que o leitor me diz no final do e-mail:

"Dois dias antes das eleições regionais de 2004, foi publicada outra sondagem que previa que o PSD teria 63% e PS 22 % das intenções de voto, e o que se verificou foi que o PSD obteve apenas 53% e o PS 27%."´

Pois, é muito possível que eleitores que não sejam do PSD tenham maior relutância em admitir as suas opções numa sondagem, especialmente pelo telefone. O mesmo, alías, parece suceder nas eleições autárquicas em relação ao partido que esteja no poder. Mas seria necessário ter pontos de comparação com sondagens que utilizassem outros métodos de inquirição para perceber se a ideia tem pernas para andar. Para já, é só uma hipótese.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Not really, but who cares

Rui Castro, no 31 da Armada, afirma que "de acordo com o barómetro feito pela Marktest para o DN e para a TSF, o Governo socialista e o Primeiro Ministro atingem os mais elevados níveis de popularidade desde que iniciaram funções há 2 anos".

Como podem ver no gráfico do post anterior, isto não é rigorosamente verdade, pelo menos no dito Barómetro.* But who cares? Isto, de resto, é só mais um exemplo daquilo que que falava aqui. É verdadeiramente curioso este desfasamento entre aquilo que os dados dizem sobre a opinião pública e aquilo que é, na "opinião publicada" (para lhe dar este nome), a percepção da popularidade do governo. Geralmente, estes desfasamentos são explicados em termos de uma assimetria no acesso à informação: enquanto a "opinião publicada" tem informação privilegiada, as "massas" reagem mais "tarde" ou são mais "manipuláveis". Foi assim, por exemplo, que se tentou explicar por que razão o PS continuava a merecer forte apoio popular em 2001, quando a "opinião publicada" já dava o governo Guterres como moribundo.

Mas desta vez, enquanto as "massas" estão longe de ser unânimes no apoio ao Primeiro-Ministro, são as "elites" que o apoiam ou, pelo menos (o que, na prática, não é tão diferente como possa parecer) partilham uma percepção de que o apoio é esmagador. Como se explica isto? Deixando de lado explicações socio-económicas das posições de "elites" e "massas" (mas não sei de as devemos deixar completamente de lado), talvez a explicação seja a mesma: a "informação privilegiada" que as "elites" têm (ou julgam ter) é a de que os "custos" da governação Sócrates são inevitáveis ou mesmo desejáveis, ao passo que "as massas" estão menos dispostas a ver a coisa por esse lado tão "reformista" e de "longo-prazo".

Mas veremos, no final, quem realmente sabia o quê.

* Suponho que a afirmação de Rui Castro seja mais ditada pelas intenções de voto no PS no mesmo Barómetro, que são realmente muito altas. Mas quem dá muita importância face value a intenções de voto em sondagens a dois anos de legislativas está, na minha opinião, a perder o seu tempo.

Barómetro Marktest

O saldo de popularidade de Sócrates actualizado com a sondagem divulgada hoje.
Sócrates recupera, mas a diferença entre os dois "barómetros" continua a ser grande.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Ségo-Sarko

Dois entusiasmos na imprensa:

1. Com Bayrou. A ideia é interessante, mas é também sintoma de falta de assunto.


2. Com uma possível recuperação de Ségolène após a performance televisiva, mas até agora detectada numa única sondagem, a amarelo, em baixo.





A seguir com atenção.

A popularidade de Sócrates

Não venho dar mais uma contribuição para decifrar os "mistérios" da popularidade do Primeiro-Ministro, tema em voga nos jornais por estes dias. Venho apenas mostrar os dados. O próximo gráfico mostra a evolução do "saldo de popularidade" de Sócrates, ou seja, a percentagem de inquiridos que fazem uma avaliação positiva da sua actuação subtraída da percentagem daqueles que fazem uma evolução negativa. Como vêem...



1. A discrepância em termos absolutos entre os resultados da Eurosondagem e os da Marktest é enorme. Nos primeiros, Sócrates anda próximo de um saldo de 40 pontos positivos, e está hoje (ou melhor, estava no fim de Janeiro, quando foi feita a última sondagem) perto do "estado de graça" com que iniciou o mandato. Nos segundos, o saldo positivo é de apenas 8 pontos percentuais, tendo assim quase tantas pessoas a fazerem uma avaliação positiva como aquelas que fazem uma avaliação negativa da sua actuação, e estando muito longe dos mais de 30 pontos positivos com que iniciou o mandato. É o dia e a noite. Qualquer análise da "popularidade" de Sócrates tem de fazer uma escolha sobre em que dados confia. Pelos vistos, a maioria dos comentadores confia nos primeiros.

2. Mas é possível que se trate menos de uma questão de escolha daquilo em que se quer acreditar do que uma mera comparação com o líder da oposição. Nesse caso, percebe-se a ideia:

Mas mesmo assim, continuar a falar de um "estado de graça" do Primeiro Ministro ou do Governo, e basear esse diagnóstico nas sondagens, parece-me deslocado. O PS continua à frente das intenções de voto? Em 2001 também estava.

