Este post, em duas partes, pode ter duas leituras políticas, que julgo poder antecipar. Haverá quem ache que estou ainda a tentar manter aberta a esperança de uma segunda volta. E haverá quem ache que estou a tentar evitar a desmobilização do eleitorado de Cavaco Silva em face do que pode parecer uma vitória certa. A intenção não é uma nem outra, mas façam como entenderem. A intenção, de facto, é chamar a atenção para os limites das sondagens que conhecemos até agora, quer como instrumentos de descrição do que vem sucedendo ao longo dos últimos meses (neste post) quer como instrumentos de previsão do que vai suceder dia 22 (no post seguinte).
Como instrumentos de descrição, as sondagens que conhecemos têm um problema fundamental: não são suficientemente variadas do ponto de vista técnico e metodológico para nos garantirem que as medições que têm estado a obter são independentes dessas opções técnicas e metodológicas. Note-se, por exemplo, que todas as sondagens usaram inquirição telefónica, com uma única excepção que, mesmo assim, não é para mim inteiramente clara (na ficha técnica da sondagem Intercampus de 22 de Dezembro fala-se em "entrevista pessoal", o que eu interpreto como sendo uma sondagem "face-a-face", mas não estou seguro).
Não quero com isto dizer que haja um problema genérico em fazer sondagens telefónicas (já perorei muitas vezes sobre o assunto aqui, defendendo que, até agora, e ceteris paribus, não é isso que parece fazer a diferença) ou que elas tenham tido até agora um enviesamento intrínseco numa direcção ou noutra. Quero apenas dizer que cada eleição é uma eleição, nunca sabemos se tem características podem fazer com que uma dada opção produza enviesamento, e que ficava muito mais descansado com estes resultados se visse maior variedade de técnicas de inquirição.
Acresce a isto que, quando essas variações metodológicas existem no nosso conjunto de sondagens, o seu impacto parece ser grande. Falo, por exemplo, do contraste entre sondagens que usam informação socio-demográfica para a construção da amostra (quotas) ou ponderação dos resultados (ponderadores) e aquelas que se limitam a confiar na aleatoriedade pura. Nas primeiras, que são a maioria, a média das estimativas para Cavaco, Alegre e Soares é, respectivamente, 59%, 16% e 14%. Nas segundas, é de 53%, 14% e 20%. E se excluirmos as sondagens da Católica - de classificação mais ambígua deste ponto de vista (porque seleccionam inquiridos aleatoriamente mas ponderam os resultados com dados do Censos) - do primeiro grupo, a média fica, respectivamente, 60%, 15% e 14%. São diferenças muito importantes.
É certo que parte destas discrepâncias se poderão atribuir ao facto de as diferentes sondagens serem feitas em momentos diferentes, sendo por isso afectadas pela passagem do tempo. Foi essa a perspectiva que, por exemplo, adoptei aqui, aqui e aqui. E é também verdade que tenho convicções próprias acerca de que sondagens e de que métodos obtêm medições mais fiáveis.
Mas a perspectiva do céptico, que foi a que adoptei aqui, limita-se a constatar diferenças e a interpretá-las como sintomas de incerteza. Neste momento, a amplitude dos resultados de Soares desde finais de Outubro (a diferença entre a estimativa mais baixa e a mais alta) é de 10,7 pontos percentuais, mais de duas vezes superior àquilo que seria de esperar exclusivamente apenas na base do erro amostral. A amplitude dos resultados de Cavaco é de 10,9 pontos percentuais, 1,7 vezes acima do que se poderia esperar na base do erro amostral. É bastante. O céptico só pode sentir-se algo incerto.
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