terça-feira, fevereiro 01, 2005

Os efeitos (indirectos) das sondagens

Quem leia alguns posts escritos atrás, como este, este ou este, pode ficar com a ideia de que as críticas às sondagens e às empresas ou institutos que as fazem são um exclusivo do PSD. Nada mais falso, e desculpem se dei erradamente essa ideia. O PSD é apenas o partido que tem feito essas críticas mais frequente e violentamente nos últimos anos. Há algum tempo, para escrever a introdução de um artigo sobre o tema, resolvi investigar o que se disse sobre sondagens em debates da Assembleia da República, coisa possível de fazer com a ajuda deste excelente serviço. Deixo-vos uma citação interessante, datada de Maio de 1988 (DAR nº 83, 4-5-1988, p. 3348):

"Apesar da sua importância, a experiência passada - infelizmente confirmada pela evolução da prática recente- lançou sobre as sondagens um anátema de descrédito e desconfiança. O debate político, principalmente em momentos eleitorais, levantou dúvidas e suspeitas muito legítimas sobre as condições de realização de sondagens de opinião. Muita gente criticou e denunciou deficiências técnicas ou mesmo eventuais manipulações na realização de sondagens, ao mesmo tempo que eram visíveis na comunicação social abusos e manipulações na interpretação e apresentação dos resultados que foram feitas de modo parcial, abusivo e partidário. (...) É, ou não, contrário à democracia que a serenidade do julgamento popular possa depender de influências de sondagens sobre as quais não há garantias de que observaram escrupulosamente as regras científicas da disciplina?"

Era José Sócrates quem assim falava no parlamento, defendendo um projecto de lei do PS sobre o assunto. Escolhi esta citação por ser de um actual líder partidário, mas há muitas outras, algumas bastante mais cáusticas. Mas julgo não errar se disser que as acusações abertas de manipulação, "sondagens fabricadas" ou "fraudes" têm mais frequentemente origem no PSD.

Independentemente da legitimidade em fazer estas críticas ou da razão objectiva que lhes pode assisitir, assuntos que preferia não comentar para já, o que mais me intriga é outra coisa. Que dividendos pensam os agentes políticos retirar dos ataques públicos que dirigem às empresas/institutos de sondagens? Ou mais interessante ainda: será que as sondagens têm de facto os efeitos sobre o comportamento eleitoral que os políticos supõem, efeitos esses que visam neutralizar quando atacam publicamente os resultados das sondagens?

Como imaginam, há décadas de investigação sobre a influência que as percepções do estado da opinião pública têm sobre o comportamento individual. Diana Mutz, no relativamente recente Impersonal Influence, depois de inventariar uma enorme quantidade de estudos sobre a matéria, sintetiza o estado da arte da seguinte forma (p. 196):

"A preocupação existente acerca da influência que as percepções da opinião pública têm sobre atitudes e comportamentos individuais gerou uma enorme quantidade de pesquisas. (...) A característica geral mais impressionante de todos estes estudos é o facto de sugerirem um impacto muito mais modesto do que aquilo que se pressupõe nas discussões populares sobre o assunto."

Daqui, parece resultar uma de duas conclusões: ou os estudiosos da matéria estão enganados e as sondagens afectam realmente os comportamentos dos indivíduos de forma significativa; ou os políticos são todos irracionais e estão a perder tempo e credibilidade quando vociferam contra as sondagens.

Contudo, acho que há uma terceira hipótese. É possível, para não dizer provável, que, tal como a produção científica sobre o assunto sugere, saber os resultados de uma determinada sondagem acabe por não fazer grandes efeitos no comportamento dos eleitores. Para cada efeito bandwagon (colocar os eleitores atrás do "carro que vai à frente") que se exerça sobre um conjunto de pessoas há sempre um efeito underdog sobre outras que neutraliza o primeiro. Só eleitores altamente sofisticados ou altamente desinformados são susceptíveis de tomar as sondagens como referência directa para o voto, os primeiros agindo estrategicamente na base das tendências avançadas pelas sondagens (e temos visto os custos de informação que isto implica) e os segundos tomando a opinião da maioria como boa.

Mas é possível, para não dizer provável, que as sondagens exerçam grandes efeitos no comportamento de outros agentes, cujas acções e decisões acabem, elas sim, por ter consequências nos resultados eleitorais. E nem sequer estou a pensar nos media, cujos efeitos na política tendem também a ser muito sobreestimados. Estou a pensar nas bases dos partidos e nos seus financiadores. Como preservar o poder e a autoridade como líder de um partido, como mobilizar efectivamente as distritais e os militantes para as campanhas, se as sondagens dizem que está tudo perdido? E do ponto de vista dos financiadores, para quê investir num determinado partido se tudo indica que ele não vai para o poder? O efeito de desmobilização que sondagens desfavoráveis exercem sobre as bases, a agitação que lançam nos potenciais sucessores e o afastamento de potenciais financiadores podem ser muito mais nocivos e incapacitantes para um partido do que quaisquer efeitos das sondagens sobre o eleitorado em geral. Acho que é a esta luz que se devem interpretar a irritação dos líderes partidários com sondagens que lhes são desfavoráveis.*

E se isto for verdade, sobra uma questão: por que serão as sondagens desfavoráveis mais "irritantes" para o PSD do que para os outros partidos portugueses? O que distingue o PSD e o torna, pelo menos a julgar pelo comportamento dos seus líderes, mais vulnerável a sondagens desfavoráveis? Segue um projecto de uma tese de doutoramento para a mesa 2, se faz favor.

*A ideia, claro, não é minha: vejam Henshel, Richard L., and William Johnston. 1987. “The Emergence of Bandwagon Effects: A Theory.” The Sociological Quarterly 28:493-511.

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