3. Disto isto, as tendências de evolução são semelhantes para os dois institutos. Para Sócrates, descida até às autárquicas de 2005, seguida de recuperação desde então, mais ou menos acidentada dependendo do instituto. Para Mendes, descida também desde chegada à liderança do partido, seguida de relativa estabilidade. Na Marktest, contudo, os últimos meses têm sido de acentuada degradação para Marques Mendes, e os resultados das sondagens pós-referendo não lhe serão certamente propícios.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

TNSEuroteste

Dia de embirrar com jornalistas? Talvez, peço já desculpa. Mas dizer que a TNSEuroteste é uma "empresa que dá os primeiros passos no mercado português" é uma afirmação, no mínimo, extravagante. A Euroteste existe desde 1988. Quando dirigida por Vidal de Oliveira, fez muitas sondagens eleitorais para os meios de comunicação social. Fez os inquéritos por questionário para vários projectos académicos que eu conheço bem, incluindo um de 2004 que, na parte portuguesa, coordenei no ICS. Faz, de há uns anos para cá, a componente portuguesa do Eurobarómetro. Tem feito, segundo o próprio PSD, vários trabalhos para o partido (não sei se continua a fazer ou não). Talvez o pormenor esteja no facto de ser há menos tempo parte do império TNS. Mas mesmo assim já pertence ao grupo desde, que eu saiba, 2000. Primeiros passos? Que disparate.

Religiosidade e voto

Sei, por experiência própria, que pôr académicos a falar com jornalistas é coisa que, por vezes, dá mau resultado. Nuns casos porque os primeiros procuram preservar a complexidade dos seus argumentos de uma forma que os jornalistas não conseguem (ou não podem mesmo) reconstituir nas suas peças. Noutros porque, antecipando esse desfecho, são os próprios académicos que simplificam os seus argumentos de forma a que, no final, o que é dito já não faz justiça àquilo que sabem e acaba depois numa versão "abastardada" que, de resto, é consumida acriticamente como sendo a "voz da verdade". Nada disto é fácil.

Mas às vezes os jornalistas não ajudam. Começo por dizer que gosto bastante do António Marujo como jornalista, mas como é possível fazer um título destes - "O voto católico não existiu no referendo sobre o aborto" - na edição do Público do dia 18? Uma coisa é dizer que o comportamento de voto no passado referendo não teve como causa única a religiosidade subjectiva dos inquiridos ou a sua prática religiosa, ou, por outras palavras, que "'é redutor' ler uma coincidência entre o catolicismo e a vitória do 'não' a norte do Mondego" (que é aquilo que Helena Vilaça, afinal, diz, antes de ser perder um pouco com alguns casos isolados que não aquecem nem arrefecem). Como alguém já escreveu, "o mundo é multivariado", e os comportamentos humanos não fogem à regra.

Mas dizer que não existiu "um voto católico" no referendo é esticar a corda para além daquilo que a corda aguenta. Qual é a hipótese que se está a tentar refutar com o título da peça? A de que todos os católicos teriam votado "Não" no referendo? A de que o único factor que explicou o voto foi a religião? Mas pela cabeça de quem passariam ideias dessas?

Na verdade, a religiosidade ou a prática religiosa são ainda, entre as variáveis estruturais ou socio-demográficas, e num país onde a ancoragem social do voto é muito ténue, dos poucos preditores do voto que nos ajudam a distinguir os eleitores entre si em eleições legislativas (em particular os do PCP e do BE dos do PS e os do PP dos do PSD). E como já referi aqui, nas sondagens sobre intenções de voto, a religiosidade era um dos principais preditores do voto "Não". E como não? E que mal tem assumi-lo? Porquê procurar contornar o incontornável? Não percebi.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

"Abstenção técnica"

O último número da revista "Eleições", editada pelo Stape (.pdf 3.65MB) tem vários artigos interessantes, entre eles um da autoria de Paulo Machado e Carla Gomes, intitulado "Mudança Social em Portugal: Contributos para uma Interpretação Sumária com Recurso à Base de dados do Recenseamento Eleitoral".

O objectivo do artigo é outro. Mas de passagem, os autores comparam o apuramento do recenseamento eleitoral em 2001 (Abril) e 2005 (Dezembro) com o recenseamento populacional do INE de 2001 (Março) e as estimativas, também do INE, em 31/12/2005, respeitante à população residente com 18 ou mais anos. Para 2001, encontram uma diferença de 4,9%, a favor do RE, valor que eu tinha em mente quando escrevi isto. Contudo, para finais de 2005, esta diferença é estimada em 2,1%. Tudo isto tem de ser encarado com mil cuidados, vários deles explicados no artigo. Mas é possível, afinal, que o problema da abstenção técnica não seja tão grave como se menciona aqui (nem tão grave como eu próprio tenderia a pensar que era).

Fadiga eleitoral, 2

Os meus apelos, pelos vistos, não produzem efeitos.

Sobre a participação eleitoral em referendos

Depois de ler o que se foi escrevendo, cito, pela quarta ou quinta vez, este útil texto (.pdf):

One of the first issues that arises in comparing referendum and election campaigns is that of voter turnout. Evidence suggests that turnout can vary much more widely in referendums than it does in elections. In Switzerland, where referendums are commonplace events, turnout is generally well below 50%, and can sometimes be much lower (Kobach, 1993). It can however rise to considerably higher levels when a particular issue engages wide voter interest or when a more intense campaign is waged by interested groups. In U. S. state referendums, turnout is notoriously low, and can be subject to even more extreme fluctuations. Butler and Ranney (1994) found that turnout over a large number of referendum cases in various nations averaged fifteen percentage points lower than that found in general elections in the same countries. Cronin (1989) found a comparable rate of "drop-off" -- i.e. the difference between voting the candidate and propositions sections of the ballot -- in American state referendums.

However, there is no reason to believe that turnout in referendums is necessarily lower than that found in elections. The turnout in some of the more important European referendums has generally been comparable to that found in national elections (table 3), and turnout in the 1995 Quebec sovereignty referendum registered an astonishing 94%, higher than in any provincial or federal election. Other important referendums in which turnout registered higher than that of a comparable election (table 3) are the 1992 Canadian constitutional referendum (+5), the 1994 Norwegian EU membership referendum (+13), the 1993 Danish referendum on the Edinburgh agreement (+3), and the 1993 Russian referendums (+12, +5). But clearly, a referendum held separately on a less salient issue runs the risk of lower voter participation. The 1992 New Zealand referendum on electoral reform (-28), the Puerto Rico statehood plebiscites (-9, -12), the 1980 Swedish nuclear power referendum (-15), and the 1986 Spanish referendum on NATO (-11) are all cases in which turnout fell significantly below that of the most nearly comparable election."

Em resumo: pode ser alta, especialmente quando diz respeito a questões de "regime", mas é, em geral, mais baixa do que em eleições de "primeira ordem", como não podia deixar de ser.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Wishful thinking

De um amigo:

"Fiquei um pouco intrigado com o teu optimismo sobre as boas práticas relativamente aos eleitores potenciais. Vou ter que reler os jornais para ver o que me escapou. Explicação alternativa que me passou pela cabeça:

- os votantes efectivos foram um retrato do “sentimento” subjacente da população - o que seria óptimo para o SIM, porque reforçaria a legitimidade para continuar apesar de o referendo não ser vinculativo;

- ter havido, no caso presente, uma correlação mais forte do que é normal entre disposição a responder aos inquéritos e disposição a votar."


Pois é. Só me baseio no facto de, conhecendo algums inquéritos feitos, ter notado a existência de baterias de perguntas destinadas a modelar a probabilidade do voto, coisa que sempre achei ter merecido pouca atenção no passado. E de nas eleições de grande abstenção - europeias e referendos - a precisão das sondagens ter vindo a aumentar e o grau de dispersão entre resultados ter vindo a diminuir. Mas a verdade é que este último aspecto se correlaciona também com o facto do trabalho de campo, a partir de 2000, poder ser conduzido até mais tarde. Logo, a verdade é que não tenho realmente elementos que me permitam dizer que, se os resultados da maior parte das sondagens foram o que foram, foi porque quem fez os inquéritos conseguiu distinguir bem entre os votantes prováveis e os outros. Wishful thinking, reconheço.

A vinculatividade dos referendos

Anda por aqui uma discussão que me interessa muito, até porque já escrevinhei umas coisas sobre o tema: se deve ou não haver um quórum mínimo para a vinculatividade dos referendos.

Um dos argumentos que já apareceu nessa discussão - e que já tinha aparecido aqui - é o de que a própria pergunta, colocada nestes termos, é meramente formalista, dado que, como temos visto, a vontade maioritária é politicamente interpretada como vinculativa independemente de o ser ou não do ponto de vista formal.

Bem, estou a pensar e a escrever um pouco à pressa, mas acho que temos de ter cuidado aqui. Isso foi verdade nestes três referendos que tivemos. Mas noutros, o problema pode ser politicamente colocado de outra forma. Se até neste referendo da despenalização do aborto, com uma participação que, descontada a abstenção técnica, não deverá ter andado longe dos 50%, há gente (vagamente lunática, admito) capaz de levantar a questão, noutros temas - Constituição Europeia, por exemplo, pelos efeitos vastíssimos que produz a sua aprovação ou reprovação - a questão pode ser colocada de forma muito mais premente, se se entender ser politicamente vantajoso fazê-lo.

Mas agora, note-se: há um detalhe que eu terei ignorado e que pode fazer a diferença. Deixei-me influenciar muito pelo caso italiano nesta reflexão, onde de facto tem havido, por parte dos partidos e da Igreja, uma recorrente actuação estratégica quer no sentido de "ausência de mobilização" quer de verdadeiros apelos à abstenção, em ambos os casos procurando garantir que o resultado não fosse vinculativo.

Esqueci-me, contudo, que o caso italiano é diferente do português num aspecto possivelmente fulcral. Em Portugal, o que é referendado é uma medida susceptível de ser objecto de legislação por parte da AR. Já em Itália, a regra do quórum aplica-se aos referendos do art. 75. E os referendos do art. 75 são os referendos abrogativos, ou seja, aqueles através dos quais os eleitores se pronunciam sobre se uma lei já aprovada deve ser revogada ou alterada ("Sim") ou preservada ("Não"). Logo, a vinculatividade ou a falta dela têm efeitos automáticos independentemente da "intepretação política" que dela se faça: se for Sim vinculativo, a lei é alterada ou revogada; se for Não, vinculativo ou não, ou mesmo um Sim não vinculativo - e é aqui que o jogo da desmobilização tem sido feito - a lei mantém-se em vigor.

Logo, um "Sim" ser ou não vinculativo tem sempre consequências importantes em Itália. Em Portugal, creio, dependerá do tema. Estarei a ver bem a coisa?

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Fadiga eleitoral

Há muita coisa escrita por (.pdf) sobre o papel da "fadiga eleitoral" na abstenção. Mas "fadiga eleitoral", para mim, é ter seis eleições (Europeias 2004, Regionais 2004, Legislativas 2005, Autárquicas 2005, Presidenciais 2006, Referendo 2007) e treze sondagens à boca das urnas (contando duas nas regionais e sete nas autárquicas) em menos de três anos. Um apelo sentido, então, à contenção no uso futuro do referendo e à solidariedade com o Professor Carmona.

Rescaldo

Os resultados provisórios do referendo de ontem são conhecidos:

Portugal:
Sim: 59,25%
Não: 40,75%

Continente:
Sim: 60,3%
Não: 39,7%

Apesar de serem provisórios, escusamos de estar com excessivos preciosismos e podemos partir deles para avaliar como correram as sondagens.

1. Pré-eleitorais: seguindo a sugestão deste leitor, os resultados das sondagens pré-eleitorais devem de facto ser comparados com os resultados no Continente e não com os resultados nacionais, dado que o universo destas sondagens é o conjunto dos eleitores no Continente. Noutras eleições isso costuma fazer pouca diferença, mas neste referendo (tal como em 1998) a inclinação forte dos Açores e da Madeira para o "Não", em contraste com o resto do país, fazem com que, apesar de tudo, haja uma diferença de um ponto percentual em relação aos resultados nacionais.



Olhando para o quadro anterior, é fácil perceber que TNSEuroteste, Intercampus e Católica (por esta ordem) foram quem, a uma semana ou pouco menos das eleições, mais se aproximaram daqueles que vieram a ser os resultados finais. Já a Aximage, apesar de, curiosamente, ter um trabalho de campo mais tardio, ficou um pouco mais longe que os outros três institutos. A Eurosondagem mais longe ainda. Andava, aliás, desalinhada dos restantes institutos desde o início, e assim continuou no fim. Compare-se isto com as presidenciais e os desvios na estimação dos resultados de Cavaco Silva ou com as legislativas e os desvios na estimação dos resultados do PS para percebermos como os referendos trazem, apesar de tudo, mais dificuldades do que outras eleições.

2. Sondagens boca das urnas: aqui, a comparação deve ser com os resultados nacionais. Nuns casos porque, verdadeiramente, os institutos de sondagens conduziram trabalho de campo nas regiões. Nos outros porque, mesmo que não haja trabalho de campo nas ilhas, as ditas "projecções" têm sempre ajustamentos de forma a poderem inferir de alguma forma esses resultados e o seu impacto nos resultados nacionais.



Neste caso, foi a Católica que ficou mais perto, mas as diferenças entre os diversos institutos são reduzidas: as projecções estiveram fundamentalmente correctas.

Em resumo: o cepticismo em relação às sondagens eleitorais que davam uma vantagem confortável ao Sim era exagerado. Isto é uma boa notícia: que se consiga fazer sondagens relativamente precisas em eleições com 56% de abstencionistas significa que há boas práticas na estimação dos votantes prováveis.

sábado, fevereiro 10, 2007

Correcção

Sem querer perturbar a vossa "reflexão", um e-mail de um leitor:

"No quadro do seu post "As sondagens de 1998" há um detalhe que talvez não seja muito rigoroso - é que não se pode comparar os valores das sondagens com os resultados nacionais globais: por norma, as sondagens são só feitas em Portugal continental. Ora, no "continente" o resultado não foi "49,1% - Sim; 50,9% - Não", foi mais algo como "50,3% - Sim; 49,7% - Não", o que quer dizer que as sondagens não falharam tanto como isso (pelo menos acertaram no vencedor, no contexto da população estudada)."

O leitor tem razão.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Factores de incerteza

E na verdade, são boas as razões para esse sentimento de incerteza:

1. Começa por aqui: sondagens realizadas num curto intervalo de tempo chegam a conclusões bastante diferentes sobre a relação de forças entre intenções de voto "Sim" e "Não". É quase certo que, no momento em que foram feitas, se possa dizer que entre os eleitores as intenções em votar "Sim" eram mais numerosas que as intenções em votar "Não". Mas quanto mais numerosas? E acresce a isto a percentagem considerável daqueles que dizem tencionar votar mas que se encontram indecisos (entre 6 e 17%). Nas legislativas de 2005, por exemplo, não passavam, na pior das hipóteses, de 10%.

2. Continua por aqui: reparem, por exemplo, na notável estabilidade das intenções de voto nas legislativas. Vejam como só nas sondagens da última semana essa estabilidade foi quebrada nas presidenciais. E como tudo tem sido diferente e mais volátil neste referendo. Nada disto é inesperado:

"The dynamics of a referendum campaign can often be harder to anticipate than those of an election, and the breadth of participation of the electorate cannot always be assumed. It follows, therefore, that the outcome of many referendums is not easily predictable, even in some cases where the distribution of public opinion on the issue of the referendum is well known. The short term perceptions of the referendum question on the part of voters, the images that they may hold of the groups and individuals involved, or their reactions to the discourse of the campaign, can be as important to the voting decision as their opinions or beliefs on the fundamental issue itself. While longer term factors such as partisanship or ideology may also be important, the short-term impact of campaign strategies and tactics can often make a substantial difference in determining referendum outcomes. A referendum presents a somewhat different set of choices to the voter than does an election. No political parties or candidate names appear on the ballot. In a referendum, unlike an election, voters must decide among alternatives that are sometimes unfamiliar and perhaps lacking in reliable cues. One might therefore expect a greater degree of volatility and uncertainty in referendum voting behaviour than is typically found in elections."

3. Aumenta quando olhamos para isto. Nenhuma sondagem em 1998 foi feita a tempo de tirar uma fotografia que fosse igual àquilo que, vários dias depois, acabou por suceder. Quem nos diz que a dinâmica de 2007 não é semelhante?

Dito isto, não quero que se saia daqui só com dúvidas absolutas. Há, pelo menos, uma afirmação probabilística que se pode fazer na base dos dados disponíveis: as chances de vitória do "Sim" são maiores hoje do que em 1998. A vantagem do "Sim" parece ser maior a menos tempo da eleição do que era em 1998 a mais tempo (não esquecer que as últimas sondagens de 1998 foram realizadas com maior distância do dia do referendo). É altamente provável que a participação eleitoral seja mais elevada o que, em princípio - "em princípio", noto - deverá favorecer o "Sim". Mas certezas? Impossível.

E agora, chega de sondagens. O que conta é o voto.

P.S.- Desculpem todas as "auto-ligações", mas foi para poupar tempo.

As sondagens interpretadas na imprensa

As expectativas partilhadas pelos jornalistas sobre o que irão ser os resultados são facilmente inferidas na base do tratamento dado às sondagens na imprensa.

1. Destaque de primeira página no Expresso para os votos válidos no "Sim": 53,1%.

2. Jornal de Notícias: 58% na primeira página, mas em letra pequena. Ênfase na peça à possível desmobilização dos jovens.

3. Público: é quase preciso virar o jornal do avesso para descobrir os 62% e toda a ênfase da peça é na "descida" do Sim e nos factores de incerteza.

Em resumo: independentemente dos resultados das sondagens, a incerteza é grande e ninguém acredita em vantagens confortáveis do "Sim".

Interlúdio

«A Universidade Católica, que é um instrumento do não, apresentou a espantosa sondagem de 16% de diferença para o sim, pretendendo que as pessoas não votem. Temos que garantir todos os votos, porque em 1998 as sondagens davam a vitória ao sim e depois tal não aconteceu, por um voto se ganha e por um se perde», afirmou Jerónimo de Sousa, num encontro realizado no Ginásio Atlético Clube, na Baixa da Banheira.

Dispersão

É grande. Reparem, de uma forma muito simples, nas sondagens divulgadas na última semana nas legislativas de 2005, nas presidenciais de 2006 e agora:




Em 2005 e 2006, as sondagens davam estimativas muito aproximadas para a votação no PS ou em Cavaco. Hoje, 9 pontos separam as estimativas máxima e mínima para o "Sim".

Tendências 2

Para perceber se há mudanças significativas de curto prazo, corri uma regressão linear simples com a percentagem de votos válidos no "Sim" como variável dependente e variáveis independentes "dummy" (o e 1) medindo se uma sondagem foi realizada por este ou aquele instituto e três variáveis "temporais": "Antes de Janeiro" (sondagens realizadas entre Outubro e Dezembro); "Janeiro"; e "Fevereiro". Eis os resultados:





A interpretação é simples: quando controlamos os efeitos do facto de diferentes sondagens terem sido realizadas por diferentes institutos, a estimativa de votos válidos no "Sim" tem vindo sempre a descer: 65% antes de Janeiro, 61% em Janeiro e 57% em Fevereiro. Esta análise está muito condicionada pelo facto de termos poucos casos (21 sondagens) e do "mix" concreto de institutos que realizaram sondagens em determinados períodos de tempo. Mas é o que se pode (ou o que sei) fazer. Os valores estimados para cada período visam apenas avaliar a existência de tendências estatisticamente significativas. E confirma-se também a Eurosondagem como "outlier", com estimativas significativamente abaixo das dos restantes institutos ao longo do período (o que não significa uma avaliação da precisão de uns ou outros).

Tendências 1

O que nos dizem as últimas sondagens à luz daquilo que já sabíamos sobre a evolução das intenções de voto?

Olhando para os dados em conjunto, continua a ser manifesta uma tendência de "médio prazo" de descida dos votos válidos no "Sim" a partir do início de Janeiro. Mas o declive tornou-se menos acentuado com as últimas sondagens.

As últimas sondagens

(Aditado no que respeita à TNSEuroteste)


Cá vamos nós. Relembrando as regras básicas:

1. Coloco apenas a informação publicada nos jornais ou que se pode inferir directamente dessa informação;

2. Nas "intenções directas de voto", excluo a abstenção declarada ou estimada da base de cálculo, deixando apenas intenções "Sim", "Não", e "Indecisos/Não respostas". Isto sucede porque, nalguns casos, os institutos apresentam valores para a abstenção declarada, enquanto noutros parece evidente que os valores apresentados resultam de uma estimativa que não sei como é feita em cada caso.

3. No caso da sondagem Intercampus, não posso fazer o que descrevo no ponto anterior, porque a peça no Público não apresenta a percentagem daqueles que, entre todos os inquiridos, disseram tencionar votar mas não saber ainda como. É possível que a questão nem tenha sido colocada assim, tendo em conta que no Público se divulgam os resultados das respostas a uma escala sobre "clareza do voto". É possível que esta escala tenha sido usada para ponderar os votos. Mas não sei.

4. A minha informação sobre a sondagem TNS Euroteste foi retirada de um despacho da Lusa e com a ajuda de uma amável jornalista que lá trabalha. Mas vou ainda hoje comprar o Sol - uma estreia - para confirmar.

5. Há quatro casos - Católica, Intercampus, Eurosondagem e TNSEuroteste - em que, para além das intenções directas de voto, são dadas na imprensa estimativas de votos válidos, invariavelmente partindo da pressuposição da abstenção dos indecisos. Apresento essas estimativas. No caso da Aximage, sou eu quem aplica essa pressuposição, com o mero fim analítico de tornar todas as sondagens comparáveis entre si e com os resultados eleitorais.


quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Últimas sondagens: Eurosondagem

Aqui.

Últimas sondagens: Intercampus e Católica

Aqui e aqui. Amanhã com mais calma...

Últimas sondagens: Aximage

Está aqui. A divulgação da ficha técnica ficou adiada para amanhã.

Sim: 52,6%
Não: 41,5%
Indecisos: 5,9%

Se, apenas para o fim de tornar esta sondagem comparável com outras e com resultados eleitorais, redistribuirmos os indecisos proporcionalmente pelas opções válidas, ficamos com 56% para o Sim e 44% para o Não. Em relação à anterior sondagem da Aximage, isto representa uma estabilização das intenções de voto.

Hoje haverá mais duas, pelo menos.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Heresthetics

Por estes dias, já só consigo pensar no grande William Riker.

" 'Democratic political outcomes (...) are an amalgamation that often operates quite personally and unfairly, giving special advantages to smarter or bolder or more powerful or more creative ot simply luckier participants' (Riker 1982, p. 200). The outgrowth of the indeterminacy Riker sees in democratic regimes is a type of political entrepeneurship he labels heresthetic. This is the art of creating successful coalitions by reframing alternatives, so that people are induced or compelled to join without necessarily being persuaded to the leader's point of view."

Linda L. Fowler, recensão de The Art of Political Manipulation


"The classic heresthetic is reducing or increasing dimensionality. Thus, when 'a person expects to lose on some decision, the fundamental heresthetical device is to divide the majority with a new alternative, one that he prefers to the alternative previously expected to win. (...) A pure heresthetic does not shape preferences but structures a situation so that other participants must act in a way that suits the heresthetician's interests even though the former's preferences remain unchanged."

Andrew Taylor, Stanley Baldwin, heresthetics and the realignment of British politics


"Advocates attempt to manipulate preferences in several ways. (...) However, the most frequently attempted manipulation - and the one to which advocates devote most of their creative energy and time - is the formulation and presentation of 'interpretations' of various policy proposals. (...) An 'interpretation' consists on a set of arguments about the consequences of the policy proposal. (...) The aim of each interpretation is to emphasize a dimension of judgement what will lead people to prefer on policy proposal over competing, alternative proposals."

Richard Lau et al, Political Beliefs, Policy Interpretations, and Political Persuasion.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Sobre a importância do "centro" num referendo...

"Asked for their views in an opinion poll prior to or at an early stage of the campaign, the pragmatists might well have shown sympathy for change. However, these views would not have been particularly strongly held and would have been likely to be susceptible to change. In short, the hypothesis would be that the centrists or pragmatists swung from YES to NO over the course of the campaign because they were open to persuasion. (...) It is essential to take the intensity and salience of voters' (and non-voters) opinions into account and (...) these two features are likely to vary systematically depending on voters' proximity to the centre of the distribution of opinion."

Richard Sinnott, in Cleavages, parties and referendums: Relationships between representative and direct democracy in the Republic of Ireland.


"Another explanation for the no-side's success is that they were able to set the agenda and claim the middle ground. In this light, the Danish referendum seems to fit the patterm know as "the opinion reversal referendum". Canadian psephologist Larry LeDuc has found that the yes-side in a referendum often loses if the no-side captures the centre ground. (...) Therefore, while the government is often ahead when the referendum is called, the no-side often closes the gap - if it succeeds in appealing to the median voter."

Mads H. Qvortrup, in How to Lose a Referendum: the Danish Plebiscite on the Euro.

Trend a 5 de Fevereiro


Regressão local (smoothing) aplicada à percentagem de votos "Sim" em estimativas de resultados eleitorais.

Sondagem Aximage

Com a sondagem divulgada ontem, o quadro completo até ao momento fica assim:

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Reflexões irlandesas para o fim de semana

Ando para aqui a reler umas coisas antigas sobre referendos, e reencontro um artigo que teria valido muito a pena ler em 1998 e que volta a ser útil agora. Para quem tiver acesso à B-On ou ao JSTOR , chama-se Referendum Dynamics and the Irish Divorce Amendment.

Para quem não tiver acesso ao artigo, é sobre o referendo de 1986 na Irlanda, onde se votou sobre o levantamento de uma proibição constitucional do divórcio. Os factos descrevem-se rapidamente: em Fevereiro e Abril de 1986, havia maiorias claras nas sondagens a favor do "Sim"; em Junho, o "Não" ganhou. Onde é que eu já ouvi isto?

Darcy e Laver discutem várias hipóteses explicativas desta mudança maciça de opinião, à luz de outros exemplos de "opinion reversal" em referendos nos Estados Unidos: referendos sobre a fluorização da água e de ratificação da Equal Rights Amendment. E concluem duas coisas sobre aquilo que faz com que uma aparente maioria na opinião pública antes de uma campanha possa ser convertida numa derrota eleitoral:

1. A primeira, negando a ideia de que os eleitores estavam "confusos", e sugerindo, pelo contrário, que tomaram uma decisão "racional" (sem que isto seja um juízo de valor) na base da maneira como o assunto acabou por lhe ser apresentado:

"Voters favoring a limited form of divorce but voting no may not have been confused at all. Rather, they could well have adopted these superficially contradictory positions because they were not certain that only a limited form of divorce could be maintained once the constitution was amended. And we should note that the allegedly inexorable drift that would take place toward 'divorce on demand' was another key plank in the campaign of the antis. (...) This suggests the shift away from support for the divorce amendment was a shift away from the details of one specific proposal, not a shift away from support for divorce itself"


2. A segunda, sugerindo que um dos factores explicativos para a derrota do "Sim" foi o crescente afastamento das elites políticas da campanha e a transformação da campanha num "conflito comunitário":

"Wary both of internal splits and of finding themselves on the wrong side of an increasingly divisive issue, established elite organizations begin to develop strategies for avoiding participation. As a resulf of this, ad hoc groups outside the political elite carry on the struggle for both sides and 'finally, with the widening of the conflict, the tone of the debate shifts to one fo antagonism, personal slander, and overt hostility' (Boles, 1979, 18). Elite withdrawal from an increasingly ugly campaign, fought using techniques that often break the established rules of the game, appears to the public as elite doubt over the issue at stake. The proposed change thereby loses legitimacy and the result is defeat for the proposal. "

Dito isto, uma nota menos pessimista para o "Sim": em 1995, um novo referendo sobre o tema foi aprovado. Dessa vez, como se explica neste paper do Michael Gallagher, havia mais partidos a favor do "Sim" e os anteriores oposicionistas tiveram posições mais ambíguas (onde é que eu já ouvi isto?) Mas a verdade é que a nova proposta tomava em conta várias das preocupações sobre liberalização ilimitada (legítimas ou não, é indiferente) que tinham surgido em 1986. E que mesmo assim, ganhou por apenas 50,3% contra 49,7%...

Bom fim de semana.

Papel e caneta

Enviada por um amigo, uma notícia que nos ajuda a perceber melhor o futuro radioso da "democracia electrónica":

Florida Moves to End Touch-Screen Voting
Gov. Charlie Crist today announced plans today to abandon the touch-screen voting machines that many of Florida's largest counties installed after the disputed 2000 presidential election, instead adopting a statewide system of casting paper ballots counted by scanning machines. (ler mais)

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Sondagem IPOM

Noticiada aqui. Sugiro cautela com a interpretação dos "votos válidos". Primeiro, como sucede noutras ocasiões, são cálculo meu, não do órgão de informação ou do instituto. Segundo, porque 45,6+37,2+8,8+3,4=95, e não sei o que foi feito dos 5% que faltam. É possível que a notícia esteja incompleta de alguma forma ou que eu não a tenha intepretado correctamente, apesar de a ter relido várias vezes. Seja como for, imputo os 5% em falta aos Ns/Nr. Para quem não se recorda do que é o IPOM, fará melhor em ver aqui.

Ségo-Sarko


Sarko continua em crescendo.

Campanhas, 2

Esta notícia é interessante e intrigante. Parto sempre do princípio que os actores políticos são racionais e conhecem muito melhor a estrutura de custos e benefícios de uma decisão do que os "analistas" e "comentadores". Logo, quando não percebo uma decisão, tendo a concluir imediatamente que não tenho informação ou argúcia suficiente para a perceber. É este o caso: não entendo a posição de António Costa, logo, haverá qualquer coisa que não estou a ver bem.

O que me parecia que o "Não" tinha de fazer nesta campanha, e tem feito muito bem, é com que os eleitores não se limitem a ver neste referendo apenas uma decisão sobre a "despenalização do aborto", reenquadrando o tema de forma a que ele apareça como um referendo sobre o respeito pela vida, sobre a ordem social e moral onde queremos viver e sobre onde vai parar o dinheiro dos nossos impostos, por exemplo. E o "Não" teria também de sugerir, como tem feito, a existência de uma incerteza fundamental sobre o "day after" de uma vitória do "Sim": aumento do número de abortos, desregulação, abortos a passarem à frente de intervenções cirurgicas, despenalização "na prática" de abortos depois das 10 semanas, etc, etc, etc.

Isto parece-me uma boa estratégia a dois níveis. Por um lado, joga bem com o facto dos eleitores serem avessos ao risco: o que existe pode ser mau, mas se o que vem tanto pode ser melhor como pode ser pior, é melhor ficar como estamos. Por outro lado, como o "day after" de uma vitória do "Sim" pode ter várias configurações diferentes, importa que o eleitor o conceba como trazendo aquela que é a configuração mais radical de todas: o modelo de "período" - escolha livre ilimitada da mulher dentro de um determinado período de tempo - em vez de um modelo de "distress", em que, apesar da decisão última ser da mulher dentro de um determinado período e dessa decisão não ser penalizada, o aborto continua a ser visto como excepção e alguma espécie de aconselhamento ou mesmo dissuasão são obrigatórios, solução, de resto, comum na Europa. Visto à luz da primeira alternativa, o "Sim" pode aparecer aos eleitores como sendo demasiado extremista e radical, desmobilizando os moderados e reduzindo os votantes - como sucedeu em 1998 - aos "núcleos duros" de cada opção.

Nestas circunstâncias, sabendo como praticamente metade dos portugueses acha que a "vida" começa na concepção - mesmo que não vejam necessariamente essa vida como detentora dos mesmos direitos de uma pessoa humana - ou que a maioria dos portugueses acha que a escolha da mulher não pode ser ilimitada, o "Sim" teria de fazer duas coisas. Uma seria abandonar o discurso da "barriga é minha". Isso foi feito, apesar de tudo, com consideráveis rigor e disciplina. A outra seria tentar persuadir os eleitores - partindo do princípio que tal coisa é possível - que o "day after" de uma vitória do "Sim" não traria necessariamente incerteza, desregulação e radicalismo, mas sim uma solução que, apesar de tudo, poderia aparecer como moderada, de compromisso, e logo de equilíbrio e estável para o futuro. Que, uma vez mais, o poder político não iria usar o referendo apenas para se desresponsabilizar, obtendo uma decisão dos eleitores mas deixando depois o "day after" ao acaso. No passado, o "Não" sempre tomou muita atenção a este aspecto, explicando que, apesar de defender a manutenção da penalização, haveria no "day after" de uma vitória do "Não" um esforço em matéria de planeamento familiar e de apoio social.

António Costa, contudo, quer silêncio absoluto sobre o "day after". Do ponto de vista estrito do resultado do referendo, a decisão parece, à primeira vista, péssima. Mas é possível que António Costa ache que vitória do "Sim" está "no papo", ou que, apesar das dúvidas, é sempre preferível não se comprometer com nada que não saiba se vai querer cumprir. Ele lá saberá.